Entrevista de gerente de marketing do CineArt destaca as diferenças que permanecem ao ver os filmes na tela grande
Por Enrique Carvalho

O hábito de frequentar as salas de cinema tem seu sentido renovado na era digital
Atualmente, na era do streaming, a cultura cinematográfica mudou muito, mas a experiência completa de ver um filme continua sendo a ida a uma sala de exibição. A gerente de marketing do CineArt de Pelotas, Gabriela Isquierdo, fala sobre as estratégias que estão sendo criadas e como é o relacionamento do público local com este cinema, que atualmente conta com quatro salas.
A arte do cinema, nascida em 1896 com o clip “A Chegada do Trem na Estação” dos irmãos Lumière, passou por transformações ao longo dos séculos. Desde ser considerada, principalmente pelas elites do começo do século XX, uma simulação menos prestigiosa do teatro e ser relegada para a classe trabalhadora mais desprivilegiada, até ser consolidada como uma linguagem artística base de uma indústria que em 2024 teve seu recorde de 30 bilhões de dólares de faturamento conforme informa o site americano Deadline.
Nos anos pós-pandêmicos, contudo, há uma instabilidade em relação à frequência de espectadores indo às salas de cinema. Os números de ingressos vendidos foram de mais de 11 bilhões em 2019 para menos de 2,5 bilhões em 2020. A queda expressiva dá-se por conta do lockdown global, mas mesmo após a normalização da situação sanitária, o cinema não tem performado a mesmo ritmo de escalada que estava tendo desde 2004. Pode-se claramente ver esse desempenho no gráfico ao lado retirado do site The Numbers.
Ao contrário das telonas, os serviços de streaming, como a Netflix, nunca pararam de ter seus números de assinantes subindo a cada ano, chegando a mais 300 milhões em 2024, como vemos no gráfico de assinantes ao lado retirado do site Statista.
Para entendermos mais sobre o cenário local do cinema, conversamos com Gabriela Isquierdo, gerente de marketing do CineArt, cinema já consolidado da cidade de Pelotas. Aberto em 2001, o CineArt tem ao longo do tempo modernizando-se e ampliando seu espaço para acomodar mais telespectadores. Em 2004, teve sua primeira ampliação para três salas. Em 2014, mudou o sistema de exibição para ter suas salas cem por cento digitais. Já, em 2018, é ampliado novamente para ter quatro salas.
Arte no Sul – Qual é a estratégia do cinema para atrair o público?
Gabriela Isquierdo – Aqui no CineArt, nós trabalhamos com bastante promoções, temos o valor bastante acessível. Além disso, nós buscamos ter uma rede-social bem ativa e promovemos bastantes anúncios; eu acredito que a gente precise instigar as pessoas a ir ao cinema. Antigamente, para saber as programações dos filmes, as pessoas deveriam sair de casa e ir na frente do cinema saber os horários. As salas, hoje em dia, com as redes-sociais, podem estimular que as pessoas acessem isso de uma maneira muito mais fácil. Precisamos trabalhar um bom marketing, não apenas em torno do que já é feito pelas distribuidoras, Disney e Warner, por exemplo.
Arte no Sul – De que maneira o cinema pode oferecer uma experiência única e imersiva que supere a experiência de assistir a um filme em casa?
Gabriela Isquierdo – Pra mim, pessoalmente, assistir a um filme no cinema é uma experiência totalmente diferente de ver um filme em casa. Você não terá uma tela gigante como tem no cinema, não terá o som do cinema, é uma outra experiência. Até a pipoca que tu comes. É uma experiência muito diferente de você ver um filme em casa.

O CineArt está localizado no Centro da cidade de Pelotas Foto: Divulgação
Arte no Sul – Como a sua equipe lida com as mudanças nos hábitos de consumo de entretenimento e como elas impactam a programação e marketing do cinema?
Gabriela Isquierdo – A gente [equipe do CineArt] comenta muito sobre a diferença de você pedir uma comida em casa e você ir em um restaurante. Quando você está indo ao cinema, você não está indo só assistir a um filme, as pessoas colocam muito isso na cabeça. Mas, não, quando você está indo no cinema, está indo fazer uma programação. Tu estás saindo de casa, tu estás indo ver outras pessoas. Tem gente que vai no cinema sozinho, mas está numa sala junto de outras pessoas. É uma experiência de você rir em conjunto, ficar com medo em conjunto. É diferente de você assistir ao filme em casa.
Arte no Sul – Quais são as principais vantagens que o cinema oferece em relação às plataformas de streaming e como elas são comunicadas ao público?
Gabriela Isquierdo – Uma das principais diferenças, e tomara que ainda siga bastante tempo assim, é que as estreias a gente ainda confere só no cinema. Então, primeiro a estreia é lançada no cinema. Isso é a principal diferença, além de todos os fatores já citados.
Arte no Sul – Como a sua equipe trabalha para criar uma comunidade em torno do cinema, com eventos especiais, exibições temáticas ou parcerias com influenciadores locais?
Gabriela Isquierdo – Desde que assumimos a administração do cinema em 2014, não sei se você sabe, mas o CineArt é uma empresa local, desde então tivemos uma rede-social bem ativa, desde o tempo do Facebook, com um engajamento altíssimo. Hoje, até temos um engajamento legal no Instagram, mas no Facebook era bem forte. E também temos clientes bem engajados, eles conhecem a gente, quem são os donos do cinema.
As pessoas que realmente vão no cinema são bem assíduas, nos conhecemos pelo nome. Isso é a construção de uma comunidade, muito mais que uma rede-social ou chamar um influencer.
Sobre eventos, um dos mais legais que fazemos é o Doação de Cinema, quando trocamos cartazes do cinema por alimentos. Já tivemos três edições e logo teremos a quarta. As pessoas nos procuravam para pegar os cartazes dos filmes e pensamos por que não juntar tudo isso e fazer uma doação em um dia só, tudo em troca de um alimento?
Laços através do cinema
O ato de ir ao cinema não é apenas meramente um entretenimento, mas sim uma construção de um evento coletivo. Podemos avaliá-lo como a criação de laços dentre uma comunidade. A própria UFPel tem o Cine Ufpel, projeto que visa promover o acesso à cultura por meio de obras do audiovisual, em especial os filmes brasileiros e latino-americanos. Localizado na rua Lobo da Costa, 447, no centro de Pelotas, promove sessões nas quintas e sextas-feiras. Para acompanhar a programação, pode-se acessar o Instagram do Cine UFPel e acompanhar as divulgações de horários.
Os filmes, como podemos ver com a repercussão de “Ainda Estou Aqui”, mantém a memória viva de um recorte temporal de nossa história. Acompanhar o cinema é estudar o passado e aprender com ele, é buscar novas perspectivas de vida ou encarar realidades fantásticas que cativam o espírito. Assistir a um filme pode ser um ato de resistência, de amor, de medo, de coragem. Isso acarreta diversos propósitos e fazer esse ato em comunidade, indo ao local, enriquece ainda mais o senso de pertencer a um grupo social, uma comunidade, um país.
Com a ascensão dos streamings, assistir a uma obra audiovisual torna-se uma ação cada dia mais insipida em relação à experiência comunitária que poderia ser. Isso pode fazer parte de um movimento de atomização da sociedade, no qual o indivíduo se distancia dos outros com cada vez mais frequência e perde-se o senso de pertencer a um universo mais amplo e compartilhado com seus semelhantes. Ir ao cinema é manter parte de uma cultura viva.
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