Tour pela internet: onde a extrema direita está dentro das redes digitais brasileiras

Por Tobias Bernardo e Leonardo Cardoso / Agência Em Pauta

Primeira, de quatro reportagens sobre as estratégias de dominar a narrativa e os espaços que a extrema direita ocupa na internet. Nossa equipe mergulhou na rede, interpretando as ferramentas que a extrema direita usa nos meios digitais e como ela se radicalizou nos últimos anos, atacando a democracia e fomentando o ódio. Dos fóruns anônimos online aos “apitos de cachorro”, vários comportamentos desses grupos foram visualizados nessa série especial.

Parte I

Da estética aos novos movimentos, um fazer político baseado na desinformação em meios digitais

Os novos movimentos da extrema direita se articulam basicamente em diversas mídias sociais. É uma vertente política, extremada, que cresceu muito na última década, aparecendo em diversos governos e organizações ao redor do mundo. Essas tendências ficaram conhecidas como a direita alternativa ou alt right. As tecnologias da comunicação são os principais meios que fundamentaram esse movimento, apoiado por bilionários e fundos internacionais.

O resultado disso? Ascensão de figuras públicas que usam a radicalização político-ideológica, como o ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o ex-presidente do Brasil, Jair Messias Bolsonaro. Os dois estão respondendo na justiça de seus países acusações que relacionam o discurso do ódio ao uso da desinformação digital. Figuras essas associadas com a estética de grupos extremistas que apoiam-se em ideais neofascistas, utilizando, principalmente, a internet para tentar radicalizar multidões de jovens pregando contra a democracia e direitos básicos da humanidade.

Hoje, ambos à beira da prisão, Bolsonaro e Trump se encontram antes da reunião do G20 em 2019 Imagem: Consulado dos EUA no Brasil

Não é novidade que a internet tende a operar em um modo “terra de ninguém”, onde a “lei” é determinada por uma série de algoritmos que, por sua vez, são extremamente arbitrários, poucas vezes barram discursos de ódio por conta e ainda dependem, muito, de pessoas contratadas para gerir o conteúdo dos sites. Nesse sistema, as grandes companhias de tecnologia, responsáveis pela administração dos sites de redes sociais, se posicionam contra o discurso de ódio nas suas diretrizes, mas na realidade adotam posicionamentos destoantes das suas regras.

Um exemplo claro é a plataforma de mensagens instantâneas, o Telegram. O aplicativo recusou, mais de uma vez, colaborar com os pedidos do STF no processo de combate às desinformações iniciado em 2023.

Outro caso foi o da rede social de microblogs, o Twitter, que depois da aquisição pelo bilionário sul africano, Elon Musk, iniciou um processo de aprofundamento nos discursos que apelam à “liberdade de expressão” extrema. Além de ser um tópico muito referenciado pelos grupos de extrema direita, na tentativa de justificar as agressões a minorias, essa ideia de liberdade de expressão ilimitada parte do princípio de que tudo deve ser dito sem nenhum tipo de restrição, apontando qualquer tentativa de cerceamento como “censura”. Atitude que aumenta a fortuna de Musk, herdeiro de empresas de mineração, que fatura com a propagação da desinformação em sua rede social digital rebatizada de X.

A nova política da empresa é “Liberdade de expressão, não liberdade de alcance”, e com isso ignorou os pedidos dos ministros do STF para barrar os perfis que propagaram discurso de ódio a favor dos atentados em escolas nos últimos meses.

Luis Alves, jornalista e cientista político, quando questionado sobre o debate de censura nos meios digitais, explicou que “há uma confusão proposital entre regulamentação e censura no Brasil, de modo que, toda vez que se fala em criar regramentos para o setor da comunicação, muitas vozes ecoam, equivocadamente, para dizer que há tentativa de censurar os grupos detentores do controle da comunicação. Combater discursos de ódio, informações falsas e excesso de poder é defender a garantia de espaços que propiciem o exercício da liberdade de expressão por parte da população.”

Mas o que é a Alt Right?

O termo alt right surgiu nos Estados Unidos em meados de 2010, e serve para definir as ideias de diversos novos movimentos de direita. Por mais que, oficialmente, não haja nenhum documento que explicite suas posições, esses grupos geralmente estão relacionados ao nacionalismo branco, antisemitismo, homofobia, islamofobia, antifeminismo e revisionismo histórico. Essa nova formatação da direita se tornou um antro de propagação de ideias radicalizadas, que se sustentam com o ataque às minorias e grupos, comumente marginalizados nas esferas sociais.

Taiane Volcan, doutora em letras pela Universidade Federal de Pelotas e pesquisadora com enfoque na cibercultura e na comunicação mediada por computador, falou um pouco sobre a relação da extrema direita com o preconceito.

A extrema-direita brasileira, assim como em outros lugares do mundo, tende a apagar questões e grupos que possam colocar em discussão as suas ideias e valores – como, por exemplo, pessoas em situação de vulnerabilidade social extrema e que dependem do Estado não falta de empenho, mas por uma série de aspectos que constituem a sociedade capitalista contemporânea. No entanto, minorias mais organizadas e ativas, como mulheres, pessoas negras, comunidade LGBTQIAP+, entre outros, são normalmente categorizadas como inimigas. Seja por um medo profundo de mudança na sociedade, ou por um imaginário quase místico que precisa de um inimigo comum para unificar o grupo. De modo geral, penso que minorias e pessoas marginalizadas ocupem um espaço que transita entre a negação e a perseguição no discurso de grupos radicalizados.”

A alt right é, fundamentalmente, uma ação despolitizante, que ataca a maneira como a população encara o cenário político ao passo que arma, ideologicamente, seus grupos. Para a alt right, não existe um problema inerente na forma como a direita organiza seus valores ideológicos, mas sim em figuras específicas (eleitas por eles próprios como símbolos do movimento) que são descartadas ao passo que novas regras são criadas para definir como a “real direita” ou “nova direita” exerce seu poder.

Um dos casos mais recentes desse modo de operação é a figura do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro, associada à extrema direita “tradicional”, que conseguiu apoio de organizações da direita alternativa nas eleições de 2018, mas agora é taxado como um rival político por esses mesmos movimentos, como o Movimento Brasil Livre. O MBL foi muito ativo durante o golpe que culminou com o impeachment da presidente Dilma Roussef (PT), porém, depois disso, decaiu em disputas por currais eleitorais e perdeu a representatividade momentânea que obteve naquele episódio.

Amor e ódio. Membros do MBL antes de romperem com ex-presidente Jair Bolsonaro. Imagem: Reprodução

A internet vira o palco principal desses grupos, e é nela que eles articulam para atrair novos membros, usando e abusando de informações falsas e teorias da conspiração transcritas através de posts carregados de discursos reacionários. Luis Alves diz que “O ciberespaço apresentou-se como um terreno fértil para o crescimento de discursos conservadores, reacionários e anti-sistema, visto que parte significativa das plataformas e sites de redes sociais utilizados possibilitam o anonimato e não impedem efetivamente a proliferação dessas pautas, mesmo quando há delitos envolvidos”.

Nesse espaço o uso da piada ou “meme” como forma de relativizar um problema real (como o racismo estrutural, por exemplo) esconde, sobre uma camada de “humor”, a ideologia real por trás do conteúdo desses usuários nas redes sociais à medida que repagina a imagem do próprio preconceito. Não se trata, exclusivamente, de ser racista e misógino, mas sim de ter controle sobre a narrativa entrelaçada ao modo como esse pensamento é disseminado, tudo opera a partir da função estética.

Na próxima semana…

Veremos quais padrões estéticos usados por esses grupos da “nova” direita, e quais deles atuam ativamente em território brasileiro. Analisaremos os comportamentos de alguns movimentos e o que os une enquanto alt right.

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