A palavra tertúlia, utilizada na fronteira sul-riograndense, deriva do espanhol tertulia, com o sentido de grupo de pessoas que se encontram para discutir ou conversar (Dicionário Gaúcho Brasileiro; Dicionário Online de Português).
Como diz a canção nativista (1):
Tertúlia é o eco das vozes, perdidas no campo afora
Cantiga brotando livre, novo prenúncio de aurora
É rima sem compromisso, julgamento ou castração
Onde se marca o compasso, no bater do coração.
Com alguma inspiração na experiência de Alfredo Moffatt na Argentina, onde se criaram as Peñas, ou reuniões de amigos, e os grupos de mateada (por sua vez inspirado no modelo de Comunidade de Enrique Pichon-Riviére, psiquiatra e psicanalista argentino), esta modalidade grupal busca uma alternativa de terapia que respeite os estilos e projetos de vida das pessoas.
Num grupo onde podem coexistir mais de uma atividade (por exemplo algumas pessoas sentam em roda para conversar enquanto outras dançam ou fazem alguma tarefa manual), o sentimento de pertencer à mesma Comunidade permite que as tarefas dos subgrupos se integrem e complementem, produzindo uma distribuição de papéis onde cada um pode trabalhar o sentimento que tenha maior necessidade de elaborar, de modo dinâmico, ou seja, com intercâmbio de papéis.
O processo terapêutico se dá pela reconstrução do sistema de realidade, constituído por todos os níveis de vinculação de uma pessoa com seu mundo (comunicacional, corporal, instrumental e espaço-temporal), que pode estar reprimido ou incompleto em relação aos seus papéis sociais, o manejo do seu corpo, o seu projeto de vida (2).
Essa prática encontra ressonância no método proposto por Paulo Freire com sua educação dialógica e problematizadora, onde o conteúdo programático não é uma doação ou imposição, mas a devolução organizada, sistematizada e acrescentada ao povo, daqueles elementos que este lhe entregou de forma inestruturada. Segundo o autor, os homens ao terem consciência de si e do mundo, sendo um “corpo consciente”, vivem em uma relação dialética entre os condicionamentos e sua liberdade. A ação do grupo poderá instaurar a percepção crítica, desenvolvendo um clima de esperança e confiança que leva as pessoas a empenhar-se na superação das situações-limite (3).
Busnello, ao descrever o modelo dos grupos comunitários, cita as características básicas dos cuidados de saúde comunitária: integral, continuado, personalizado e participativo. Com base nesses princípios, os grupos poderiam se organizar em torno de problemas ou condições de saúde em comum (p.ex. nervosos, alcoolistas, diabéticos, obesos, gestantes) ou problemas que a comunidade identifique em outros setores, como a educação, segurança, lazer, etc (4).
- https://linhacampeira.com/explicando-a-letra-tertulia-do-leonardo/?v=04492b9b01cf
- Moffatt, Alfredo. Psicoterapia do oprimido: ideologia e técnica da psiquiatria popular. 2 ed. São Paulo: Cortez, 1982.
- Freire, Paulo. Pedagogia do oprimido. 12 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
- Busnello, Ellis D’Arrigo. Grupos comunitários. In: Osório, Luiz Carlos e colaboradores. Grupoterapia hoje. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986.