Reportagem de Ronaldo Quadrado Gomes –
O entretenimento é uma característica importante na história da humanidade. Data da pré-história a narração “pública” de feitos e eventos como forma de divertir, preservar determinada cultura e desenvolver valores morais. Passando pela Grécia antiga, onde as apresentações artísticas e atividades políticas eram realizadas ao ar livre, os espaços públicos traduzem o conceito de democracia para várias esferas da vida em sociedade.
Temos presenciado em Pelotas, atualmente, um grande número de atividades culturais, gastronômicas, comerciais e artísticas, feitas na rua. Isso mesmo, no meio da rua, nos passeios públicos, em praças, parques, tudo de forma acessível e divulgadas majoritariamente pelas redes sociais.
Alguns eventos de caráter comercial como o “No Más” e “Cerveza o muerte”, pode-se apreciar uma gastronomia eclética, simples e saborosa, juntamente com a degustação de cervejas artesanais de diversos sabores, na grande maioria feitas por mestres cervejeiros locais. Estes eventos são promovidos pelo restaurante Madre Mia, que tem aproveitado o grande apelo promovido pela cultura “gourmet”, que transforma o lanche um pouco mais elaborado, em uma iguaria de “alta cozinha”. Embora exista este elemento mercadológico, o fato de ser feito na rua traz consigo um valor simbólico muito legal, pois ali se toca boa música e as pessoas se encontram sem a formalidade de um restaurante. Na última edição do “No más!”, dia 13 de setembro, os organizadores estimam que tenham passado por lá mais de duas mil pessoas entre as 15h e 22h. Nesta edição, além das tradicionais barraquinhas de comida de rua e cerveja artesanais, rolou brechó de vestimentas, calçados e acessórios, estandes de marcas locais e nacionais, peluqueria e tatuagens.
“Embora seja um evento privado e promovido para gerar lucro é uma oportunidade interessante para apreciar uma boa comida, ver pessoas e utilizar o espaço público livre do trânsito de automóveis”, afirma Carla Aldrighi, estudante de Gastronomia da Universidade Federal de Pelotas.
O Sofá na Rua e o Piquenique Cultural têm um objetivo mais voltado para a produção cultural e artística, mas não fogem da proposta de ocupação e democratização do espaço público. O Sofá na Rua é um evento que acontece em Pelotas desde o ano de 2012, promovido pelo coletivo Casa Fora do Eixo. A ideia inicial era modesta e hoje envolve boa parte da cena cultural da cidade, com mostra de bandas locais e de fora. O evento já se tornou tão importante na agenda cultural de Pelotas que tem agregado outras atividades paralelas, como o “Camelô 2.0”, mostra de produtos oriundos da economia popular e solidária, e também o “Cinoia”, que é a transmissão de filmes em paredes de prédios, privilegiando produções cinematográficas alternativas àquelas da cultura de massa.
O Piquenique Cultural acontece desde outubro de 2010 e sempre itinerante pelos parques e praças da cidade. Mantendo um imaginário tradicional de piquenique, ele alia a isso um grande número de apresentações artísticas, cinema, literatura, esporte, artesanato e todo o tipo e formas de expressão. Através do projeto “não seja descartável”, o Piquenique estimula a utilização de utensílios reutilizáveis, como copos, canecas e talheres. Isso para que se diminua a quantidade de lixo nos locais onde é realizado. Agora o projeto está maior, pois a Mostra de Música do Piquenique Cultural resultou em uma coletânea que reúne as músicas dos artistas que estiveram ao vivo, no “palco” do Piquenique Cultural. O CD 1ª Mostra de Música do Piquenique Cultural comemora o quinto aniversário do Piquenique Cultural e foi apresentado em primeira mão por Aline Maciel no Mercado das Pulgas, hoje, dia 28 de novembro.
O CD conta com as músicas Despertar (Celso Krause), Amor Recíproco (Elvis e os Capangas), Feeling are lost (Pinheads), Luz de Cambraia (Dija Vaz), Brasileiro (Carise Santos), Comemorar a Vida (Simplesmente Nato), Eu Vejo (Orquestra Afrobeat Anjos e Querubins), Imaginando (Create), Bestas (Os baobás do fim do mundo), Cigarro Mortal (Seguidores da Palavra Rap), Quem Canta (Daniela Brizolara e Banda), Quase Morro de Saudade (Cardo Peixoto), Lord Tupiniquim (Rafael Bennett), Domingo (Ana Lima) e Passageiro da Utopia (DeGruve).
MERCADO DAS PULGAS
O Mercado das Pulgas é outro evento que acontece em Pelotas. Com um nível de periodicidade maior, acontece todo o sábado no largo Edmar Fetter, ao lado do Mercado Público Municipal. O projeto é baseado no seu homônimo que ocorre no bairro parisiense de Saint-Ouen e no Brique da Redenção, feira que acontece em Porto Alegre, no tradicional bairro do Bom Fim. A principal atração é a comercialização de artesanatos, antiguidades e livros, discos, roupas e uma série de utensílios usados, mas de grande valia para colecionadores e apreciadores da cultura retrô. Segundo Aline Ferreira, que é frequentadora assídua, o evento torna-se cada vez mais uma referência não só na agenda cultural da cidade, mas também é reconhecido nacionalmente.
A ideia do Mercado das Pulgas de Pelotas surgiu a partir dos expositores da “Feira da Princesa”, antiga feira de antiquários que acontecia na Avenida Bento Gonçalves. A proposta original era voltar a fazer na Bento, mas a possibilidade de ser realizada no largo do Mercado agradou ainda mais os idealizadores. Ao todo são 55 bancas que comercializam e expõem seus produtos apenas nos sábados em que não chove, pois a feira não conta com qualquer tipo de cobertura. Segundo o representante dos expositores, Ramão Costa, mais do que um espaço comercial, o Mercado das Pulgas está se tornando um referencial turístico da cidade. “Vários visitantes da feira são de cidades vizinhas ou até de fora do Estado”, afirma Costa.
Todos esses eventos têm de uma forma ou outra o apoio do poder público, seja através de projetos de incentivo à cultura, seja com o auxílio na logística ou autorização para a utilização do espaço público. O Sofá na Rua e o Piquenique Cultural são eventos financiados pelo Programa Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura, o Procultura.
Pelotas tem uma característica cosmopolita, pois vivem e estudam em torno de 13 mil jovens de várias regiões do País, de duas universidades e um instituto de educação tecnológica. Este público faz com que as atividades culturais propostas na cidade adquiram uma riqueza no seu formato e conteúdo. A diversidade de culturas que circula nesses eventos faz com que cada participante enriqueça o seu repertório e conheça as mais variadas manifestações. Junto com as instituições de ensino, os eventos de rua formam uma rede de educação pública muito importante para a construção da cidadania. No Brasil existem várias outras iniciativas importantes e de relativo sucesso como: o “Teatro de Rua”, em Porto Alegre; “Projeto Vira Lata”, em Belo Horizonte, Minas Gerais; mostra de hip-hop e grafite, em Bauru, no interior de São Paulo; e o movimento “Batuque da Cidade”, de São Paulo, capital.
A rua é a manifestação máxima daquilo que podemos chamar de esfera pública, desde criança ouvimos dizer que “a rua não tem dono”, mas sim, a rua tem dono. A rua é propriedade de todo cidadão, por isso, ela não deve ser única e exclusivamente lugar de passagem, de trânsito. A rua deve ser um ambiente de convívio, de trocas, de descobertas. Só podemos ter uma sociedade justa e democrática quando o espaço público tenha de fato uma utilização de interesse coletivo e não privatizado por automóveis e outros tipos de empecilhos físicos.
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“O Piquenique Cultural representa a promoção da diversidade e elevação da arte ao seu mais alto grau e plenitude”. (Aline Ferreira, servidora pública.)
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Construir alternativas para o acesso à cultura e a boa utilização dos espaços públicos, num mesmo evento, é a combinação perfeita daquilo que se pode chamar de entretenimento.
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Os teatros na Grécia antiga eram na rua, sendo escolhidos aqueles lugares mais espaçosos e com melhor acústica. A palavra teatro vem de “theatron”, “local onde se vê”.
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Ágora do grego “lugar de reunião”, era o espaço onde a comunidade grega se reunia para atividades de qualquer natureza, destinada principalmente à prática das assembleias populares, tinha também a função de estabelecer a convivência cotidiana, muito próximo do que hoje, no mundo ocidental, chamamos de praças.
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O Procultura financia em Pelotas 17 projetos culturais, totalizando uma verba de R$ 340 mil.
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Porque Mercado das Pulgas? O nome surge do citado mercado de Paris, que por vender algumas roupas usadas, não raras vezes eram infestadas pelo inseto.
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