“Dos Sinais à Cena”

Projeto promove protagonismo da comunidade surda no teatro em Pelotas     

Por Larissa Ribeiro Duarte      

Em um cenário onde a acessibilidade cultural ainda é um desafio, o projeto Dos Sinais à Cena transforma o teatro em uma potente ferramenta de inclusão e protagonismo da comunidade surda em Pelotas. Criada por Germano Rusch, ator, professor e diretor, a iniciativa propõe uma cena feita com e por surdos, na qual a Libras (Língua Brasileira de Sinais) e a expressão corporal são os elementos centrais da criação.

A ideia nasceu em 2017, quando Germano, ainda estudante da licenciatura em Teatro na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), decidiu sair da zona de conforto no estágio curricular. Ao optar por trabalhar com estudantes surdos do Ensino Médio na Escola Carmen Baldino, em Rio Grande, ele percebeu o quanto a arte poderia ser uma ponte entre mundos. A inspiração veio das aulas de Libras na faculdade e do desejo de atuar em um espaço no qual  a acessibilidade cultural era quase inexistente.

 

À esquerda, Germano Rusch, idealizador do projeto “Dos sinais à cena”, durante oficina     Fotos: Divulgação

 

“Eu me sentei com eles e disse: vocês me ensinam Libras do jeito de vocês e eu mostro como o teatro pode ser legal. Eles toparam”, relembra Germano. Daquela troca surgiu o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de Germano e que mais tarde se tornaria projeto aprovado pela Incubadora de projetos de inclusão OTROPORTO, com apoio financeiro e técnico para se consolidar.

Libras, corpo e vivência coletiva

Todas as oficinas são conduzidas em Libras, mesmo quando há participantes ouvintes. Além da língua de sinais, os chamados classificadores (gestos e expressões corporais que ampliam ou substituem os sinais) são usados para dar fluidez à comunicação e estimular a criação. A linguagem teatral surge do corpo, do olhar e da vivência compartilhada.

 

Todas oficinas são conduzidas em Libras e com os gestos e expressões corporais que ampliam ou substituem os sinais

 

Germano conta que precisou adaptar a metodologia para lidar com um grupo diverso, composto por crianças, adultos e idosos, incluindo pessoas autistas, com dificuldades cognitivas ou em processo de alfabetização. O objetivo era nivelar o grupo sem tirar a leveza e o prazer de aprender. “A aula tinha que ser gostosa para eles. Tinha que ser divertida pra mim, principalmente, e muito mais para eles.”

O processo de criação é coletivo desde o início. As cenas surgem a partir das experiências reais dos participantes, principalmente relacionadas às dificuldades enfrentadas pela comunidade surda. Uma delas retratava a tentativa frustrada de assistir a um filme nacional sem legenda, o que para um público ouvinte é comum, mas para eles é determinante.

“Eles são os protagonistas da cena. Atuando, mostrando suas dificuldades ou qualidades, mas eles em cena”, destaca o diretor. A proposta do projeto é garantir que as pessoas surdas tenham propriedade para contar suas histórias, sem mediações.

Mais do que ensinar teatro, Germano conduz um processo de criação coletiva que valoriza a autonomia e as narrativas de quem sempre esteve à margem da cena.

O projeto contou com a parceria da Escola Alfredo Dub e com o apoio da Associação de Surdos de Pelotas (ASP), promovendo aulas práticas em que a linguagem teatral é usada como instrumento de expressão visual, corporal e emocional. Em vez de um intérprete isolado na lateral do palco, os próprios estudantes constroem narrativas a partir de referências pessoais e situações cotidianas.

Além da acessibilidade: apropriação e identidade

A diferença mais significativa entre o teatro convencional e o que se constrói em Dos sinais à cena está no pertencimento. Segundo Germano, muitos temas explorados no teatro tradicional não atravessam a comunidade surda. Para que o trabalho fizesse sentido, ele precisou partir das experiências do grupo, criando espaços onde cada pessoa pudesse se reconhecer. As cenas não seguem roteiros prontos, mas surgem das necessidades, emoções e vivências dos participantes.

A fluidez da expressão corporal garante que mesmo quem não domina Libras consiga compreender as cenas. “Eles são muito expressivos. A teatralidade está no corpo deles desde sempre”, comenta o diretor.

 

Atividades contam com parceria da Escola Alfredo Dub e apoio da Associação de Surdos de Pelotas (ASP)

 

O futuro do projeto

Com apoio inicial da Incubadora OTROPORTO, o projeto teve investimento para aulas, intérpretes e capacitação. Agora, Germano busca novas formas de financiamento para dar continuidade às oficinas e, quem sabe, levar as cenas ao palco para públicos diversos, com acessibilidade para ouvintes e surdos.

Apesar da relevância e do impacto do projeto, a falta de apoio financeiro é um obstáculo constante. A parceria com a incubadora foi o empurrão necessário para transformar uma ideia em prática.

Agora, o futuro do Dos Sinais à Cena depende do interesse e do investimento coletivo em uma arte feita para todos e com todos.

Trabalhar com arte inclusiva, para Germano, é mais do que ensinar: é aprender. “O mais transformador é ver eles se reconhecendo em cena, mostrando suas dores e conquistas. É teatro de verdade, com propósito e com alma.”

Para acompanhar mais sobre o projeto, siga @dossinaisacena_projeto no Instagram.

Assista ao vídeo com o depoimento de Germano Rusch sobre a iniciativa:

 

 

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