A loucura do multiverso
A tão esperada sequência de Doutor Estranho chegou esse mês aos cinemas, marcando de vez a quarta fase da Marvel em seu universo compartilhado
Por Sarah Oliveira
O segundo filme protagonizado pelo mago Stephen Strange mostra o personagem de volta ao Sanctum Sanctorum – um dos prédios misticos dos magos pelo mundo – em Nova York, após a sua aventura com o Homem-Aranha em seu terceiro filme ‘Sem Volta Para Casa’, onde diversos vilões de diversos universos paralelos atravessaram as barreiras do multiverso e foram parar na Terra onde se passa o Universo Marvel que conhecemos.
Agora, Stephen está lidando com sonhos esquisitos onde uma versão sua – que mais tarde ele chama de “Outro Eu” – está acompanhando uma jovem a conseguir o livro de feitiços da bondade dos magos para poder controlar os seus poderes enquanto lutam contra demônios cósmicos. Ao despertar, Strange descobre que a menina de seus sonhos está em Nova York e ela se apresenta como America Chavez e seu poder é a sua capacidade de viajar através do multiverso e que há alguém enviando demônios para capturá-la e extrair o seu poder. Ao perceber que há feitiçaria proibida envolvida na situação, Strange recorre ao seu amigo Wong, que agora é o Mago Supremo, e a Wanda Maximoff, agora sob o nome de Feiticeira Escarlate.
Quando chega ao encontro de Wanda, ela aceita a ajudá-lo a proteger América, porém, ao ouvir a vingadora dizer o nome da jovem – coisa que ele não tinha feito até o momento – Strange percebe que Wanda está diferente e nesse momento ela revela sua verdadeira intenção com America Chavez: extrair o seu poder para que ela pudesse viajar pelo multiverso e encontrar uma realidade onde ela possa viver com os seus filhos, que ela criou através de seus poderes de manipulação da realidade.
Para escapar das mãos corrompidas da Feiticeira Escarlate pelo Darkhold – um livro de feitiços e maldições proibidos escrito por Chthon, um deus ancestral do caos – os heróis acabam viajando através do multiverso para encontrar quem realmente irá ajudá-los a proteger América e o multiverso: o Doutor Estranho daquela realidade.
Iniciando a sua mais nova fase no cinema e agora também nos streamings, “Doutor Estranho no Multiverso da Loucura” é um filme completamente distinto dos outros já feitos pela Marvel, porém sem deixar de ter a clássica “Fórmula Marvel”, a mistura entre humor e ação sempre presentes nas produções de Kevin Feige, produtor executivo e presidente dos Estúdios Marvel na Disney.
Dirigido pelo velho conhecido dos fãs do universo dos heróis por ser o responsável pela trilogia original do Homem-Aranha nos anos 2000, Sam Raimi foi a escolha certa para dirigir o primeiro filme de terror do UCM – sigla do “Universo Cinematográfico Marvel”. Os melhores momentos do longa são quando os elementos sobrenaturais tomam conta da tela do cinema com referências a grandes filmes de horror, como “O Chamado”, graças a ótima direção de Raimi e a produção de efeitos especiais, que mostra que é possível sim fazer uma obra com elementos de terror no em filmes de heróis encontrando o equilíbrio perfeito entre os dois gêneros.
Mas ouso dizer que essa foi a única coisa realmente grandiosa e magnífica do filme. As atuações de Benedict Cumberbatch e Benedict Wong como da dupla de magos supremos está ao ponto como sempre. Xochitl Gomez é realmente uma boa surpresa que a Marvel dá aos fãs e Elizabeth Olsen entrega a sua melhor performance na pele de Wanda em todos esses seus anos na saga. E é devido a eles que é possível aceitar o roteiro raso e mal-feito do filme.
Com uma premissa interessante e diferente, era de se esperar que o roteiro do primeiro longa que abraça o terror iria entregar boas falas e momentos marcantes, mas não foi isso que aconteceu. Pelo menos não do jeito que se esperava.
Uma das piores decisões que poderiam ter feito foi simplesmente não explicar o que aconteceu com Wanda em Westview para que não assistiu a sua série solo, WandaVision. Na primeira produção da Marvel para o streaming da Disney, Wanda vive com Visão – morto em Vingadores: Guerra Infinita – em uma realidade que ela mesma criou em uma cidade de Nova Jersey chamada Westview. O que vamos descobrindo ao longo da série é que, para poder viver seu conto de fadas com o marido e os filhos, Wanda está mantendo uma cidade inteira refém de sua magia e torturando-os mentalmente a fazer o que ela quer para corroborar com a sua história feliz.
Nem todas as pessoas que assistiram ao ‘Multiverso da Loucura’ necessariamente assistiram a WandaVision e essa falta de toque em resumir os acontecimentos da série que levaram a Wanda a encontrar o Darkhold e a perseguir uma realidade em que ela possa ficar com os seus filhos, faz com que o enredo da personagem se torne uma possível incógnita para uma parte dos espectadores, pois a Wanda que eles conheciam sequer possuía o título de Feiticeira Escarlate (outro enredo que é desenvolvido na série) e muito menos tinha filhos.
Além disso, o filme também comete o erro de apresentar, porém sem deixar claro o porquê das maiores perguntas sobre a personagem no filme: Como ela foi parar ali?
O que fez a Wanda seguir o caminho de vilã após ter um final bem feito e fechado no fim de WandaVision?
E se foi por causa dos seus estudos com o Darkhold, como ela foi corrompida por ele?
Nada disso é explicado, deixando uma parte importante do enredo da personagem à solta, em aberto a interpretações e teorias dos fãs e o futuro da continuidade da personagem à mercê do desenvolvimento do Universo Cinematográfico Marvel.
Porém, o mais sem graça de tudo foi a tão esperada aparição especial de personagens de outros projetos da Marvel, que nesse filme foram os Illuminati. O grupo formado pelos maiores e melhores heróis do multiverso e que tem como missão protegê-lo de toda e qualquer ameaça à existência da sua realidade.
A revelação de quais seriam esses protetores e quem seriam os atores por trás de sua interpretação foi animadora no primeiro momento, porém, depois todo o entusiasmo sobre essas participações vai por água abaixo pelo o que vem a seguir a sua apresentação: as suas mortes, não em uma batalha realmente épica e memorável que esse grupo excepcional de personagens mereciam, mas sim em uma luta onde os seus poderes e suas armas foram manipulados e usados contra eles mesmos para matá-los. Ou seja, simplesmente sem graça e que torna a participação deles – ou de qualquer outro personagem que pudesse ter sido escolhido – descartável.
Até mesmo os diálogos mais simples que o filme poderia ter são regados de frases de efeito chatas e discursos motivacionais batidos que parecem ter sido tirados de algum livro de autoajuda que os roteiristas estivessem lendo no momento, fazendo com que muito do encanto do filme se perca ao longo de suas duas horas de duração.
Com erros e acertos, “Doutor Estranho no Multiverso da Loucura” é um filme que apesar dos seus furos cumpre a sua missão de ser mais um experiência Marvel cheia de aventura e efeitos especiais para quem já acompanha o Universo Marvel ou para quem quer realmente ver do que a Marvel é capaz de fazer ao se inclinar para um gênero cinematográfico diferente, porém sem grandes expectativas de um enredo mirabolante regido pela sua fórmula clássica.