Narrativa sobre solitude e solidão em “Se os gatos desaparecessem do mundo”

Obra literária trata do sofrimento de doença terminal e aborda dilemas atuais na sociedade      

Por Ricardo Bandar     

A frase “Se os gatos desaparecessem do mundo” representa o maior pesadelo de todos os gateiros e gateiras do planeta. O livro do escritor japonês Genki Kawamura traz ao leitor uma mescla de fantasia e reflexões sobre dilemas reais. Lançada em 2012, a obra foi traduzida em inúmeros idiomas e cativou as pessoas com a sua forma de apresentar temas como solidão, solitude (isolamento voluntário e consciente) e a finitude da vida.

A narrativa gira em torno de um jovem carteiro solitário. Logo no começo da história, ele descobre ter uma doença terminal, um tumor cerebral em estágio quatro, e que, infelizmente, não lhe resta muito tempo de vida. Abalado com a notícia, o rapaz aceita fazer um pacto com o diabo, que consiste em fazer algumas coisas desaparecerem do mundo para conseguir mais dias de vida. Através dessas trocas é que o escritor aborda os dilemas da solidão e solitude, utilizando a fantasia e o surrealismo na trama.

 

Livro teve primeira edição em 2012 e já tem várias versões em idiomas diferentes

 

A cada troca realizada, torna-se mais evidente que o carteiro não possui conexões pessoais e sociais. Na verdade, não sobraram muitas. O seu maior laço é com seu gato, o Repolho, que era de sua falecida mãe. Já os vínculos com o pai, amigos e ex-namorada, apresentam muitos problemas e situações mal resolvidas.

A solitude é apresentada toda vez que o personagem principal precisa revirar o seu passado, como, por exemplo, quando faz o celular desaparecer. Antes disso, ele marca um encontro com a sua ex-namorada. Nesse trecho, ao mergulhar na sua história com a garota, é notável a maneira que ele mesmo escolhe manter distância da namorada e a falta de atitude para resolver impasses e conflitos entre eles. Essa situação se repete no decorrer dos capítulos, quando o jovem precisa lidar com um antigo amigo e o seu pai.

Ao mesmo tempo, a solidão aparece como um tema presente em toda a obra, sempre evidenciando que a pessoa com que o garoto realmente podia e gostava de compartilhar os seus dias era a sua mãe. A partir dessa observação, é possível compreender ainda mais o amor dele pelo Repolho, o gato que era de sua mãe.

Então chega a hora em que o diabo propõe fazer todos os gatos do mundo desaparecerem por mais um dia de sua vida. E, nesse momento, o carteiro entra em conflito, terá de escolher entre seu amado gatinho e a sua própria vida. Aqui se nota um grande choque entre a solitude e a solidão do rapaz, afinal, o Repolho é o único ser do qual ele não quis se isolar e escolheu compartilhar seus dias. Além disso, o gato representa uma conexão com a sua mãe, uma forma de atenuar o sentimento da perda dela e de lidar com a finitude da vida.

A escolha que o garoto irá fazer traz a pergunta se a opção pela solidão representa uma vida que vale a pena ser vivida. Está em questão se ele quer encarar o fim da própria vida e se livrar da vontade de se isolar. Se quer resolver os impasses do passado e ir atrás de alguém com quem compartilhar seus dias.

“Se os gatos desaparecessem do mundo”, de Genki Kawamura, faz parte do “subgênero” de ficção de cura, que vai de encontro a um movimento atual de buscar a reflexão sobre os dilemas atuais da sociedade, como distanciamento social, solidão, hiperconectividade, instantaneidade, etc. Esse tipo de livro, faz com que o leitor resgate a felicidade e o sentido nas pequenas coisas do cotidiano.

Além disso, essa obra vai um pouco mais fundo, explorando questões como luto e aceitação da morte, autoavaliação, conexões e relações pessoais, a busca por significado e a superação pessoal. A narrativa emociona e cativa os leitores através de uma jornada em busca de uma vida que vale a pena ser vivida.

 

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