A IB é uma intervenção desenvolvida em um curto espaço de tempo em sessões que variam de 5 a 45 minutos, raramente ultrapassando cinco encontros. A intervenção é destinada a indivíduos que apresentam problemas ou potencial para desenvolver problemas ligados ao seu padrão de consumo de álcool ou outras substâncias, mas que não preenchem o critério diagnóstico de dependência.
Aplicar a IB na atenção primária pode: 1. facilitar o diagnóstico precoce de problemas ligados à substância; 2. diminuir o consumo de risco; 3. prevenir problemas ligados ao consumo; 4. prevenir o desenvolvimento de quadros mais severos; 5. encaminhar pacientes com quadros mais graves a serviços especializados.
A IB foca em favorecer o conhecimento a respeito de possíveis problemas ligados ao padrão de consumo do indivíduo, aumentar a motivação para querer reduzir esse consumo, aumentar a autoeficácia e ensinar estratégias efetivas em reduzir o consumo e os riscos ligados ao consumo de álcool ou outras substâncias.
A IB pode ser dividida em dois passos: triagem e intervenção.
Triagem
No primeiro momento, é importante fazer uma triagem, na qual se faz o rastreamento dos padrões de consumo do indivíduo, avaliando os possíveis riscos e problemas decorrentes.
Para a triagem do consumo de álcool, utilizam-se instrumentos como o CAGE e AUDIT.
O CAGE é composto por quatro perguntas (todas com respostas “sim” ou “não”). Nos casos em que duas ou mais respostas “sim” são obtidas, é indicada uma avaliação mais detalhada.
O AUDIT consiste em 10 perguntas que analisam a quantidade e a frequência de consumo de álcool, possíveis sintomas de abstinência e possíveis problemas ligados ao consumo de álcool. Cada resposta tem uma pontuação. Nos casos em que a pontuação supera 8 pontos, existe o risco de problemas ligados ao consumo excessivo de álcool, e uma avaliação mais detalhada é indicada.
A triagem para outras substâncias pode ser feita com o ASSIST – Teste de Triagem de Envolvimento com Álcool, Cigarro e Outras Substâncias (link).
O instrumento para avaliar o risco de dependência de nicotina, pelo hábito de fumar o tabaco, é o Teste de Fagerström .
É importante ressaltar que estes instrumentos não fazem o diagnóstico de abuso ou dependência das substâncias, mas podem apontar prováveis casos que merecem ser avaliados nos serviços especializados (CAPS AD, Ambulatórios de Saúde Mental).
Nos casos em que sejam identificados problemas ou riscos, conforme os escores dos questionários, uma avaliação mais detalhada é indicada. Essa avaliação deve investigar:
+ o nível de comprometimento do paciente no momento da intervenção
+ o grau de problemas relacionados ao consumo de álcool
+ possíveis complicações e/ou comorbidades associadas
Algumas questões são:
+ o último episódio de consumo (tempo de abstinência)
+ a quantidade de substância consumida
+ a via de administração escolhida
+ o ambiente do consumo (festas, na rua, no trabalho, com amigos, com desconhecidos, sozinho…)
+ a frequência do consumo nos últimos meses
Alguns sinais de problemas ligados ao consumo de álcool
+ faltas frequentes ao trabalho e à escola
+ história de trauma e acidentes frequentes
+ depressão / ansiedade
+ hipertensão arterial
+ sintomas gastrintestinais
+ disfunção sexual
+ distúrbio do sono
Intervenção
Avaliar a motivação para reduzir o consumo de álcool é primeiro passo!
O modelo desenvolvido por DiClemente e Prochaska ajuda a compreender os estágios de motivação:
+ pré-contemplação: pouca ou nenhuma preocupação com os problemas associados ao uso de álcool; a maioria não deseja modificar os próprios comportamentos, pois acha que não tem nenhum tipo de problema relacionado ao consumo excessivo de álcool; muitas vezes, são pressionados pelos familiares a procurar tratamento; nesse momento, é importante auxiliá-los na avaliação dos problemas.
+ contemplação: se preocupa com os problemas associados ao uso de álcool, porém não apresenta um plano para modificar seu comportamento; está começando a ter consciência ou a se preocupar com as consequências adversas do consumo excessivo de álcool.
+ preparação: os pacientes se preocupam com os problemas associados ao uso de álcool, inclusive com a busca de um plano para se tratar; a decisão de modificar seu comportamento é assumida, porém ainda não foi acionado o plano de tratamento.
+ determinação: coloca em prática o plano para modificar o comportamento-problema, engajando-se ativamente em um programa de tratamento.
+ ação: o paciente inicia o tratamento e interrompe o uso, tomando ações eficazes para atingir a meta estabelecida.
+ manutenção: rediscute seus objetivos e a mudança de comportamento, fazendo uma avaliação dos resultados.
Existem seis elementos que contribuem para a eficácia da IB, também presentes na Entrevista Motivacional. Eles podem ser identificados por meio do acrônimo O REMAR, originado pela composição da primeira letra das palavras Orientações, Retorno, Empatia, Menu, Autoeficácia, Responsabilidade.
A Orientação inclui as recomendações ao paciente, que devem ser claras, diretas e sem juízo de moral ou social, preservando a autonomia de decisão do paciente.
O termo Retorno significa a comunicação dos resultados de sua avaliação, com o AUDIT, por exemplo, esclarecendo o nível de risco em que se encontra.
A Empatia lembra da postura que deve ser adotada pelo profissional, de modo empático, solidário e compreensivo.
O Menu apresenta uma lista de alternativas de ações de autoajuda ou tratamento disponíveis que podem ser implementadas pelo paciente.
A Autoeficácia deve promover e facilitar a confiança do paciente em seus recursos e em seu sucesso, reforçando o otimismo e a autoconfiança do paciente, de modo realista, desfazendo crenças distorcidas e negativas sobre si mesmo.
A Responsabilidade enfatiza a autonomia do paciente e sua responsabilidade nas decisões, o que implica o posicionamento necessário de autoproteção, cuidado e compromisso com a mudança.
Tendo em mente esses elementos, existem cinco passos a serem seguidos na aplicação de uma IB para problemas com o álcool:
- Avaliação e retorno: aplicar CAGE ou AUDIT para rastreamento.
- Negociação da meta de tratamento em acordo com o paciente: se estiver fazendo uso de alto risco, pode-se sugerir o beber controlado; se houver dependência, sugerir a abstinência.
- Técnicas de modificação de comportamento: verificar o estado de motivação do paciente; fazer um balanço entre os prós e contras do uso de álcool; realizar avaliação laboratorial e investigar áreas de vida com problemas relacionados ao consumo.
- Material de autoajuda: fornecer material informativo sobre uso de álcool.
- Seguimento: realizar consulta, visita domiciliar ou telefonema mensal.
Nos casos de risco ou dependência leve as consultas podem ser de 15 minutos de aconselhamento por 4 a 5 meses, conforme o seguinte roteiro:
+ Primeira consulta: (1) avaliar o consumo de álcool – uso de risco / dependência (quanto, com que frequência, quando, com quem e quais os estímulos ambientais para uso do álcool); (2) avaliação médica geral; (3) se houver ideação suicida considerar encaminhamento ao especialista; (4) pedido de exames complementares (hemograma completo, gama GT e outros que se fizerem necessários de acordo com a avaliação médica); (5) devolutiva da avaliação e estabelecimento da meta (abstinência ou beber controlado); (6) procura de estratégias comportamentais que ajudem a alcançar a meta estabelecida.
+ Segunda consulta: (1) avaliação do consumo de álcool desde a última consulta, se o paciente conseguiu ou não cumprir a meta – se não, quais as dificuldades que encontrou; (2) avaliação do resultado dos exames complementares; (3) reforço da meta a ser seguida; (4) fornecimento de material para leitura e autoajuda.
+ Terceira consulta: (1) avaliação do consumo de álcool desde a última consulta; se o paciente conseguiu ou não cumprir a meta – se não, quais as dificuldades que encontrou; (2) avaliação das vantagens e desvantagens de usar e não usar álcool – isso ajuda o paciente a decidir entre beber e não beber; (3) se algum exame estiver alterado – por exemplo, gama GT – e se o paciente já estiver diminuindo o uso de álcool, considerar repetição do exame, mostrando ao paciente as alterações hepáticas antes e depois da diminuição do consumo de álcool.
+ Quarta consulta: (1) avaliação do uso de álcool desde a última consulta; (2) reavaliação dos pontos de maior dificuldade para enfrentar as situações de risco e discussão de estratégias para encará-las; (3) avaliação do progresso do tratamento até o momento junto com o paciente e encaminhamento para centro especializado nos casos em que não se alcançou melhora significativa ou há dependência.
Alessandra Diehl, Daniel Cruz Cordeiro, Ronaldo Laranjeira. Dependência química: prevenção, tratamento e políticas públicas.Organizadores, 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2019.