Em turnê nacional, artista apresentou seu monólogo cômico-dramático no Theatro Guarany em Pelotas
Por Maikelly Silva e Rafaela Silveira

Com excelente expressividade corporal, Mateus Solano interpreta a vida rotineira de um personagem também ator Fotos: Dalton Valério/Divulgação
A peça teatral “O Figurante” conta a história de Augusto, um ator cheio de expectativas, que só consegue papéis de figurante nos trabalhos propostos, e que assiste à vida dos outros (e a própria) de camarote. Durante a peça, o público acompanha a frustração e as repetições na vida do ator, até um momento de delírio, em que se imagina e grita pedindo por reconhecimento e valor. Essa história ganha ainda mais potência ao sabermos que é o primeiro monólogo interpretado por Mateus Solano, e que nasce de improvisações reais. Poderia ser uma narrativa triste, mas é apresentada de uma forma envolvente, engraçada e extremamente humana. O texto foi escrito em conjunto por Isabel Teixeira, Solano e Miguel Thiré, este último também responsável pela direção. O público pelotense pôde conferir a montagem no dia 13 de novembro, no Theatro Guarany.
O ponto principal do espetáculo, além do talento notável do ator no palco, é a vulnerabilidade exposta. Acompanhamos momentos engraçados, tristes e constrangedores, que aproximam e mostram um lado íntimo, que todo mundo tem. A montagem simples, sem cenários, evidencia essa sensação intimista, em que tudo gira em torno do corpo e da voz do personagem. Pode ser que o desconforto e a tristeza tenham um certo poder para o desenvolvimento pessoal, então, entre as risadas, é possível que haja algum tipo de identificação com o personagem.
Mateus Solano
O que mais impressiona é o domínio técnico e emocional de Solano no palco. Formado em Artes Cênicas e com uma trajetória sólida, inclusive na televisão, ele mostra no palco um trabalho vocal e corporal impecável. Somos transportados para a vida solitária e miserável do personagem com as simples mudanças de postura, os tons de voz e o ritmo da respiração para criar ambientes completos. Além disso, chama a atenção como Solano domina cada canto do palco, mesmo quando os movimentos são mínimos. Ele transforma pequenos gestos em grandes acontecimentos, e isso só pode ser possível quando se tem uma consciência plena sobre o próprio corpo e o efeito que se pode causar no público.
Essa encenação “do mínimo” é um lembrete poderoso da essência do teatro. Solano reforça que basta um ator talentoso e um texto forte para mover pensamentos. Para quem adora a forma como o teatro funciona, é incrível ver o artista usar a arma mais poderosa para se conectar com o público: a vulnerabilidade. Além disso, é intrigante a inteligência do minimalismo, pois, assim, os olhares se prendem apenas no ator, em cada microexpressão que transforma a narrativa.
O personagem Augusto traduz sentimentos que todos já tivemos: a sensação de não ser notado, o medo de assumir a liderança e a tendência a se contentar com o papel passivo. É por isso que “O Figurante” é uma peça tão envolvente, principalmente considerando que vivemos em tempos de autocobrança e comparação constante.
Mateus Solano é impecável. Sua atuação transforma o mínimo em algo extraordinário, e ele convida a sair do teatro com a certeza de que, sim, talvez seja a hora de parar de figurar e, finalmente, assumir o papel principal da própria vida.

Com uma estética que dá valor aos mínimos detalhes ator faz com que cada um dos seus gestos ocupe todo o palco
No fim, a peça deixa uma sensação que ecoa. Solano transforma a vida de um homem “invisível” em um espelho, provocando uma reflexão sobre o lugar que ocupamos e o espaço que tememos, mas precisamos assumir. É o tipo de peça que acompanha o espectador por um bom tempo, não pela grandiosidade de cenários ou por um conteúdo didático totalmente explicado, mas pela simplicidade tocante e identificável.
“O Figurante” acerta em cheio ao tocar na nossa personalidade: a sensação de sermos figurantes de nós mesmos, sempre deixando o papel principal para depois. É uma peça que, mesmo com a simplicidade, obriga cada um a pensar sobre o controle da sua própria narrativa.
Que privilégio poder desenvolver um vasto repertório cultural com obras brasileiras, de atores que valorizam e apreciam o teatro. Um espetáculo envolvente, engraçado, íntimo e que gera uma reflexão profunda sobre o nosso protagonismo.
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