Reportagem de Eliane Rubim –
A liberdade é conceito abstrato, utopia sonhada por pensadores desde que se tem registro da filosofia. E se em algum momento da vida você não se perguntou sobre se você é completamente livre, certamente algum dia o fará.
E na busca de serem “totalmente” livres, alguns seres humanos tiveram destaque e reconhecimento na história da “audácia”, tais como os artistas, os intelectuais, os insurgentes. Vou me ater a falar sobre uma “leva” dessa última geração que reivindica a desescolarização para a descolonização cultural imposta, e que dentro desse processo político de “auto-descobrimento” de si cria e recria cotidianos e formas de comportamento “livres”.
Parece complexo tentar traduzir o que significa confrontar os anseios individuais transformando-os em práticas e construções coletivas, tanto que trago o exemplo do Espaço “Okupa 171” para ilustrar. Gerido pelo Coletivo Tranca Rua, o coletivo desenvolve há mais de seis anos práticas e vivências anarquistas e libertárias em uma casa ocupada no centro da cidade de Pelotas-RS.
Um Squatt, ou uma Okupa se caracteriza, dentre tantas outras coisas, pela ideia de ocupação como união de moradia e espaço social. Também estão presentes os princípios de autonomia e autogestão, livre de hierarquias e relações opressoras.
Outra característica forte dentro da cultura libertária, é o nomadismo. Nos seis anos da Okupa 171, várias pessoas já passaram pelo espaço, e dentro dessas temporadas cada indivíduo demonstra sua intensidade que fica marcada na transformação do espaço, do coletivo e de si mesmo. Serena (nome fictício a pedido dx entrevistadx), que entre indas e vindas, convive com o espaço desde a sua ocupação, diz que “a estrutura do espaço só se transforma com a intervenção das pessoas que nela estão, e essas mesmas pessoas também buscam rever suas próprias estruturas quando estão em espaços anarquistas”.
E como processo de liberar-se, no passar dos anos várias atividades foram compondo esse mosaico que compõem o universo da Okupa 171. Desde momentos mais abertos como Conversas, ciclos de cine, oficinas de circo, capoeira, fotografia, serigrafia, feiras e eventos mais artísticos, quanto em momentos mais “fechados” e internos, como as reuniões, a manutenção dos espaços coletivos, assim como nos processos de criação nesses mesmos espaços.
A casa atualmente possui uma biblioteca com cerca de 350 exemplares, que leva o nome do anarquista pelotense José Saul e que está aberta para visitação de terça à sexta, das 14h às 20h. O Herbário 171 é o espaço onde são compartilhadas práticas de medicina natural e alternativa, e onde também se mantém uma farmacinha comunitária com plantas extraídas da “horta suspensa” no telhado vivo construído em 2013. Outros espaços coletivos da casa são a Sala de Ensaio, o Ateliê de Costura/Pintura/Serigrafia/Tatoo, e o salão onde está as estruturas para as oficinas de circo, e é o palco das atividades para públicos maiores, como as Varietés (Show de Variedades) e a Noite das Pizzas, que é o evento que gera recursos para a autogestão do espaço.
Mas, nas palavras de Punk, “casa velha tem sempre uma goteira pra arrumar”, e tanto estruturalmente, quanto em termos legais, a casa está em constantemente em risco. Por se tratar de um espaço que esteve abandonado por muito tempo, e mesmo com todas as “remediações” feitas no passar do tempo, sempre há reparos a serem feitos. Ademais o coletivo vem passado por várias situações que também põem em risco a manutenção desse espaço de prática libertária: ameaças de despejo, dificuldade em regularizar a água, a ameaça de grupos intolerantes.
Os escritos nas paredes propagam o lema “faça você mesmo”, e está impresso no espaço a “eterna reforma”. Algumas foram feitas a partir de “vaquinhas” entre anarquistas solidários à casa, mas predominam reformas feitas através da reutilização de materiais reciclados. A permacultura pensa o ato de reciclar, no âmbito bastante amplo, provocando pensar o bom aproveitamento das energias, desde o desperdício de comida, até a terra que se faz na composteira e que agora aduba a horta. Os “recicles” são a comida coletada das sobras das feiras de rua, a madeira que vai abastecer o fogão a lenha, os materiais que servirão para uma construção ou criação. Enfim, é a busca de transformar o “lixo em luxo”, liberando-se do ato de consumir e extrair ainda mais da natureza.
Perguntando aos atuais e antigos moradores do espaço, nenhum soube me dar exata precisão sobre o nascimento da 171. O primeiro fanzine da casa (que conta a sua ocupação) tem publicação do dia 9 de novembro de 2010. E desde então o coletivo Tranca Rua festeja o aniversário do espaço durante o mês de novembro.
Nas comemorações dos seis anos, no dia 13 de novembro, foi realizada a Noite das Pizzas, e no último final de semana do mês o coletivo tranca a rua e abre as portas da casa em dois dias de atividades abertas. Amanhã, dia 28 de novembro, a partir das 16h, haverá feira de material autônomo e independente, com apresentações de dança, circo, teatro e música. No domingo 29, a partir das 11h30, a casa oferece diversas oficinas, compartilha um “sopão” comunitário e fecha com a exibição de cine.
A Okupa 171 fica na Rua 15 de Novembro, 171.
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