Por Ester Caetano/Superávit Caseiro

O brasileiro tem visto a cada dia que passa seu dinheiro valer menos. Nas compras do mês, cada vez menos coisas estão indo para o carrinho do supermercado. A sexta básica já aumentou em 48,3% até fevereiro desse ano. Isso influenciado pela taxa de juros, Selic, e a alta da inflação, decorrente da pandemia e outros fatores. Além disso, os preços dos alimentos básicos continuaram pressionados pela guerra entre Rússia e Ucrânia.

No ano passado, o Índice Nacional de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA), balizado pela taxa Selic, teve um aumento de cerca de 10%, ou seja, o consumidor viu seu poder de compra diminuir na décima parte, além de comprometer o rendimento salarial de suas famílias. Este ano a previsão é de que o IPCA aumente em mais 6%.

O professor Dr. Marcelo Passos, coordenador do Curso de Economia da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), avalia que a inflação deva seguir aumentando até o final do ano. “Estamos tendo mais inflação, agravada agora com o aumento de preço de combustíveis, com a guerra da Ucrânia e o aumento do preço do barril de petróleo”, salienta. Além disso, ele lembra que no ano passado houve uma depreciação do câmbio, resultando em desvalorização do Real. “Isso tudo também impacta em vários produtos, em vários insumos, como o trigo, que é importado. Todos os insumos importados são impactados pela desvalorização da moeda brasileira”, comenta o docente.

Passos conta que os aluguéis também subiram de valor. Isso porque são corrigidos pelo Índice Geral de Preços-Disponibilidade Interna (IGP-DI) e pelo Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M). Em 2020, o IGP-M cresceu 17,68% e o IGP-DI 17,64%. Esses são alguns fatores que fazem com que se impulsione e se eleve os preços de vários setores, não somente da área alimentar. “Os preços que formam o índice de inflação estão aumentando continuamente e de forma muito espalhada, quer dizer, você não tem só um ou dois, três, quatro, cinco preços aumentando, você tem vários preços aumentando continuamente em função desse cenário. Então, nós temos aí uma série de preços aumentando e isso faz com que o poder de compra da população diminua, caia bastante”, complementa o economista.

A acompanhante de idosos, Edinir Ferreira, 57, é uma dessas consumidoras que sentem no bolso a inflação e o aumento dos preços da alimentação básica. Ela conta que estava desde janeiro deste ano sem poder fazer as compras do mês, para alimentar a ela e ao filho. Para ir ao supermercado, dona Edinir sempre busca onde estão as melhores promoções para comprar alguns alimentos necessários em casa. “Eu estou fazendo compra grande agora, mas desde janeiro que não faço. Hoje vou saber de fato quanto subiu. Eu deixei de fazer as compras por não ter dinheiro. Eu pesquisava onde estavam as promoções e assim ia equilibrando tudo na minha casa”, comenta.

Alimentos são alguns dos itens que mais estão subindo. Após quase dois meses, Dona Edinir levou um susto ao se deparar com os reajustes

No supermercado, Edinir, que também precisa incluir no seu orçamento medicamentos de valores altos, tomou um susto ao se deparar com os preços dos produtos “Subiu muito a alimentação. Está um absurdo. Estava ali, vendo o preço, o óleo de cozinha mais de dez reais. Tomei até um susto, pois antes estava sete reais e de sete pra dez, dói no bolso da gente. Sem contar as verduras, que aumentaram muito. O tomate também foi para dez reais. Achei muito caro, mas fazer o quê? A gente tem que fazer compra daquilo que é prioridade para a alimentação”, desabafa, chateada.

Mesmo vivendo um dos períodos mais caóticos no que diz respeito aos números da economia, o brasileiro já tinha enfrentado algo pior. Porém, seu sentimento em relação ao poder de compra não era de escassez, como está sendo agora. O economista e professor Marcelo Passos explica que, antes do plano real, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita era menor e os juros eram maiores. No período pós-real essa lógica foi mantida, só que “agora esse sentimento de empobrecimento é mais intenso. Por que isso? Porque a gente tá vivendo um período aí com uma alta taxa de desemprego”, avalia.

No período de 2008 a 2011 a taxa de desemprego era de 4,7% e a desocupação em 2011 passou para 6%. Logo após o impeachment da ex-presidente Dilma Roussef houve uma grave crise fiscal e o país passou por uma grande recessão. “A taxa de desocupação da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNDA), medida pelo IBGE, passou de 6% para 11,3% e nunca mais caiu. Ela permanece num patamar muito elevado, chegando a 12,8% em 2016, e continua bem alta. Tem também a taxa média de desemprego, que era de 6,62% e agora está em 11,2%”. Passos complementa que essas taxas fazem com que um exército de pessoas não consigam emprego, resultando em um aumento na marginalização social e nos subempregos informais.

Mesmo parecendo contraditório, a inflação pode favorecer a geração de empregos. A economia fica mais pujante, ou seja, a economia cresce com a inflação alta, porém, a renda fica concentrada na mão de poucas pessoas. “Aumenta até a pobreza com a economia crescendo. Foi acontecendo no período da hiperinflação: pobreza maior do que a pobreza que nós temos hoje. Mas com um desemprego muito elevado, como agora, a sensação de pobreza é maior”, pondera o professor e economista.

Passos conta que o Brasil passa por uma estagnação que causa um sentimento de impotência e de pobreza, isso porque o PIB cresceu 5,20% em 2020, e, depois, em 2021 caiu para 4,06%. Já para esse ano a tendência é que o PIB cresça somente 0,52%.

Pelotas na economia do mundo

Pelotas foi um dos municípios da metade Sul do Rio Grande do Sul que sentiu bastante os efeitos econômicos da pandemia, afinal, seu principal setor econômico é o comércio, seguido da pecuária, abastecimento e construção. Em todo o Rio Grande do Sul a agropecuária cresceu 60,6%, a indústria elevou sua produção para 9,7% e o PIB gaúcho cresceu 10,4%, mesmo com a estiagem, que afetou a produção no campo em 2020.

Coordenador do curso de Economia da UFPEL, Marcelo Passos

O professor Marcelo Passos avalia que a estiagem foi recuperada e a produção industrial puxou o resultado do PIB. “Então nós tivemos esses dados positivos. Também temos aí uma recuperação, uma movimentação recorde aqui no primeiro bimestre dos portos. A Movimentação dos portos superou o período de 2018 e bateu um recorde, um crescimento de 26% entre janeiro e fevereiro de 2022, nos portos de Rio Grande, Pelotas e Porto Alegre”, exemplifica.

Esse crescimento portuário é significante para Zona Sul em relação ao comércio internacional, já que vivemos a crise da Ucrânia, que é uma potência agrícola e agropecuária de grãos, principalmente na produção do trigo. A Ucrânia passou a reter suas exportações e com isso o Brasil pode entrar em um cenário favorável de exportações de grãos. “A movimentação do trigo subiu 139% em relação a janeiro do ano passado. O cloreto de potássio e o arroz praticamente dobraram a movimentação. O arroz, que é tão importante aqui para a região de Pelotas, cresceu aí quase cem por cento, ficando em 99,89%. E as cargas vão para a China, Arábia Saudita, Indonésia e, agora com a crise da Ucrânia, nós temos uma possibilidade de abastecer regiões que eram abastecidas por produtos ucranianos” ressalta o economista.  

Passos ainda comenta sobre o município: “Aqui em Pelotas também houve uma recuperação muito grande e visível da construção, principalmente residencial. Então temos aí investimentos sendo feitos aqui em Pelotas e região também”.

Brasil e a luz no túnel para sair da crise

Especialistas e economistas alegam que o Brasil vinha recuperando sua atividade econômica no final de 2019 e início de 2020. Só que com a pandemia essa recuperação ficou estagnada e gerou uma recessão. O economista e professor da UFPEL explica que em 2021 houve um crescimento da economia em 5,25%. Porém, em meados de 2021, sobretudo a partir de setembro, declarações polêmicas do presidente Jair Bolsonaro aprofundaram a instabilidade política no país, reduzindo os investimentos no Brasil. O dólar subiu, o câmbio e o Real pioraram e a inflação aumentou significativamente. “Em meados do ano passado, tivemos uma inflação do IPCA de 10,6%. Então, essa situação toda de queda de investimentos, sobretudo, agravado pelo aumento do preço dos combustíveis desacelerou a economia no segundo semestre do ano passado”, expõe.

O panorama para 2022, de acordo com Passos, é a tendência da economia subir apenas 0,52%, um crescimento muito abaixo do esperado. Isso se reflete na inflação, com redução da movimentação econômica, juros altos e desemprego. Para muitos brasileiros essa é uma situação que só terá mais alastramento com o período eleitoral que vem aí.

Já para o economista Luiz Antônio Leopoldo, a solução da economia brasileira está nas reformas estruturais, sendo as principais a reforma tributária e política. “A reforma de Estado, a famosa reforma do RH, é importante, mas não tão relevante quanto essas que nos guiarão no médio e longo prazo. Existem ‘N’ fatores para que não ocorram investimentos que gerem emprego e renda. No entanto, a reforma tributária tira as armadilhas que muitos empresários se deparam no dia a dia das rotinas de suas empresas. E a questão fundamental que vejo na reforma tributária é os tributos sobre os bens de consumo. No Brasil isso é um absurdo. A maior tributação deveria ser sobre a renda e o patrimônio”, opina.

Enquanto o brasileiro não vivencia as reformas e uma tributação maior para os mais ricos, Ana Cristina, 55 anos, dona de restaurante, conta que fazer um estoque na dispensa virou uma realidade distante. “As compras diminuíram bastante em comparação ao que eu comprava, pois realmente teve muito aumento. Mas entendo que o governo tem uma dívida muito grande e, em virtude da Covid-19, eu mesma tive que fechar meu comércio. Então, a gente está vendo agora o que está acontecendo. E o resultado tá aí: os preços muito caros. Antes eu conseguia fazer estoque de alimentos, mas agora não dá mais. Só reponho quando dá”, lamenta.