Gibis preservam patrimônio cultural da região rural de Pelotas

Com três edições publicadas, as histórias em quadrinhos “Museu Gruppelli: Lendas Rurais” contam as histórias dos moradores a partir de objetos, tradições e crenças da região      

Por Amanda Leitzke     

 

Capa da primeira edição do gibi “Museu Gruppelli: Lendas Rurais”

A ideia de criação dos gibis surge em 2020, durante a pandemia de Covid-19, quando o Museu Gruppelli, localizado no Sétimo Distrito de Pelotas, precisou permanecer fechado e, com isso, não conseguia trabalhar em novas exposições. José Paulo Brahm, professor e coordenador do curso de bacharelado em Museologia na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), e coordenador geral dos gibis, conta que, inicialmente, foi planejada uma exposição que retratasse as lendas rurais. Como o museu ficou fechado fisicamente em virtude da pandemia, a instituição teve que adaptar as suas atividades e uma das alternativas foi transformar as histórias contadas pelo museu em um livro no formato de gibi. Ele afirma que “essa iniciativa também teve como objetivo impulsionar as ações educativas e manter vivas as atividades do museu durante o período em que estava fechado, de 2020 até meados de 2022”.

O processo de criação de um gibi se baseia, primeiramente, em pesquisas sobre as lendas rurais. São realizadas entrevistas com moradores locais e pesquisas em fontes bibliográficas. Após a coleta de depoimentos, a equipe é dividida e cada um exerce a sua função, seja elaborando as histórias e a concepção dos enredos, que acontece em conjunto com todos os autores das histórias, ou trabalhando na confecção dos desenhos.

José Brahm explica: “As lendas originais são adaptadas pela nossa equipe para garantir um ar de originalidade às histórias. Trazemos, nos roteiros, algumas referências clássicas que visualizamos na nossa cultura popular, além de elementos trazidos por culturas externas. É importante destacar que lendas presentes em várias partes do mundo, como o lobisomem, também fazem parte da cultura regional do sul do Brasil”.

Ele evidencia que um dos fatores mais interessantes das histórias é que elas são contadas pelos moradores locais, trazendo, assim, um ar diferenciado e particular, e até mesmo inédito, pois não se encontram registros de algumas histórias em nenhum outro lugar, como a lenda do tacho de cobre e a da porca camaleônica.

Maurício Pinheiro, museólogo que atua no Museu Gruppelli e que participou do processo de escrita de todas as histórias dos gibis, conta que a experiência foi surpreendente e maravilhosa. “Como sou morador da zona rural, eu tenho uma proximidade muito grande com o acervo e os objetos, e tenho conhecimento sobre as lendas, então coloco essa questão afetiva nas histórias e busco trazer a realidade da região”. Relata, também, que o museu conseguiu atingir um grande público e que recebe muito apoio dos visitantes e da comunidade, que se sente representada a partir das histórias.

As ilustrações, que são feitas e impressas em preto e branco com o intuito de permitir que as crianças possam colorir as páginas, demora em torno de quatro a oito meses para ficarem prontas. O responsável por dar vida às histórias, Gabriel Acosta Insaurriaga, formado em Museologia e criador das artes dos gibis, conta que a primeira edição foi desafiadora na parte da criação, pois os objetos do museu saem da sua visualidade na terceira dimensão para a versão bidimensional no papel. Ele relata que as duas últimas edições foram mais difíceis de fazer. “Eram lendas e nós tínhamos que adaptar e omitir alguns detalhes por causa do público infantil”, observa.

A primeira edição, lançada em 2022, conta a história dos objetos que estão expostos no Museu Gruppelli, como o tacho, que é utilizado na produção de doces coloniais, o pilão, que serve para triturar grãos, e a carroça que era usada como meio de transporte de pessoas, animais e mercadorias. A segunda edição, lançada em 2024, fala das feras, fantasmas e monstros, como a puma, que vivia na região e quase desapareceu devido a urbanização e a caça. Ainda traz a história da “Noiva do Cemitério”, que não teve um casamento bom e decidiu se vingar de seu marido quando morreu, e o “Tilltrap”, figura rápida e esquiva que se parece com um chupa-cabra pequeno.

A terceira e última edição lançada até o momento, foca nas histórias extraordinárias, como a do “caramelo”, o cão sobrenatural, que foi maltratado enquanto estava vivo, e após a morte decide fazer justiça com quem agride animais, o alien “Xirú”, que se infiltra no meio dos humanos para estudar os seus costumes, e a “porca camaleônica”, que muda a cor dos olhos de acordo com o clima.

 

Quadrinhos da primeira parte da história da Centaura, ser místico que protege a natureza

 

A quarta edição do gibi será intitulada como “Lendas Rurais: Histórias da Natureza”, na qual serão abordadas diversas narrativas relacionadas ao período anterior à chegada dos imigrantes na região. Além disso, a equipe do Museu Gruppelli também planeja elaborar uma edição voltada para maiores de 18 anos, pois descobriram várias histórias com conteúdo inadequado para crianças, mas que são extremamente interessantes e fazem parte do imaginário local há muitos anos. Com isso, eles pretendem ampliar ainda mais o alcance das publicações e conquistar um novo público, o adulto.

José Paulo Brahm compartilha que a motivação de publicar essas histórias parte da ideia de preservá-las e de evitar que elas caiam no esquecimento. “A ideia é preservar, documentar e divulgar essas narrativas para o maior número de pessoas possível. A zona rural tem histórias incríveis que merecem ser compartilhadas e descobertas. Preservar as memórias e os relatos relacionados às lendas é preservar uma parte da identidade da comunidade rural. É manter vivas as tradições e proteger os patrimônios culturais”. Ainda afirma que as lendas sempre deixam um ar de curiosidade e encantamento, e esse também é o papel dos museus e do patrimônio. “O patrimônio tem essa função de encantar as pessoas, assim como os museus. Nossa missão é justamente possibilitar que todos consigam sentir essa magia que os museus têm a oferecer”.

 Além disso, a equipe deseja que essas histórias sejam uma fonte de conhecimento e aprendizagem para o público infantojuvenil, que no futuro será o público adulto do museu, e caberá a eles garantir que essas histórias continuem sendo compartilhadas com as próximas gerações, evitando, como já dito, que se percam com o tempo.

Os gibis físicos estão à venda no Museu Gruppelli, com valores entre 35 e 40 reais, e também estão disponíveis em versão digital que podem ser acessados por meio do Link Tree do museu na página do Instagram e do Facebook.

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