A intimidade e terapia descrita no novo livro de Rupi Kaur
por Maria Clara Sousa / Em Pauta
Meu corpo, minha casa, o último livro lançado pela poeta indiana de 24 anos Rupi Kaur reflete sobre temas como autoconhecimento, trauma, feminismo, abusos, depressão e ansiedade. Quase como uma coletânea de conversas entre amigas e sessões de terapia num processo de cura, a autora divide o livro em quatro partes: mente, corpo, descanso e despertar.
A autora conhecida por “Outros jeitos de usar a boca” e “ O que o sol faz com as flores” não utiliza pela primeira vez a poesia como cura, seus outros livros também possuem impacto por serem extremamente pessoais e íntimos. Dessa mesma forma “Meu corpo, minha casa” relata o processo de sair da escuridão para a luz transformando suas dores em força.
Já na primeira parte – mente – a autora relata sobre sua depressão e os abusos sexuais que sofreu quando criança, contando suas histórias em poesia e mostrando a progressão de não conseguir sair da depressão para querer e dar seu máximo para melhorar.
Coração – a segunda parte do livro – começa pelas desilusões amorosas que a autora sofreu passando pelo relacionamento abusivo com dependência emocional do seu parceiro. Desmistificando o fato de que o único amor verdadeiro é o romântico, Rupi fala sobre amor de família, amigos e amor próprio.
A terceira parte – descanso – é a parte mais diversa do livro, onde ela aborda produtividade no processo de escrita, ansiedade, a exploração da natureza por seres humanos e a necessidade de conexão com outros pelas pessoas.
Despertar é a parte que mais me impactou, a força que Kaur demostra durante todo o livro é ressaltada na quarta e final parte do livro. Essa força derivada tanto do processo da autora quanto pela força coletiva de entender que você não está sozinha e a força de resistência de mulheres e imigrantes (povos oprimidos a que Rupi pertence). A aceitação e as lições aprendidas no caminho pela autora são demostradas de forma leve e gentil como um conselho para uma amiga.
Como uma representação gráfica e escrita – ambas feitas por Rupi – da trajetória percorrida do baixo para o alto da montanha pela indiana. Os temas utilizados não são novos em seus livros mas de alguma forma Kaur consegue prender o leitor em todos os poemas e não repetir nenhuma abordagem dos temas. A autora demostra força e sensibilidade em um mundo que renega um e deprecia outro para mulheres.
Talvez a intimidade de seus livros seja o que mais me encanta na sua escrita. A conexão que você sente com uma desconhecida de outro país é surpreendente e cria um caloroso sentimento de entendimento como se tornar amiga da autora e conseguir se associar com seus problemas e traumas tão comuns para mulheres. Não é atoa que seu livro é o 15° mais vendido na categoria “Importados de Poesia de Mulheres” da Amazon no Brasil, seus livros transcendem as fronteiras de seu país e se espalham pelo mundo trazendo compreensão para diversas mulheres, sobre si mesmas e sobre a cultura de Rupi.
Seu livro mais recente demostra a força da coletividade na individualidade, de forma paradoxal a trajetória de cura da autora traz alívio para pessoas que já estiveram em situações parecidas e força para aqueles que estão passando pelos processos relatados por ela dando esperança para fuga da escuridão.
“Meu corpo, minha casa” é um livro que deveria ser lido por todos apenas pelo fato de trazer a vulnerabilidade de seres humanos e força presentes na resistência feminina à misoginia e o patriarcado. Compreensão e empatia ainda são valores desconhecidos para certos indivíduos e para eles eu indico ler essa obra. Também acredito que todas as mulheres deveriam sentir o alívio na coletividade forçada por uma sociedade machista que nos faz mais forte. Se você não se convenceu a ler o livro ainda posso te dar um spoiler do que ele pode te oferecer com um dos meus poemas favoritos da autora:
“eu dei meu sangue para estar aqui. eu paguei com uma infância marcada por monstros piores que você. neste mundo me calaram com um tapa mais vezes do que me deram um abraço. você nunca viu o que eu vi. meu fundo do poço era tão fundo que eu pensei que lá era o inferno. passei uma década tentando sair. fiquei com bolhas nas mãos. meus pés incharam. minha mente dizia eu não aguento mais. eu falava para ela dá um jeito. a gente veio pra ser feliz. e vamos sentir tudo o que temos direito. eu fui caçada. assassinada. e voltei para a terra. eu arranquei a cabeça de toda fera que ousou me enfrentar. e você quer roubar o meu lugar. o lugar que eu conquistei com a história da minha vida. meu bem. não vai rolar. eu coleciono figurinhas do seu tipo. com idiotas feito você eu faço piada. eu já brinquei e já dormi e já dancei com demônios mais poderosos do que você”