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Contextualização

A criação, em 2006, do território “Zona Sul” da Cidadania, dentro do marco das ações previstas no Programa Fome Zero, reflete o reconhecimento, pelo Estado brasileiro, de que a porção meridional do território gaúcho se diferencia, consideravelmente, de outras regiões desta unidade federativa, sobretudo das zonas central e nordeste do Rio Grande do Sul.

O modelo econômico dominante até meados dos anos 1980, e que tinha como polo o município de Pelotas baseava-se, essencialmente, na indústria agroalimentar, sobretudo do diversificado gênero de conservas de origem vegetal, o qual entrou em colapso nas décadas subsequentes.

As causas desse processo são diversas. Figuram em destaque a obsolescência dos processos de fabricação, a defasagem tecnológica das indústrias, os problemas administrativos e de gestão das empresas, bem como outros fatores como é o caso dos efeitos advindos da criação do Mercado Comum do Cone Sul (Mercosul) e a abertura dos mercados, que conjuntamente, favoreceram a livre concorrência e a entrada de produtos de terceiros países.

A decadência do modelo agroalimentar se reflete, simultaneamente, na erradicação de muitos pomares de frutas e na expansão da produção de tabaco, cuja importância social e econômica é crescente e decisiva para a economia da maior parte dos municípios do extremo sul gaúcho e para a reprodução social de milhares de estabelecimentos familiares. Mediante contratos de integração vertical (sistemas de integração) as famílias rurais comprometem-se de comprar todos os insumos das empresas fumageiras, bem como de entregar sua produção ao final do processo de secagem e de classificação do tabaco.

Todavia, muitos são os desafios que se apresentam nessa ampla zona da geografia gaúcha, marcada pela estagnação econômica e pela crise de perspectivas de muitas localidades regidas pelo ritmo das atividades agropecuárias, a qual abrange uma área de 39.960,00 Km², integrando em seu interior nada menos que 25 municípios (Chuí, Cristal, Jaguarão, Pelotas, Rio Grande, Santa Vitória do Palmar, Santana da Boa Vista, São José do Norte, São Lourenço do Sul, Turuçu, Amaral Ferrador, Arroio Grande, Candiota, Capão do Leão, Aceguá, Arroio do Padre, Canguçu, Cerrito, Herval, Hulha Negra, Morro Redondo, Pedras Altas, Pedro Osório, Pinheiro Machado e Piratini).

A população total residente na área delimitada pelo território “Zona Sul” da Cidadania é de 863.956 habitantes, dos quais 151.765 vivem na área rural (17,57% do total). Segundo dados do último censo agropecuário do IBGE (2006), existem 32.160 estabelecimentos de caráter familiar, bem como 3.615 famílias assentadas em programas de reforma agrária e 36 comunidades quilombolas. Seu IDH médio é 0,79, considerado médio em relação às demais regiões brasileiras, mas baixo se levamos em conta as regiões dinâmicas da porção centro-oriental da geografia sulriograndenses, como é o caso das localidades da “serra gaúcha” cujo IDH médio supera a 0,81.

Há, decerto, outros parâmetros que mostram o grau de estagnação da porção meridional do Rio Grande do Sul, que em última análise, corresponde à zona de influência direta da Universidade Federal de Pelotas. Nesse sentido, a Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul (FEE, RS) adota um índice de terceira geração, qual seja o “Índice de Desenvolvimento Socioeconômico” (IDESE, 2009) para cotejar o recorte geográfico correspondente aos chamados “Conselhos Regionais de Desenvolvimento” (Coredes) criados pelo governo estadual.  Assim, se no caso do Corede Serra o IDESE alcança 0,818, o mesmo dado para o Corede Sul e para o Corede Campanha alcança respectivamente 0,761 e 0,767.

Nesse recorte geográfico correspondente aos Coredes, que se aproxima à área delimitada pelo Território Zona Sul da Cidadania verifica-se, portanto, um mesmo cenário de dificuldades diante dos limites impostos pela matriz econômica e por uma reiterada dificuldade de converter-se num espaço propício para fazer aflorar a inovação e o dinamismo. Seguramente a ineficiência do planejamento do uso da terra contribui para os valores de IDESE inferiores observados na Zona Sul. Atualmente, a região apresenta ainda características de fronteira agrícola no que diz respeito às informações sobre o seu potencial de exploração. Tem-se pouca informação sobre como o espaço da Zona Sul apresentará oportunidades e limitações frente às mudanças climáticas e à aplicação de tecnologias específicas. Destacam-se aqui as geotecnologias, uma vez que, para o desenvolvimento do Território Zona Sul, será necessário investir na produção de informação sobre como tem se dado a expansão do uso de recursos naturais e analisar em contexto espacial os fatores que têm governado o uso desses recursos. A integração das informações dos censos populacionais e da tecnologia espacial possibilitará entender como a população da zona sul utiliza a terra e desenvolve os sistemas agroindustriais.

Mais recentemente tem-se o surgimento do ‘polo naval’ no município de Rio Grande, o qual tem sido apontado como um fator dinamizador da economia regional por força dos investimentos realizados pelo governo federal na construção de plataformas petrolíferas com investimentos que ascendem a aproximadamente um bilhão de dólares. Todavia, são igualmente marcantes os problemas de logística, a falta de conexão entre as cadeias produtivas e o desperdício dos recursos humanos e materiais.

Em resumidas contas, tem-se, de um lado, um setor dinâmico que emerge a partir de demandas bastante específicas (a construção naval) e um outro que permanece alheio aos processos mais amplos e mergulhado na eterna dependência do desempenho da produção de matérias primas em bruto e de escasso valor agregado.

Não obstante, não é necessário muito esforço para reconhecer a importância de inúmeros ativos como no caso dos recursos hídricos (e.g. o ecossistema lacunar), da biodiversidade e de um patrimônio natural e cultural de inegável valor e que inexiste em outras partes do Rio Grande do Sul e do Brasil.

São estes os elementos, que no nosso entendimento, justificam a criação de um programa de pós-graduação de natureza interdisciplinar cujo foco fundamental é a retomada da reflexão em torno aos processos de desenvolvimento. Trata-se de resgatar a vocação precípua da UFPel com os imperativos do desenvolvimento sustentável no âmbito de sua própria área de influência.

A UFPel é uma instituição federal de ensino superior que conta atualmente com 69 cursos de pós-graduação (17 em nível de mestrado e doutorado, 20 em nível de mestrado, três mestrados profissionalizantes e 29 especializações). Não obstante, nenhum destes programas e cursos têm como foco a discussão mais ampla sobre os desafios do desenvolvimento territorial ou sobre as questões que afetam à dinâmica dos sistemas agroindustriais e dos processos agrários. Esse fato reveste importância se consideramos a necessidade de criação de um espaço de reflexão e de interlocução sobre os desafios do desenvolvimento em âmbito regional e que deve refletir, em última instância, a natureza interdisciplinar desse compromisso. A proposta aqui apresentada reflete claramente esse entendimento. O desenvolvimento desse importante território do Estado do Rio Grande do Sul não pode se dar a partir de uma abordagem estritamente setorial ou restrita aos limites de simples cadeias produtivas. Em resumidas contas, defendemos não somente a necessidade premente de criação de um programa identificado com o enfrentamento aos grandes dilemas regionais, mas com a necessidade de que essa reflexão se dê por meio do aporte de diversos campos do conhecimento (exatas e da terra, ciências agrárias, humanas, sociais, sociais aplicadas – economia, sociologia, administração, agronomia, tecnologia de alimentos, engenharia, gestão ambiental, análise espacial, etc.). São estes, em linhas gerais, os grandes eixos que suportam a contextualização dessa proposta de criação do “Mestrado em Desenvolvimento Territorial e Sistemas Agroindustriais”.

Logo, o curso está voltado para atender profissionais de diversas áreas, como: Engenharia Agronômica, Administração, Medicina Veterinária, Zootecnia, Engenharia Agrícola, Química de Alimentos, Geografia, Nutrição, Engenharia de Alimentos, Engenharia Florestal, dentre outras. Espera-se que o enfoque proposto pelo curso possa atrair alunos que possuam alguma forma de interação com a área de desenvolvimento rural e sistemas agroindustriais. Portanto, serão aceitos alunos que já estão inseridos no mercado de trabalho e também recém formados, desde que ambos estejam dispostos a dedicar dois anos de forma integral para o mestrado. Pretende-se focar em candidatos que: (1) possuam comprovado interesse na construção de conhecimento em desenvolvimento rural e sistemas agroindustriais; e (2) desejam aplicar os conhecimentos adquiridos na área científica relacionada ao curso.

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