Blocos conseguem ultrapassar dificuldades e manter tradição
Por Luís Esteves Garcez
O carnaval arroio-grandense, conhecido regionalmente pela frase “O Melhor Carnaval da Zona Sul”, é o evento cultural mais importante de Arroio Grande, recebendo milhares de visitantes ao longo dos dias de festa. O professor e historiador Lizandro Araújo, que atuou como carnavalesco da escola de samba arroio-grandense Samba no Pé por 25 anos e, atualmente, é secretário adjunto de Educação no município vizinho de Herval, afirma que o Carnaval de Arroio Grande é grandioso devido à população e às escolas de samba, não às políticas públicas, pois, de acordo com ele, diversos governos quase terminaram com a festa. Ele também admira o Carnaval da cidade por ser “guerreiro” como nenhum outro do Rio Grande do Sul, pois há 35 anos mantem sua essência e suas características intactas, mesmo passando por períodos de muita dificuldade, como a pandemia de COVID-19.
Origem do Carnaval
A origem da cultura dos blocos de Carnaval remonta às tradições populares europeias, especialmente às festas de rua que ocorriam em Portugal, que chegou ao Brasil no período colonial. Essas manifestações foram se misturando com elementos das culturas africana e indígena, dando origem a uma celebração única. No século XIX, os blocos de Carnaval começaram a se organizar de forma mais estruturada, com grupos de pessoas se reunindo para desfilar pelas ruas com músicas, danças e fantasias.
Os cordões e ranchos, precursores dos blocos modernos, ganharam força no Brasil no início do século XX, incorporando samba e outros ritmos. Na década de 1920, encontra-se diversos registros de blocos de Carnaval através do País, devido à difusão dessa cultura, muito influenciada pelos eventos carnavalescos do Rio de Janeiro. Não foi diferente na cidade de Arroio Grande, município ao sul de Pelotas, há alguns quilômetros da fronteira com o Uruguai.
“Em 35 anos, a gente só deixou de desfilar nos dois anos da pandemia, e, mesmo assim, o Carnaval aconteceu. Tínhamos lives de rodas de samba e documentários feitos pelas escolas de samba sobre suas histórias. Ali, todo mundo achou que o nosso Carnaval ia morrer, mas, na volta, em 2023, foi um absurdo. Toda aquela saudade e aquela ânsia de festejar, que se acumulou durante dois anos nas pessoas, fez todo mundo ir para as ruas e foi um dos maiores carnavais que já tivemos. O Carnaval de Arroio Grande tem 35 anos, e claro, nós tivemos altos e baixos, mas as escolas nunca perderam a grandiosidade e o brilho,” diz Araújo.

Professor Lizandro Araújo foi carnavalesco da escola de samba arroio-grandense Samba no Pé por 25 anos
Araújo também comenta sobre como muitas cidades do Rio Grande do Sul sofreram prejuízos na qualidade de seus carnavais com o passar dos últimos anos, como o de Jaguarão, de Pelotas e até de Porto Alegre. De fato, muitas cidades sul rio-grandenses perderam suas escolas de samba e hoje se resumem a blocos, enquanto outras comemoram o Carnaval em datas fora de época. Lizandro diz que nada explica melhor o Carnaval arroio-grandense como o famoso slogan “O Melhor Carnaval da Zona Sul”.
Mesmo que nos últimos 35 anos a essência da festa na cidade tenha se mantido a mesma, ela definitivamente mudou muito quando comparada a 1872, data em que Arroio Grande foi emancipada de Jaguarão. A cidade tinha em torno de 4.000 habitantes, desses, quase metade eram negros descendentes de africanos escravizados. Apesar de totalizarem quase metade dos habitantes da cidade, essa parcela da população era impedida de celebrar o Carnaval junto da elite local – branca, rica e pecuarista – que frequentava o Clube Instrução Recreio (que mais tarde veio a se chamar Clube do Comércio), um clube social que impedia a entrada de negros.
O povo negro arroio-grandense, sem ter um espaço para festejar nem manifestar sua cultura, foi para a rua Doutor Monteiro (a rua principal do Carnaval na cidade) com blocos, cordões carnavalescos e instrumentos, para fazer sua festa. No Carnaval de 1913, encontra-se o primeiro registro de um bloco arroio-grandense, chamado “Bloco dos Africanos”. O “Troveja, Mas Não Chove” e o “Sempre Reinando” também fazem parte dos primeiros blocos oficiais da cidade e foram fundados por cidadãos negros. Em 1920, o povo negro do Arroio Grande tinha uma necessidade por um espaço adequado para poder se reunir e festejar. Foi nesse contexto que um grupo de amigos fundou o primeiro e único clube social negro de Arroio Grande, o Clube Guarani.
Araújo comenta que, em torno de 25 anos atrás, ainda se via características de segregação nos blocos sociais, que continuavam se reunindo nesses mesmos clubes depois que as escolas de samba passavam. “Podemos dizer que, no ano 2000, ainda havia essa separação com esses blocos ligados ao Clube do Comércio, onde não se via pessoas negras ou de baixa renda. Tinha uma camada um pouco mais popular que ia para o Clube Caixeiral, e o povo negro ia para o Clube Guarani. Nos anos mais recentes, isso já não é mais visto, até por que o Carnaval de salão de Arroio Grande terminou em 2014. Hoje em dia, vemos pessoas de todas as manifestações culturais misturadas nos blocos, com classes sociais, cores de pele e orientações sexuais diferentes. O Carnaval de Arroio Grande está muito aberto a toda diversidade da nossa sociedade”.
Confusão e morte
Além da Pandemia do COVID-19, outras duas situações extremamente complicadas prejudicaram o Carnaval de Arroio Grande e, mais especificamente, os blocos da cidade, nos últimos anos. No Carnaval de 1995, os chamados blocos burlescos (blocos de mascarados e homens travestidos de mulher) se envolveram em uma confusão em torno da Praça Maneca Maciel, principal praça da cidade, culminando no óbito de um jovem.
Anos depois, em 2012, um integrante do bloco “Comando Gambá”, um dos maiores da cidade até então, contando com quase 500 integrantes, desentendeu-se com outros membros e, em um ataque indiscriminado, esfaqueou oito pessoas. Felizmente, nenhuma morte ocorreu naquela noite, mas o bloco não conseguiu sobreviver.
Apesar desses dois eventos trágicos, a cultura de blocos na cidade nunca parou de crescer. O modelo de bloco carnavalesco atual que se conhece, com membros usando camisetas iguais, também chamadas de abadás, surgiu na cidade a partir dos anos 2000 e, de acordo com Araújo, em 2005, as escolas de samba de Arroio Grande já enfrentavam certas dificuldades ao conseguir componentes. O arroio-grandense passou a preferir fazer parte do bloco, por uma questão de mais tempo livre, e de poder aproveitar mais o Carnaval, sem restrições de bebida e horário.
Importância dos blocos
Hoje, os blocos de Carnaval têm uma enorme participação nas festas momescas da cidade. Em 2019, foi criada a Liga dos Blocos de Arroio Grande (LIBAG), uma coalisão de blocos com o objetivo de regularizar as agremiações integrantes e regularizar o desfile de blocos que acontece logo após o desfile das escolas. A Liga fiscaliza horários, carros de som, material e todos outros fatores importantes para tornar a experiência divertida e segura tanto para os integrantes quanto para os espectadores na hora do desfile. Além disso, atualmente, uma das cinco rainhas da corte do Carnaval da cidade é a Rainha da Liga dos Blocos, dando ainda mais visibilidade e importância a essa faceta do Carnaval arroio-grandense.
“A cada Carnaval se cria dois ou três blocos novos, desde os menores até os maiores. Existem blocos tradicionais que permanecem durante anos, como o Bloco da Serafina, ligado à família fundadora da escola Samba no Pé, o Bloco das Luluzinhas, que tem 45 anos, o Bloco das Venenosas, de 15 anos. Mas há também aqueles pequenos blocos que surgem pontualmente em algum Carnaval, blocos de amigos, blocos dissidentes de blocos maiores, etc. Mas claro, muitos blocos também não dão certo e deixam de existir, como o Comando Gambá,” observa Araújo.
Apesar de que o exemplo do bloco que deixou de existir é um caso isolado, há outros inúmeros blocos que não vingam, que não têm continuidade. Quanto a isso, o professor considera: “O maior fator que faz um bloco não vingar é a questão da organização, também, às vezes, por troca de diretoria. Muitos não aceitam as novas ideias e o bloco não sobrevive. Dois blocos que deixaram muita saudade, pelo tamanho que eles tinham e pela expectativa que eles deixavam, eram o Bloco Cirrose o Bloco da turma dos 70”.

Integrantes do Bloco Boêmios, em frente à sede da agremiação, na noite de 4 de março
Foto: Hércules Plantikow Araújo
Bloco Boêmios
Durante o Carnaval desse ano, alguns diretores de blocos conhecidos puderam ser entrevistados nas ruas de Arroio Grande, nas noites de festa. O diretor desde 2020 do Bloco Boêmios, Leandro Figueiredo dos Santos, interrompeu a folia por alguns minutos para responder algumas perguntas. Ele lembra que o Boêmios surgiu em setembro de 2012, como bloco dissidente do anteriormente citado Comando Gambá. Inicialmente, o plano era formar um bloco apenas com amigos próximos, para que não se separassem após a tragédia do antigo bloco.
Quando questionado sobre a questão do preço para participar do bloco, Leandro esclarece que o Boêmios tem diversos pacotes com preços que variam, alguns mais caros, com mais benefícios (mais noites, bebida liberada, etc.), e outros mais baratos e acessíveis, para que todos tenham a oportunidade de se divertir. “O melhor de fazer parte da diretoria é ver acontecer do jeito que tu planejaste. A gente dorme no máximo três ou quatro horas por dia no Carnaval, se alimenta mal, está sempre na correria, e, mesmo assim, vale cada momento, vale cada sorriso.” diz ele, com um sorriso no rosto.
Não se pode afirmar se o Carnaval de Arroio Grande foi, em 2025, realmente “O Melhor Carnaval da Zona Sul”, mas, com certeza, a festa vale a pena. Além da beleza dos desfiles realizados pelas quatro grandes escolas de samba que desfilaram de segunda à terça, os blocos da cidade trazem uma opção alternativa de diversão, que se prolonga muito além dos desfiles, com boa companhia, muita bebida e música alta até o sol raiar.
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