Primeiro longa-metragem de Ben Leonberg explora no gênero de horror a relação entre homem e animal para emocionar e criar tensão
Por Murilo Schurt Alves

Cão foi treinado durante três anos para a realização do filme Foto: Divulgação/Independent Film Company
Os cachorros sempre ocuparam um espaço significativo no cinema de horror. Mesmo quando não assumem o protagonismo, costumam carregar presságios e vínculos emocionais que servem como combustíveis para as narrativas. Em “O Bebê de Rosemary” (1968), por exemplo, a morte do animal logo no início funciona como um aviso sombrio do mal que está por vir. Já em “Cujo” (1983), adaptação da obra de Stephen King, o são-bernardo tomado pela raiva assume o papel de antagonista, aterrorizando mãe e filho que lutam pelas suas vidas. Além disso, em “O Enigma de Outro Mundo” (1982), o cão carrega dentro de si uma entidade alienígena que desencadeia o conflito que permeia todo o longa-metragem.
Diante desse panorama, é pertinente perguntar: o que torna “Bom Menino” (2025) diferente das obras supracitadas? O que, afinal, ele acrescenta de novo ao gênero? A resposta está no ponto de vista, pois o horror neste filme é construído a partir da perspectiva animal. Em vez de focar nas reações humanas, somos guiados pelos instintos do próprio cachorro durante os 73 minutos de filme. É através dessa escolha que o longa-metragem cria uma experiência que não apenas assusta, mas também emociona e desconcerta.
Dirigido pelo estadunidense Ben Leonberg, “Bom Menino” acompanha a história de Todd (protagonizado por Shane Jensen), que decide recomeçar a vida ao lado do fiel cão Indy, mudando-se para a casa de campo da família, deixada como herança após a morte de um parente. A propriedade, desabitada há muito tempo, carrega antigos rumores. Uma entidade demoníaca estaria presa no local, assombrando a linhagem por gerações. Cético, Todd ignora os avisos, mas Indy não. É ele quem primeiro percebe os sinais sobrenaturais e a presença maligna que tenta, a todo custo, corromper seu tutor.
Ao adotar a perspectiva do animal, a direção consegue aproveitar diversas técnicas de enquadramento. Frequentemente, o diretor utiliza planos subjetivos, colocando o espectador no olhar de Indy e revelando detalhes da ambientação que normalmente passam despercebidos, sejam os pés das mesas, as gavetas mais baixas, o que se esconde sob a cama. Em outras cenas, quando o cão ergue o focinho para observar algo acima de si, a câmera assume enquadramentos em contra-plongée, intensificando a imersão. Já para apresentar o ambiente de forma mais ampla, o diretor se afasta e utiliza planos gerais, contribuindo para a construção espacial da história. Essas escolhas tornam a direção criativa e dinâmica, mantendo o ritmo e prendendo a atenção do espectador.

Uso de planos gerais favorece a percepção do ambiente Foto: Divulgação/Independent Film Company
O roteiro, por sua vez, pode dividir opiniões. Como a narrativa se desenrola quase inteiramente entre o cachorro e seu tutor, com a ausência de diálogos, parte do público pode considerá-lo insatisfatório, especialmente para quem busca explicações detalhadas ao final da trama. No entanto, essa escolha abre espaço para que outros elementos assumam protagonismo. O trabalho sonoro, por exemplo, se destaca por meio de efeitos diegéticos – o vento incessante da floresta e a chuva torrencial no clímax, entre outros – que ajudam a criar tensão, amplificar o desconforto e preparar o terreno para jumpscares (sustos), que, embora não agradem a todos, fogem dos clichês que comumente vemos em outras produções.
De qualquer forma, o grande destaque do longa-metragem está na relação que se estabelece entre Indy e o público. O diretor soube explorar a capacidade expressiva do seu próprio cão e, junto à produtora e esposa Kari Fischer, treinou o animal ao longo de três anos de gravação, garantindo que cada olhar, movimento e silêncio transmitisse significado. Indy conquista quem assiste do primeiro ao último minuto, especialmente quando salva Todd de momentos de perigo. Torna-se, assim, uma opção envolvente para quem se afeiçoa aos bichinhos de estimação e gosta de ver essa conexão ganhar vida na tela.
Em suma, “Bom Menino” prova que o horror pode assumir formas inesperadas quando visto pelos olhos de quem sente, mas não consegue compreender da mesma maneira que nós, humanos. Entre sustos calculados, enquadramentos criativos e sons que amplificam a tensão, o filme reforça a força do vínculo entre humano e animal, mostrando que ainda é possível trazer a figura do cão de maneira criativa nas produções cinematográficas. A relação entre Indy e Todd emociona, envolve e reafirma algo que é sempre bonito de ver: o cachorro é, sem dúvidas, o melhor amigo do homem.
Ficha técnica
Título: “Bom Menino”
Direção: Ben Leonberg
Produção: Kari Fischer e Ben Leonberg
Roteiro: Alex Cannon e Ben Leonberg
Elenco: Shane Jensen, Arielle Friedman, Larry Fessenden, Stuart Rudin e Hunter Goetz Gênero: Terror e suspense
Ano: 2025
Duração: 73 min
País: Estados Unidos
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