Clara Celina
A artista Mirna Xavier desenvolve trabalhos e exposições sobre questões da mulher, faz dança tribal e é uma das organizadoras do Encontro das Bruxas em Pelotas. Nessa entrevista, ela revela as conexões entre arte e bruxaria e mostra como tem sido o seu trabalho criativo. Mais do que algo que possa produzir terror, a bruxaria está vinculada ao caráter de constante descoberta da arte e também à feminilidade vinculada ao conhecimento oculto da natureza.
Arte no Sul – Como você visualiza as conexões entre bruxaria e arte?
Mirna – Eu não tinha a menor noção de bruxaria quando vim estudar em Pelotas. Foi algo que conheci por aqui, comecei a pesquisar e acabou movendo tudo que eu faço na arte. Na época – quando comecei a entrar em contato com a bruxaria – era 2014, eu estava no segundo semestre, ainda estava engatinhando nas pesquisas, mas já comecei a inserir símbolos e mitologias no meu trabalho. Fui a fundo nisso e não consegui mais me desvincular.
Quando comecei a realmente me desenvolver, em 2016, consegui criar coisas que têm mais a ver comigo. Essas coisas possuem “raízes” da bruxaria e “troncos e galhos” da arte e do feminismo, da semiótica, do Tarot – uni todas essas coisas.
Então, sem dúvidas, a bruxaria foi muito significativa para o meu trabalho. E acho que não só para o meu, há várias meninas no Centro da Artes (CA/UFPel) que passaram a também desenvolver trabalhos com bruxaria. Algumas com as quais eu troquei ideias e sinto que também foi instintivo para elas adicionarem esses elementos nos seus trabalhos artísticos, então se tornou quase uma reação em cadeia e hoje tem várias meninas que focam em bruxaria como arte no CA… E também fora do CA, eu falo nele porque é onde eu mais tenho convívio, mas é algo muito recorrente. Isso me deixa muito feliz porque também gera muitos eventos que falam de bruxaria e têm raízes na arte. O último Encontro das Bruxas, por exemplo, teve dança, teve Tarot, várias atividades ligadas à arte.
AS – Como você tem aplicado bruxaria nos seus trabalhos artísticos especificamente?
Mirna – Bom, como eu disse, a bruxaria virou a raiz do meu trabalho, é o alicerce a partir do qual eu construo tudo. Então, eu faço dança do ventre, dança tribal, meus trabalhos como artista, tudo a partir da bruxaria.
As associações dessa tríade – bruxaria, feminismo e arte – por exemplo, em um trabalho meu que abri em exposição na Las Vulvas, se chamava “Caixotas”, eu construí pequenas caixinhas de cerâmica com vaginas dentro. Isso tudo me remete muito às mitologias que têm uma divindade feminina como centro de criação do mundo – Kuan Yin, na China, e Nanã, na mitologia Yorubá, que é a raiz das religiões afro-brasileiras. Eu não consigo mais ver meu trabalho se desenrolando sem a questão feminista, então faço uniões entre essas três coisas.
Agora em 2017 estou desenvolvendo meu trabalho de conclusão de curso e ele é formulado a partir dessa tríade. Ele se desenrola a partir da carta Imperatriz do Tarot, porque percebi que das 78 cartas do Tarot, apenas duas focam na mulher. Todas as outras mostram homens ou situações mais neutras. A partir disso, eu desenvolvo a questão feminista e utilizo a arte e a bruxaria para que o trabalho de desenvolva e cresça – porque não basta só criar o trabalho, ele precisa de alicerces para manter-se em pé.
Já na dança, o processo foi pelo caminho contrário, pois a dança surgiu a partir da bruxaria – diferente da criação artística, que posteriormente se vinculou à bruxaria. Eu comecei a dançar também em 2014, pois descobri esse estilo – a dança tribal, especificamente – quando estava pesquisando sobre danças e rituais em bruxaria e encontrei alguns grupos que faziam dança especificamente para isso, aí pensei no quanto seria legal se tivesse alguém que ensinasse em Pelotas, e tinha. Então, eu nem sempre faço isso, mas quando tenho a oportunidade de escolher o que eu quero aplicar na minha dança, qual a temática e o fundo que quero colocar nela, eu gosto de ir tanto para a bruxaria quanto para a cultura popular e fazer algo mais inusitado.
Gosto de aprofundar essa questão do paganismo e da bruxaria. No último encontro das bruxas, por exemplo, coincidiu que as danças que queríamos fazer estavam todas relacionadas à bruxaria e resolvemos fazer como um ritual mesmo. Por exemplo, a professora – que é a Morgan – fez uma dança associada com a deusa Khalil para remeter à purificação do espaço. Ela dançou antes de mim e os meus movimentos buscaram invocar os elementos e os deuses para dentro do ritual. Quando unimos nossas performances fez muito sentido e foi automático e natural, não foi algo planejado, as danças foram improvisadas.
É claro que pensamos um pouco em casa, temos um embasamento, mas o que sai na hora é improvisado. Quando incluímos a bruxaria na nossa vida, podemos visualizá-la tanto nas artes, danças e músicas, quanto na escrita, e não só escrita poética, mas até escritas acadêmicas mais aprofundadas. É muito recente, mas é possível ver como a bruxaria pode ser aplicada em vários âmbitos, não é um campo limitado.
AS – O Encontro das Bruxas pode ser considerado um evento artístico?
Mirna – Sim, eu acho muito que sim. Quando fazemos o encontro das bruxas, as meninas que facilitam isso trazem as artes que elas produzem. Algumas constroem bijuterias, por exemplo, e todas elas têm uma inclinação à bruxaria.
Então o encontro das bruxas para o público das meninas bruxas de Pelotas é um grande achado, porque tem tudo – arte associada à bruxaria, dança associada à bruxaria, rodas de conversa. Coisas baseadas em elementos artísticos e culturais, porque não existe algo como workshop de bruxaria, não se trata de um grupo de estudos, é focado especificamente na parte cultural da bruxaria, então dança, música, artesanato é tudo artístico. E é incrível que tenhamos um evento desses para abarcar tudo isso.
AS – Como seu trabalho tem sido aceito pelo público e pela comunidade acadêmica?
Mirna – Olha, não vou dizer que é um tema especificamente difícil porque o campo das artes é bem mais aberto. Então tudo que é produzido a partir de associações com bruxaria e esoterismo, coisas assim, já teve precedentes na história da arte, principalmente na arte contemporânea. Então tem sido bem aceito, na verdade.
Eu surpreendentemente achei que era pior e que não teria uma boa receptividade, estava bem insegura, porque meu trabalho inteiro é baseado nessa tríade – bruxaria, feminismo e arte – e não é algo discreto. Não é o tipo de coisas que só algumas pessoas vão perceber, eu deixo bem explícito, mesmo quando não fica perceptível através da visualidade, eu gosto de falar, porque para mim faz sentido fazer isso.
Essa semana, por exemplo, eu defendi a primeira parte do meu trabalho de conclusão de curso e falaram que estava muito interessante, foi algo que me surpreendeu bastante. Tenho medo que as pessoas achem que isso só está na minha cabeça, que essas relações não existem. Mas elas existem, essas associações entre bruxaria, mulher e arte. E é bom ver como essa repercussão acontece, porque a academia sempre foi muito restrita, poder falar sobre bruxaria dentro dela hoje é algo extremamente valioso.
É muito bom para eu ver como essa aceitação ocorre, porque existe uma vontade de realmente transmitir o trabalho para um público, de ter esse processo de volta por algo em que investi tanto tempo e dinheiro. Eu fiquei muito feliz de ver que a maior parte dos meus trabalhos teve algum tipo de retorno, que as pessoas gostaram e perguntaram se ia ter mais. Não me vejo parando de fazer arte baseada em bruxaria e sagrado feminino tão cedo, porque é algo que me move muito.
Para entrar em contato e visualizar o trabalho da artista, é possível acessar sua página no Facebook e no Behance.
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