Mulheres no Campo: As Dificuldades e Conquistas do Futsal e Futebol Feminino Gaúcho

O futebol e o futsal feminino enfrentam desafios históricos e preconceitos enraizados, especialmente no Rio Grande do Sul, onde a falta de investimentos e a infraestrutura precária dificultam o crescimento do esporte. Apesar das dificuldades, há mulheres que, junto com outras atletas, buscam transformar a realidade do esporte feminino, quebrando barreiras e conquistando cada vez mais espaços importantes.

Por Enzzo Lopes e Laís Zanella

O futebol e futsal feminino são esportes de grande popularidade na categoria masculina, todavia, quando praticados por mulheres, enfrentam dificuldades e preconceitos impulsionados pela misoginia. Tendo suas raízes no início do século XIX, o futebol feminino já enfrentou proibições e censura, assim como o futsal, uma adaptação do primeiro. 

No Rio Grande do Sul, as dificuldades também perduram. Apesar de cidades como Pelotas, Rio Grande e Bagé destacarem-se nos campeonatos femininos, os investimentos e valorização ainda são precários e inferiores ao futebol feminino. 

Casos de violência nas categorias femininas são recorrentes. Em 2023, tornou-se relevante a denúncia de assédio feita por 19 atletas do Santos ao técnico Kleiton Lima. Ocorrências assim exibem uma realidade comum e obscura, mas ressaltam a resiliência das mulheres no esporte, que, apesar das dificuldades, ocupam um espaço cada vez maior e merecido na área.

O Futsal Feminino: Um Desafio Local

A falta de escolas infantis de futsal para meninas, evidência a precariedade do esporte feminino em comparação ao masculino. Gabriela Salvador, vivenciou essa realidade ao procurar uma escolinha para sua filha pequena, o que a motivou a criar uma. Com o apoio do Esporte Clube Pelotas, surgiu a escolinha “Princesas do Sul”, voltada para meninas.

Apesar do entusiasmo de Gabriela, que se tornou Coordenadora da equipe e se dedica a transformar a vida de mulheres, ela enfrentou desafios, incluindo o preconceito de pais que questionavam o impacto do futsal na “feminilidade” de suas filhas. Mesmo com essas dificuldades, o time perseverou, conquistando destaque na região e vencendo campeonatos na categoria.

Mas mesmo um time de crianças não está imune a misoginia enraizada no esporte. Durante uma partida no começo de novembro contra uma equipe masculina da mesma categoria, as Princesas do Sul receberam gritos de preconceito e machismo vindos da torcida rival. “A torcida adversária já recebeu elas com a seguinte sensação: vocês estão no lugar errado.[…] Aos quatro minutos do jogo já estava esse clima de xingar elas, palavrões mesmo”, comenta Gabriela. 

O episódio ganhou atenção. Após a partida, a técnica fez uma live no Instagram denunciando o absurdo ocorrido que alcançou mais de 80 mil visualizações. O time ganhou espaço na mídia do estado e apoio de alguns políticos de Pelotas que prestaram solidariedade. 

Em entrevista para o Em Pauta, Gabriela comentou como foi difícil conseguir fazer uma denúncia formal a violência verbal sofrida pelas meninas. Após quase um mês do ocorrido, a polícia civil finalmente instaurou um inquérito para a investigação; 

Apesar do episódio de preconceito, a coordenadora não conseguiu o cancelamento da partida, e o jogo seguiu normalmente. O time acabou perdendo por 2 a 1, um resultado que Gabriela Salvador considerou positivo, dada a pressão e o ambiente hostil enfrentado pelas jogadoras. Situações como essa, embora recorrentes, não impedem o avanço do futsal feminino, que segue crescendo graças à resistência e ao talento das mulheres — mesmo das mais jovens, como as Princesas do Sul. 

“Espero que elas continuem. Eu quero que elas tenham oportunidade de estar onde quiserem estar. Para quando elas crescerem e nós falarmos a ela ‘sejam empoderadas, sejam mulheres fortes’ elas tenham tido uma base forte” declarou Gabriela Salvador. 

 

O futebol feminino dentro e fora do Brasil: o esporte mudando vidas

Isa Haas, jogadora da Seleção Brasileira de Futebol Feminino, é um exemplo de como o esporte pode transformar a realidade das mulheres. Natural de Montenegro, no Rio Grande do Sul, iniciou sua carreira nas categorias de base do Internacional, onde atualmente joga. Aos 23 anos, Haas já conquistou diversos feitos importantes.

Em entrevista, Haas se mostrou orgulhosa de sua trajetória no Internacional. “Fiquei oito anos aqui e isso foi incrível, tanto no sentido pessoal quanto profissional. Principalmente porque poucas atletas conseguem permanecer tanto tempo em um clube”, comentou.

Ao longo de sua carreira, a jogadora acumulou conquistas relevantes, como a convocação para a Seleção Sub-17, a disputa da Libertadores e o título no Campeonato Sul-Americano de Futebol Feminino Sub-17, onde também atuou como capitã. Sua experiência internacional no Sevilla também foi fundamental para seu crescimento. “Sem dúvida, essa experiência foi crucial para o meu desenvolvimento, tanto pessoal quanto profissional. Aprendi muito lá, e quando retornei ao Brasil, soube aplicar esse aprendizado”, afirmou.

Também compartilhou suas experiências e reflexões sobre a evolução do futebol feminino, especialmente em comparação ao cenário internacional. Ela destacou as diferenças de estrutura e profissionalismo entre o Brasil e o futebol europeu. “Lá, o profissionalismo já era mais avançado em 2019, e hoje é ainda maior. Isso me fez enxergar o futebol de outra maneira, entendendo de vez que seria o meu trabalho”, afirmou.

Essa mudança de perspectiva está diretamente ligada ao crescente investimento no futebol feminino, especialmente na Europa. A União das Associações Europeias de Futebol (UEFA) anunciou que, para a competição de 2025, irá investir mais do que o dobro do valor destinado à edição de 2024. Além disso, a entidade se comprometeu a destinar mais de um bilhão de euros ao futebol feminino até 2030.

Isa também comentou os desafios enfrentados pelas jogadoras no Brasil. “Precisamos de campos de qualidade, de boa estrutura, com vestiários adequados. Não jogar em arenas dificulta muito a situação, pois muitas vezes somos colocadas em campos secundários ou alugados”, disse. A jogadora acredita que essas questões estão diretamente ligadas à visibilidade e ao desenvolvimento do futebol feminino, que, segundo ela, ainda tem muito a crescer. “Acreditamos muito nesse desenvolvimento e queremos que isso aconteça”, completou

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