O espelho mais profundo

As lições de Isadora não entende nada em sua obra sobre como mergulhar em si

Foto: Divulgação/ Isadora Não Sente Nada

Por Maria Clara Morais Sousa/ Em Pauta

Sobre a autora:

Isadora não entende nada é o nome artístico de uma escritora, tatuadora e ilustradora Isadora. Nascida em Bento Gonçalves, a gaúcha sempre amou pintura e palavra, mas só a partir dos 20 anos que sua arte se juntou com seu nome artístico. Sua escrita aborda amor romântico, autoconhecimento, ansiedade e cura.

Sobre o livro:

O último livro de Isadora não entende nada se chama “Fala para ela que gosta dela – Coisas para se falar em frente ao espelho”. O nome da obra já reflete muito do que é possível encontrar no livro, essa quebra de expectativa da primeira frase que sugere um amor romântico para a segunda, que confirma ser na verdade, o amor próprio, também é perceptível na ilustração da capa, feita pela autora, com a mesma mulher pintada duas vezes numa perspectiva que demonstra como é olhar para si mesma.

O livro possui três capítulos: Vazio pesado que ecoa, Tempestade antes do sol voltar e Vou me jogar no mundo com medo e coragem. Cada um se aprofunda no ato de cura e autoconhecimento de Isadora, como se estivesse mergulhando em si mesma e percebendo sua própria vulnerabilidade e profundidade.

Amor romântico, coração partido, ansiedade, tristeza, cura e reflexões são os temas mais abordados pela escritora. Isadora usa suas palavras para demonstrar uma intensidade e vulnerabilidade que pode trazer lágrimas para o leitor. Seus textos demonstram sua capacidade de ensinar lições ao mesmo tempo que as aprende, e dessa forma, listas estratégicas são deixadas com linhas e temas para o leitor se livrar de suas culpas e ansiedades como forma de refletir sobre sua própria vida e seus sentimentos.

Defendo que a literatura, além de ser uma arte extremamente humana, é sempre uma forma de terapia para o autor e o leitor compreenderem o que tem dentro de si e como externalizam seus sentimentos. Essa obra demonstra perfeitamente como certos livros são atemporais e sempre tem algo para passar como aprendizado.

A ideia que mais me chamou atenção foi a visão que Isadora passa de amor. Fora do amor romantizado é possível ver como a autora entende o amor como uma construção, tentando desmistificar o “amor à primeira vista”. Ela tenta revelar os perigos de romantizar e idealizar quem você deseja que seja seu parceiro. A gaúcha também evidencia como o amor pode acabar e irá acabar exatamente quando deve, toda a construção de como o “destino” ou a “vida” influenciam na vida pessoal de cada um e como levam a essas palavras se tornarem praticamente entidades.

Porém, a autora não nega a beleza do amor romântico. Diversos textos externalizam os sentimentos bons do que é estar apaixonada, e ela também defende que esse amor só floresce com compreensão e liberdade.

Quando se trata do amor próprio, é possível perceber o processo lento e difícil que se amar carrega para muitas pessoas, incluindo a gaúcha. Lições que não são ensinadas e devem ser trabalhadas diariamente estão presentes na obra.

Outra visão passada pela tatuadora é de como todo fim é transformação e nada é imutável, a vida como uma metamorfose eterna. Nessa linha de pensamento ela segue tentando pedir para o leitor não se apegar tão fortemente em tudo e seguir o fluxo da viagem que a vida é. Respeitar seu tempo, crescer e levar a vida de um jeito mais leve são lições que Isadora parece querer passar.

Mesmo assim, fica claro para qualquer um que entenda de dinâmicas sociais, que nem todos têm o privilégio de mergulhar em si e deixar a vida os levar, já que a maioria das pessoas está ocupada tentando conseguir sobreviver num país desigual e numa crise econômica que piora cada vez mais. O otimismo da autora é lindo de se ver, mas pode ser apenas uma miragem para muitos.

Continuando mais a fundo na obra, também temos texto sobre a arte de se cuidar (como se cuida de uma planta), sua vivência como uma mulher bissexual e a inexistência de um final feliz. 

Realmente acho que esse livro não é para todos. Primeiramente, porque nem todos estão prontos para textos tão profundos. Em segundo lugar, porque as lições da autora são um privilégio, embora algumas sejam sim para todos, outras são reservadas para apenas algumas pessoas, já que boa parte da população ainda não tem acesso básico a água, educação, saúde, moradia e alimentação. Suas palavras são muito bonitas e tocam, porém nem todos tem o tempo e a possibilidade de serem tocados pelas reflexões que ela traz.

Mesmo assim, o livro é uma ótima leitura e vale a pena ser lido, as lições que eu aprendi com Isadora para sempre comigo carregarei, e é muito lindo de entender a vida sobre seu ponto de vista tão humano e único. Suas vivências a levaram a entender tudo dessa maneira e é especial poder contemplar um pouco disso.

Comentários

comments

Você pode gostar...