Filme retrata o Massacre dos Porongos com locações em Bagé e Minas do Camaquã

O diretor de cinema Diego Müller resgata a história marcante dos lanceiros negros na Guerra Farroupilha        

Por Francisco Maihub       

 

Filmagens estão fazendo reconstituição histórica de episódio controverso envolvendo racismo e a luta contra a escravidão. Nesta cena participam os atores Tiago Real, João Petrilo, Thiago Lacerda  e Allan Rigs                Fotos; Divulgação-GM/2 Filmes

 

O diretor de cinema Diego Müller está produzindo o filme “Porongos”, que visa retratar o massacre ocorrido durante a Revolução Farroupilha no Rio Grande do Sul, no qual os negros que participaram foram assassinados.  A ideia do filme é retratar em uma produção cinematográfica inédita a história esquecida dos lanceiros negros. Ainda em andamento, as gravações vêm ocorrendo em localidades como Minas do Camaquã (Caçapava do Sul) e Bagé.

O Massacre dos Porongos foi um dos mais marcantes episódios envolvendo negros escravizados da história do Brasil. Ocorreu durante a Revolução Farroupilha (1835-1845), liderada pela elite gaúcha que estava insatisfeita com a política fiscal do governo imperial com os impostos sobre o charque (carne produzida no Estado). A produção local estava sendo desfavorecida frente à concorrência externa, especialmente do Uruguai.

A Revolução ficou também conhecida como “Guerra dos Farrapos”, pois as roupas usadas dos combatentes eram esfarrapadas, revelando tanto a violência do episódio como um tratamento inicialmente depreciativo dos soldados. Mas não era uma revolução popular, e sim, das elites gaúchas insatisfeitas com o governo imperial. Durante essa guerra, houve a participação dos lanceiros negros, homens escravizados que foram recrutados para lutar na guerra sob promessas de liberdade após o fim do conflito, o que acabou não acontecendo

Muitos negros viam na Guerra dos Farrapos a oportunidade de fugir da escravidão e o sonho de liberdade. Estima-se que os negros que participaram da guerra eram um terço das tropas, aproximadamente 500 homens.

Apesar de serem essenciais na guerra, os lanceiros negros, que eram guerreiros recrutados para ajudar nas batalhas, viraram um obstáculo nas negociações de paz com o governo imperial. Os farroupilhas não tinham como cumprir a promessa de libertação dos homens mantidos como escravos e o império exigia a devolução dos escravos aos seus proprietários.

 

Samira Carvalho (no papel de Mahín) e Emilio Farias (Adão Caetano) participam das filmagens em várias cidades

 

A Revolução Farroupilha não cumpriu a promessa de libertação dos negros, pois a escravidão sustentava a economia e o governo imperial. Os negros que lutaram na Revolução foram desarmados, ficando em desvantagem na guerra contra o governo imperial. Uma versão, envolvendo questões complexas e controversas, é que o general David Canabarro mandou desarmar os negros secretamente. Ao mesmo tempo, negociava com o representante do império, Barão de Caxias (mais tarde elevado a Duque de Caxias), e deliberadamente teria facilitado o massacre. Canabarro teria tramado com o Barão de Caxias a data e o local do ataque aos lanceiros negros.

Os homens negros foram desarmados na véspera da guerra e o resultado foi uma chacina, o Massacre dos Porongos, que ocorreu na madrugada de 14 de novembro de 1844. Apesar da Guerra dos Farrapos ser comemorada como parte da formação da identidade da cultura gaúcha, pouco é lembrado do massacre, do lado racista e da traição da Revolução.

Estima-se que aproximadamente 80 a 100 soldados negros foram mortos no confronto e os sobreviventes afrodescendentes foram capturados e devolvidos a sua condição de escravizados ou enviados para o Rio de Janeiro para permanecer como escravos até que a Lei Áurea viesse a libertá-los.

O Massacre dos Porongos é visto, hoje em dia, como um ato de covardia e racismo, um capítulo vergonhoso da história gaúcha e brasileira. Leva a questionar os ideais de liberdade da Revolução Farroupilha e a verdadeira imagem de seus líderes.

O Massacre, hoje em dia, é objeto de debates nas pautas do movimento negro, como parte do apagamento histórico da população negra no Brasil, sendo uma marca por reconhecimento e necessidade de reparação histórica.

Produção e elenco

Dirigido por Diego Müller e produzido por Pablo Müller,  a equipe criativa do longa conta com  Vanessa Rodrigues (direção de arte), Joanna Ramos (direção de fotografia), Thaíse Machado (consultora artística) e a atriz Tatiana Tibúrcio está à frente da preparação de elenco. Juntos, eles darão vida à história de Adão Caetano, um lanceiro negro cuja luta por liberdade e dignidade confronta as contradições dos líderes republicanos do Rio Grande do Sul.

Embora inspirado em fatos e personagens reais, o longa adota uma abordagem ficcional. O elenco dá vida a essa trama épica com nomes de peso: Emílio Farias interpreta Adão Caetano, Samira Carvalho vive Mahín, Thiago Lacerda assume o papel de Bento Gonçalves. Destacam-se, ainda, Tatiana Tibúrcio, Álvaro RosaCosta, Rafa Sieg, Jorge Guerreiro, Loma, Werner Schünneman, Nelson Diniz, Cássio do Nascimento, Roberto Birindelli, Tiago Real, Appolônio Cipriano, Marcos Verza, Kaya Rodrigues, Nicolas Vargas, Marcello Crawshaw, José Henrique Ligabue, Adriano Baségio, Marcos Contreras e Luis Franke, entre outros talentos do cinema, teatro e televisão.

Com mais de 20 anos no audiovisual, Diego Müller construiu uma carreira sólida como diretor, roteirista e produtor. Entre seus trabalhos no cinema, destacam-se “Cortejo Negro” (2008), prêmio de Melhor Direção no Festival de Gramado, “A Invasão do Alegrete” (2009), que conquistou os Kikitos de Melhor Roteiro em curta-metragem nacional e Melhor Ator, para Miguel Ramos, no 37º Festival de Cinema de Gramado. Em 2022, Diego lançou o documentário em longa-metragem “Bandoneando – A busca pelos bandoneonistas negros da Campanha Gaúcha”, exibido em festivais nacionais e internacionais. Em 2024, codirigiu “Infinimundo”, vencedor do Kikito de Melhor Filme Júri Popular no 53º Festival de Gramado.

 

Samira Carvalho e Emílio Farias com a preparadora de elenco e atriz Tatiana Tibúrcio (ao centro)

O site arte no Sul conversou com o diretor Diego Müller, que trouxe mais detalhes sobre a produção:

Arte no Sul: Você está produzindo um filme sobre o Massacre dos Porongos durante a Revolução Farroupilha, que recrutou os negros para servirem na guerra?

Diego Müller:  Isso, eles foram incorporados às forças farroupilhas com a promessa de serem libertos ao final da guerra. E esta promessa, que acabou não acontecendo, foi um dos entraves para se encerrasse o conflito. Então, em 14 de novembro de 1844, eles foram reunidos no cerro dos Porongos, em Pinheiro Machado, foram desarmados e, à noite, o acampamento foi invadido. Em sua grande maioria, eles foram massacrados.

Arte no Sul: Qual é a importância de abordar esse tema em forma de produção cinematográfica, retratando um passado pouco lembrado no imaginário popular dos gaúchos?

Diego Müller: É a relevância de fazer a reparação histórica, e trazer ao debate este tema que foi invisibilizado ao longo dos tempos. Além disso, a gente humaniza esses personagens históricos, trazendo à luz suas verdadeiras faces, e não aquela falsamente construída numa ideia de torná-los simplesmente heróis.

Arte no Sul: De onde veio essa ideia de produzir um filme com essa temática tão polêmica?

Diego Müller: A partir da minha ideia de construir um personagem gaúcho histórico real, com a inclusão [mais efetiva] do negro nesta miscigenação, o que no meu entendimento, não havia sido feito ainda. Aí, a participação dos negros na Guerra dos Farrapos e o Massacre dos Porongos surgiram naturalmente nas pesquisas.

Arte no Sul: A Revolução Farroupilha, apesar de ter sido uma guerra perdida, é comemorada na tradição gaúcha. Seu passado é muito romantizado pelos gaúchos, que criam uma imagem de um passado heroico. Como você acha que o filme, retratando esse lado do passado pouco conhecido, vai impactar culturalmente?

Diego Müller: Acho que, de certa forma, a Revolução Farroupilha continuará a ser comemorada, pois teve seus méritos. O que o filme vai trazer é que erros aconteceram e que não podem ser ignorados, além de que sempre sejam lembrados. Existiram guerreiros muito importantes como os lanceiros e os infantes negros, que precisam ter seu lugar referenciado na história.

Arte no Sul: Você também disse em algumas entrevistas que o filme vai retratar os líderes militares Bento Gonçalves  e Antonio Sousa Neto. Como o filme vai retratar essas figuras importantes da história do Rio Grande do Sul?

Diego Müller: De uma forma mais humana, sem esquecer suas virtudes, mas também apresentando estas figuras em suas épocas, e como eles, dentre desse contexto, tiveram que tomar decisões às vezes contraditórias em relação às próprias lutas que defendiam (principalmente o Bento).

Arte no Sul: Em quais cidades do Rio Grande do Sul o filme está sendo gravado?

Diego Müller: As cidades foram Bagé, Caçapava do Sul (Minas do Camaquã) e Aceguá. As próximas ainda não foram decididas.

Arte no Sul: O Brasil é conhecido por ter sido um dos últimos países a abolir a escravidão e, mesmo após o fim da escravidão, a população negra ainda enfrenta os efeitos do período escravocrata, como racismo e desigualdade social. Como o filme pode contribuir para o aumento da conscientização negra no estado do Rio Grande do Sul?

Diego Müller: Acho que vai trazer um debate positivo sobre este apagamento histórico, e como isso pode ser visto ainda hoje, como aquela realidade pode ser presenciada nos dias de hoje.

Arte no Sul: Que mensagem você espera que o filme traga aos gaúchos e aos demais brasileiros que forem assistir o filme?

Diego Müller: Que eles conheçam uma outra história da Guerra dos Farrapos, mais real e inclusiva. Espero que contribua para que sejamos conhecidos em [nossa] diversidade de forma mais realista, e que a contribuição do povo negro tenha seu lugar [reconhecido] na formação do Estado. Que essa história nos faça refletir sobre o passado e nos eduque enquanto sociedade!

Arte no Sul: Como está o andamento da produção do filme?

Diego Müller: Filmamos 80% do filme. Devemos filmar os 20% restantes dentro de duas semanas. A expectativa é que o filme fique pronto no final de 2026.

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