Por Eduardo Ritter (*)/Superávit Caseiro

“Um menino do interior do Líbano que aos 13 anos já tinha visto o seu país se tornar independente, presenciou a morte do avô e se despediu do pai, mãe e três irmãos no porto de Beirute nos anos 1950. Após ficar com a avó e um tio, anos depois ele atravessa o mundo para reencontrar a família no Brasil, fazendo parte da viagem no porão de um navio. Como muitos libaneses, encontrou no mascate uma forma de sobreviver. Décadas depois, Jacques Georges Halal se tornou um dos grandes empresários do sul do Brasil, sempre carregando em seu peito o amor pelas raízes libanesas e pela pátria que o recebeu”. Esse é parte do texto da “orelha” da biografia que escrevi sobre o empresário libanês que vive em Pelotas desde os anos 1950, Jacques Georges.

A história de Jacques Georges Halal, por si só, já desperta a curiosidade de qualquer repórter interessado em biografias, geopolítica e negócios. Nascido no Líbano em 10 de outubro de 1942, um ano antes da independência do país e em meio à Segunda Guerra Mundial, seu Jacques, como é chamado por todos que o conhecem, viveu uma infância em um país que passava uma situação de extrema pobreza e violência. Ainda na infância no Líbano, ele testemunhou a morte do avô enquanto ajudava a ordenhar as vacas e, pouco depois, viu sua mãe dar a luz e perder duas filhas por falta de assistência médica. Depois, acompanhou o nascimento de outros três irmãos e ainda viu seus pais migrarem para o Brasil com eles, enquanto ele ficou morando com a avó e o tio, em uma casa de pedra no interior Líbano. O motivo? Não havia dinheiro para todas as passagens e, como ele era o mais velho, teoricamente era o que menos precisaria dos pais.

Foram três anos e meio morando no Líbano longe dos pais. Somente aos 13 anos ele recebe as passagens para viajar ao Brasil para, finalmente, juntar-se novamente à família. Chegando em Pelotas, ele rapidamente passa a trabalhar com o seu pai, Georges Halal, que atuava como mascate. Com o tempo, Jacques Georges constrói a sua própria carreira, primeiro, como o pai, atuando como mascate (vendedor de porta em porta). Depois, montando a própria loja: Jacks Magazine, que funciona até hoje no centro de Pelotas. Antes disso, porém, um retorno ao Líbano para visitar a avó e o tio e uma morada em São Paulo dirigindo uma fábrica de confecções.

São muitas as histórias que estão narradas nas 420 páginas da biografia “Jacques Georges: o menino do porão do navio libanês que virou ícone empresarial brasileiro”, publicada pela editora Insular neste mês de abril. Ao longo de toda a trajetória, tem a perda do pai, os relacionamentos com os irmãos e familiares, a adaptação a um país com cultura ocidental, o casamento com a esposa libanesa e o nascimento dos três filhos (Jorge, Jacqueline e Daniel) e dos netos, o tino para os negócios e relações com o seu país de origem que nunca morreram, nem durante os mais de 15 anos de Guerra Civil.

Para escrever esta biografia, que resumo brevemente no perfil de Jacques Georges Halal para o Superávit Caseiro, foram mais de 100 horas de entrevistas gravadas com o biografado, além de ouvir parentes, amigos, conhecidos, clientes, funcionários e pessoas que conheceram o seu Jacques que hoje, com 81 anos, ainda trabalha no seu simples escritório que fica embaixo das escadas da Jacks Magazine. Além da loja, a trajetória de vida de Jacques ensina muito sobre empreendimento, pois ele também é proprietário de dois grandes hotéis: Jacques Georges e Jacques Georges Tower, ambos no centro de Pelotas. Como se não bastasse o trabalho na loja e nos hotéis, ele também administra inúmeros imóveis, trabalha com construção civil (está sendo construída uma galeria próxima ao Theatro Guarany), e tem negócios no setor de transporte e comércio. “Um dos maiores erros de quem quer ser empreendedor é misturar o dinheiro pessoal e o dinheiro da firma. Eu tenho que saber o que é meu dinheiro e o que é da empresa. Não posso pensar que o dinheiro da firma é meu dinheiro, pois se eu fizer isso, eu quebro”, ensina. “Por isso a maioria dos negócios abrem e não duram dez anos”, comenta.

Para além da questão do empreendimento, o livro também traz uma boa contextualização sobre a história política e geográfica do Líbano, que hoje, mais uma vez, encontra-se no centro das atenções dos conflitos no Oriente Médio. Por fim, por uma questão de espaço, encerro aqui esse perfil resumido, pois já foi difícil colocar uma história de vida tão rica e ampla em “apenas” 420 páginas, afinal, se escrevesse tudo o que vi e ouvi, o livro lançado pela Insular ultrapassaria facilmente as cinco mil páginas.

(*) Professor do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), coordenador do projeto Superávit Caseiro e autor de Jacques Georges: o menino do porão do navio libanês que virou ícone empresarial brasileiro (Insular, 2024).