Juliano Guerra: personalidade, sarcasmo e amor

Reportagem de Estevan Garcia e  Vanessa Kleber – 

Sotaque marcante, ritmos tipicamente brasileiros e letras que transformam o cotidiano em poesia. Essas são algumas das características do trabalho do músico Juliano Guerra, nascido no município de Canguçu, em 7 de outubro de 1983.

O artista iniciou sua carreira ainda no final dos anos 90, quando participou de projetos como “Banda de Rock Revel e o Quinteto de Choro” e “Samba Noesis”, até começar a sua caminhada solo. Seu primeiro álbum, denominado “Lama”, lançado em agosto de 2012, mescla ritmos como bolero, samba e bossa nova, utilizando instrumentos musicais não muito usuais, como o sopapo, instrumento da cultura negra do Rio Grande do Sul.

Músico gravou recentemente CD "Sexta Feira" Foto: Divulgação/Felipe Campal

Músico gravou recentemente disco solo “Sexta Feira”         Foto: Divulgação/Felipe Campal

Nos anos 2013 e 2014, Guerra se dedicou a produções com colaboração de outros artistas e às gravações de seu segundo disco solo, o “Sexta-Feira”. O disco, pré-produzido em parceria com o percussionista e baterista Davi Batuka, foi inteiramente gravado no município de Pelotas, produzido de maneira independente e distribuído pelo selo pelotense da Escápula Records. O “Sexta-Feira” conta com 10 canções com letras de um tom sarcástico e de amor, com um ritmo carregado instrumentalmente e ainda guardando um espaço para um diálogo com o samba. Entre as faixas está “Logo Vem”, que teve videoclipe produzido pela Moviola Filmes.

A fim conhecer um pouco mais o trabalho desse artista de personalidade, entrevistamos Guerra, que nos contou um pouco sobre a carreira, a música independente na região, o “Sexta-feira”, além do videoclipe de “Logo Vem” e seu mais novo show. Confira a entrevista.

Juliano Guerra revela que o hábio de escutar rádio do pai e as canções maternas influenciaram sua proposta musical recente Foto: Divulgação/Felipe Yurgel

Juliano Guerra revela que o hábito de escutar rádio do pai e as canções maternas influenciaram nas suas propostas musicais  recentes         Foto: Divulgação/Felipe Yurgel

Arte no Sul (AS): Como tu enxergas o desenvolvimento da música independente aqui na região?

JG: Acho que temos produzido cada vez mais (em quantidade) e, até por isso mesmo, temos progredido na qualidade e no acabamento das produções. A revolução digital deu essa possibilidade de se gravar com muito mais ferramentas em um home studio, por exemplo, do que aquelas que eu tive gravando pela primeira vez, em 2000, quando a Revel (minha primeira banda) foi para um estúdio em Porto Alegre gravar nossa primeira demo. Falando ainda das possibilidades de produção – e puxando a brasa pro meu assado sem constrangimento -, penso que termos selos como o Escápula Records, pelo qual lancei o “Sexta-Feira”, oferecendo ótimas condições de trabalho. Também há um estúdio com o equipamento e a perícia técnica do A Vapor, que contribui imensamente pra esse aumento de qualidade do qual falei.

Por outro lado, temos ainda bastante dificuldade com os shows, tanto pelas poucas possibilidades de circulação (mostrar o trabalho fora de Pelotas não é fácil) como pela ausência de um bom teatro de pequeno/médio porte no qual os artistas possam mostrar seu trabalho sem um investimento absolutamente fora da realidade de quem faz, por exemplo, música autoral por aqui.

AS: Quando tu decidiste que querias trabalhar com música? Da onde surgiu ou surgem as tuas inspirações?

JG: Eu não sei bem quando eu decidi trabalhar com música, foi mais uma coisa que me aconteceu do que uma decisão, até porque tive meu primeiro instrumento ali pelos 6 anos e desde então eu já gostava de “inventar” minhas próprias canções. Com 17 anos eu já tinha uma banda que tocava canções escritas por mim, além de minhas primeiras parcerias, feitas com o Mauricio Antunes, batera da banda que também escrevia letras que eu passei a musicar.

Sobre inspiração, eu gosto de ter cuidado quanto ao caráter meio místico que às vezes se dá a essa palavra. Meu processo de composição é fazer/refazer/revisar/desistir/retomar, muito mais do que descer uma entidade ditando a canção já pronta. Dito isto, os temas que me interessam na hora de escrever uma canção são diversos e aparecem de todo lado: das músicas que ouço, dos filmes, dos livros, da conversa na rua, do que está acontecendo ou aconteceu na minha vida. Depois do surgimento do tema (às vezes só um verso solto, uma expressão, um ou dois acordes no violão) começa a parte que considero a mais prazerosa: montar e remontar as peças até chegar a um resultado satisfatório.

AS: Esse ano tu lançaste teu segundo disco, o “Sexta-feira”. Conte-nos um pouco como foi o processo de produção desse álbum.

 JG: O “Sexta-Feira” foi a realização de algo que eu ansiava muito por fazer, um disco com uma “bandona”, com uma turma de músicos com os quais eu tenho afinidade, pessoas que se envolveram de verdade com aquilo que estávamos fazendo. A gente ensaiou no estúdio do baterista e percussionista Davi Batuka, que foi meu parceiro na pré-produção. A logística da coisa toda foi da Ana Maia, que passou a ser minha produtora depois do “Lama”, meu primeiro disco. Quando fomos pro estúdio (o A Vapor, como eu disse anteriormente), as músicas já tinham arranjos definidos e, conforme gravamos, a coisa foi sendo burilada, ajustada. A captação, mixagem e masterização do disco foram trabalho do Lauro Maia – sem dúvida, um dos técnicos mais talentosos e dedicados da cena. Foi um bocado de trabalho e dedicação de bastante gente e o resultado está aí pra ser ouvido – eu tenho muito orgulho desse disco.

Músico gravou clipe em parceria com a Moviola Filmes Foto: Divulgação/Felipe Yurgel

Cantor gravou clipe em parceria com a Moviola Filmes               Foto: Divulgação/Felipe Yurgel

 

AS: Recentemente tu lançaste o videoclipe da música ‘Logo Vem’ em parceria com a produtora independente Moviola Filmes, como que se deu essa parceria e a produção do clipe?

JG: Tenho um amigo que conta uma história engraçada sobre como ele já namorava a mulher dele mesmo antes dela namorar com ele, ela só não sabia ainda. Minha história com a Moviola é parecida: eu já namorava com eles antes deles saberem de mim. O filme “O Liberdade” fez parte da minha vida de forma muito intensa durante a gravação do “Lama” – ainda hoje, ao rever qualquer cena do filme, fico impressionado com a beleza desse registro (e o bar Liberdade, num causo meio longo que eu não pretendo reproduzir dessa vez, foi o responsável direto pelo meu “pulo” do rock pro samba, ainda ali pelo fim da adolescência). Fazer o clipe com a Moviola foi, portanto, uma dessas felicidades que aparecem na vida da gente meio por acaso. Tenho muita afinidade com a turma toda da Moviola, tanto na forma de pensar sobre o que se faz quanto na escolha de temas, nas inclinações estéticas, essa coisa toda.

Nós (eu, Ana, Eduardo e os moviolas) trabalhamos bastante antes de ir pros finalmentes, o que foi essencial pra produção do clipe, gravado todo em um único dia de muito calor que me fez derreter no vestidão vermelho. Foi também uma oportunidade de trabalhar com uma pessoa muito querida que é o Eduardo Bandeira Braga, nossa estrela e, sem dúvida, a “alma” do clipe que bolamos. Taí mais um trabalho que só me dá satisfação ter feito.

AS: Tu estás produzindo um novo show em que irás cantar sucessos da década de 60, 70 e 80, que são considerados por muitos música “brega”. Da onde surgiu essa ideia?

JG: O brega está “amarrado” na minha formação: nasci e cresci na zona rural de Canguçu, ouvindo as rádios AM de tabela pelo radinho de pilha do meu pai (deve fazer uns 30 anos que ele praticamente só desliga o rádio pra dormir). Minha mãe, que sempre cantou lindamente e desprovida de preconceito musical, cantarolava pela casa – ainda outro dia a vi cantando “As Pastorinhas” pra minha sobrinha recém nascida, mais ou menos como deve ter feito quando nasci também – canções belíssimas que só depois de tempos fui entender que eram de “universos” diferentes, de Noel Rosa a Waldick Soriano, Odair José, Agnaldo Timóteo. De alguma maneira, talvez por causa dos preconceitos bobos que a gente pega na adolescência (só gosto de rock, buuu, só gosto de samba, blééé), essas canções ficaram meio deixadas de lado na minha vida até uns dois anos atrás, quando minha esposa me apresentou o filme “Vou rifar meu coração”, dirigido pela Ana Rieper, um documentário simplesmente maravilhoso sobre o brega. Lembrou-me dessas coisas todas, além de despertar meu interesse em ouvir e conhecer melhor os artistas e canções que se enquadram nessa estética. Esse show, portanto, tá na incubadora faz algum tempo, e, conforme eu fui ficando mais íntimo dessas canções, ele também foi se tornando mais impossível de evitar: é algo que eu tenho que fazer, um pouco como desculpas (a mim mesmo) pelos anos de desatenção com esse conjunto de artistas, mas principalmente pelo prazer que me dá tocar as músicas de artistas brilhantes como Wando, Odair José e Reginaldo Rossi.

O “Sexta-Feira” está disponível para download gratuito no site do músico ou pode ser adquirido pelo valor médio de R$ 25,00 nas lojas de CD, pelos serviços de distribuição digital como iTunes, Spotify e Deezer, além do próprio site.

Veja o clipe “Logo Vem” produzido com a Moviola Filmes.

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