Por: Ana Cláudia Machado Grossi
Introdução
O estudo realizado na Disciplina de Modelagem Urbana 2, aborda o assunto de modelagem urbana por meio de autômatos celulares para a simulação de crescimento urbano e a preservação dos recursos hídricos em Santiago/RS. Propõe-se a analisar as variáveis ambientais e urbanas que influenciam no desenvolvimento de uma cidade como estudo de caso, simula o crescimento futuro de trinta e seis anos a partir do modelo calibrado e de experimentação de outras alternativas. O trabalho permite visualizar e analisar prováveis evoluções urbanas a partir de aspectos morfológicos e da acessibilidade. A cidade escolhida para o estudo foi Santiago no Rio Grande do Sul, próximo à fronteira com o Argentina. Resultando na valorização ao meio ambiente, sem prejudicar o crescimento e desenvolvimento urbano. Será abordada a influência de fatores como bacia hídrica, topografia, matas nativas e a BR de acesso à cidade no desenvolvimento urbano.
A cidade de Santiago/RS
A Cidade de estudo foi Santiago, Rio Grande do Sul. Utilizando-se de modelagem urbana realizou-se um estudo de crescimento no desenvolvimento de uma estrela de cinco pontas do município de Santiago. Localizado no estado do Rio Grande do Sul, 354 metros de altitude, de Santiago tem as seguintes coordenadas geográficas: Latitude: 29° 10′ 23” Sul, Longitude: 54° 51′ 21” Oeste. Limita ao Norte com o município de Bossoroca (45 Km) e Itacurubi (75 Km), ao Sul com o município de São Francisco de Assis (56 Km), Nova Esperança do Sul (36Km) e Jaguari (47Km), ao Leste com o município de Jarí (120 Km) e Capão do Cipó (53 Km) e ao Oeste com Unistalda (42 Km). Apresenta 73.2% de domicílios com esgotamento sanitário adequado, 85.4% de domicílios urbanos em vias públicas com arborização e 41.4% de domicílios urbanos em vias públicas com urbanização adequada (presença de bueiro, calçada, pavimentação e meio-fio. A população no último censo [2010] é de 49.071 pessoas. As imagens ilustradas abaixo e as demais, foram posicionadas no mesmo ângulo para a simulação do programa.
Autômatos celulares e o programa CityCell
A simulação do crescimento urbano utilizou-se o software CityCell – Urban Growth Simulator, desenvolvido por Saraiva e Polidori (2014). O programa foi concebido com base no modelo de autômatos celulares que consiste em um modelo matemático que simula o desenvolvimento urbano no espaço e no tempo. Echenique (1975) indica que para trabalhar com um modelo matemático é necessário ter um objeto de estudo, uma intenção, um processo de observação e abstração, tradução para os meios de representação, verificação e obtenção de conclusões. Resulta na simulação de uma simplificação da realidade, composta por principais características eleitas pelo observador. O modelo de autômato celular pode ser construído a partir de simples células e por regras de transições implementadas no modelo que exercendo a auto organização e reproduzindo padrões semelhantes, permite expressar o complexo desenvolvimento urbano ao longo do tempo, em um espaço celular. Autômato celular é um elemento que possui características próprias espaciais e mecanismos para processar suas características próprias e as externas. Os autômatos individuais são arranjados em um grid, malha digital.
O uso da plataforma CityCell implica em três etapas. Inicialmente inserem-se as variáveis consideradas relevantes para o estudo, traduzindo-as para a linguagem da plataforma. Essa etapa consiste na entrada de dados, os chamados Inputs. As variáveis adicionadas, também chamados de atributos, recebem um parâmetro, ou seja, um valor relacionado ao seu peso de interação. A segunda etapa consiste no processamento. No Grid do CityCell as células dos atributos interagem entre si a partir de tensões de atração ou resistência à urbanização, geradas pelos atributos. A somatória dessas tensões provoca diferenças de centralidade, que indicam o potencial de mudança de estado da célula. A mudança de estado da célula promove o crescimento urbano. Na etapa final, constitui na obtenção e análise dos resultados, os outputs.
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CityCell_ Urban Growth Simulator , programa computacional de simulação
A simulação do modelo no CityCell é baseada em autômatos celulares. Nos estudos sobre o espaço urbanizado e a paisagem natural, são modificadas pela ação humana relacionando as semelhanças teóricas e metodológicas. Propõe-se uma versão ampliada de uma dessas medidas, denominada Acessibilidade Ponderada. O CityCell apresenta um plano de trabalho com células quadradas dispostas em um grid. Para este estudo configurou-se a dimensão da célula em 200 metros e utilizou-se referência geográfica em Projeção UTM. Os Inputs, ou dados de entrada, foram modelados com base em imagens de satélite e em antigos desenhos urbanos. Verificou inicialmente os seguintes atributos urbanos como importantes para o desenvolvimento do estudo: o mapa de cursos d’água, mapa esgoto, mapa de matas nativas, topografia e o mapa das estradas de acesso. Sendo o principal meio de transporte é o rodoviário. O Município é cortado pela Rodovia Federal BR 287, a qual faz ligação com São Borja e com Santa Maria, sendo que neste Município a Rodovia Federal 392 dá acesso até Rio Grande. Possui também duas Rodovias Estaduais: a RS 168, que faz ligação com Bossoroca e a RS 377 que liga ao Município de São Francisco de Assis, Alegrete, Uruguaiana e Capão do Cipó. Passa pelo Município a Ferrovia STG 365 que faz ligação com Jaguari, São Borja e Bossoroca, utilizada exclusivamente para transporte de cargas. O Município conta também com um aeroporto com campo de pouso para aviões de pequeno porte, cuja pista está em vias de ser asfaltada.
Figura 3: Inputs. a) topografia em escala de 1 a 5. b) matas nativas (verde imagem) e cursos d’água (azul claro). c) configurações urbanas (marrom1985), configurações urbanas (verde 2021) Fonte: autora
Figura 4: Inputs. Ao fundo da imagem a) topografia em escala de 1 a 5. b) matas nativas (verde imagem) e cursos d’água (azul claro). c) configurações urbanas (marrom1985), configurações urbanas (verde 2021), nascentes em blocos (azul anil), olho d’água entre a nascente e curso d’água (azul) Fonte: autora
Na figura 1a é apresentada a topografia, sendo legendada em três níveis. O número 1 representa o nível mais baixo ocupado pela urbanização através da imagem por satélite. A ocupação urbana encontra-se nas zonas numeradas por 2 e 3. Essas foram as zonas adotadas como mais favorável ao crescimento urbano para esse estudo. A mata nativa e os cursos d’água estão representados, respectivamente, em verde e azul na figura 1b. Os atributos urbanos estão apresentados na figura 1c. Em tons de verde musgo encontram-se as configurações urbanas de 2021 (mais claro), 1985 em marrom no centro da imagem. Os atributos naturais e os urbanos como atração ao crescimento.
Na figura 2a é apresentada como fonte do estudo, as nascentes estão representadas por blocos de quatro células em azul anil e o olho d’água em azul, no caminho do curso da d’água representado de azul mais claro, como base de estudo nas simulações seguintes.
Em seguida, iniciou-se o processo de calibração do modelo. Esse processo foi estudado valores e aplicados aos atributos, que definam as relações entre as células, visando uma configuração próxima à realidade. Utilizando a regra de interação “Threshold Potencial”, ou potencial de crescimento limiar, realizou-se uma série de processos de quarenta interações buscando um resultado próximo à configuração urbana de 2021. Considerou-se a configuração urbana de 1985 com valor 1; atração de 0,2 para as estradas; como atração 0,8 para o corredor das tropas; 1 para os demais atributos (matas nativas, cursos d’água e aleatório). Nessa simulação inicial observou-se um crescimento esperado e principalmente exagerado nos pontos circulados em vermelho na figura 2. Nessa figura representa-se em verde a configuração da cidade de 2019 (alvo da simulação) e em marrom, a evolução urbana resultante da simulação.
Identifica-se, observando a figura 5 que as regiões em que houve maior crescimento em relação ao alvo adotado encontram-se nas altitudes mais favoráveis ao desenvolvimento (representadas nas cores verde musgo e verde claro). Nas figuras 5 e 6 também estão representadas congeladas, as configurações urbanas de 1985 e 2021, e em vermelho, aparece crescimento atrativo nas estradas. Nas simulações seguintes variou-se os valores de resistência de acordo com os níveis, sem a preocupação em preservação das águas, buscando obter informação do avanço urbano sem preservação comparando com a simulação com preservação das águas e nascentes no avanço nos pontos identificados.
Na simulação da figura 8 foram utilizados parâmetros de 1 a 1,95, para R1 71,4% a taxa de acerto dentro da topografia em escala de mais favorável. Enquanto que na simulação da figura 9.1, R2 71,5% taxa de acerto, adotou-se valores com maior intervalo. Em ambos casos persistiu o crescimento nos pontos circulados em vermelho. Em outra tentativa de calibrar o modelo, optou-se por considerar também o princípio de cidade, configuração urbana de 1885, utilizando os demais parâmetros da simulação da figura 9.1.
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Prosses, Processo em análise no futuro sem e com a preservação das águas
A simulação do modelo sem a devida preservação das nascentes, olho d’água e curso da mesma, identifica um crescimento urbano concentrado como processo espacial demográfico numa concentração urbana. Chamando atenção no desenvolvimento de habitações verticalizadas, como, por exemplo: a diminuição de exposição à luz solar; a maior dificuldade na circulação do ar. Na figura 10, 10.1, 10.2 a simulação de 36 anos futuros sem a preservação reflete em crescimento 1,8% Average Growth%.
A simulação do modelo com a devida preservação das nascentes, olho d’água e curso da mesma, identifica um crescimento urbano concentrado como processo espacial demográfico numa concentração urbana. Chamando atenção no desenvolvimento de habitações verticalizadas, como, por exemplo: a diminuição de exposição à luz solar; a maior dificuldade na circulação do ar. Na figura 11, 11.1, 11.2 a simulação de 36 anos futuros com a preservação reflete em crescimento 1,12% Average Growth%. O parâmetro na Lambda Ext ,value 2.
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Outputs, visibilidade e resumo da divulgação dos resultados
A simulação do modelo sem e com a devida preservação das nascentes, olho d’água e curso da mesma, obteve grau de crescimento em números de células, demostrando através da simulação que a preservação e o crescimento urbano estão num processo espacial demográfico onde a preservação não atrapalha o crescimento e desenvolvimento urbano. Não resulta em prejuízo na urbanização e seu crescimento, a preservação das nascentes, olho d’água e curso das águas, representa o respeito com o meio ambiente no qual usufruímos dos recursos. A análise demonstra que a preservação garante uma qualidade de vida aos recursos do meio ambiente. A Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, denominado Código Florestal, estabelece que as nascentes, num raio de 50 metros, são áreas de preservação permanente. Dessa forma, as nascentes do País já se encontram legalmente protegidas. A conservação do solo na proteção de uma nascente e de suas margens evita a erosão hídrica. Existem várias técnicas para controlar a erosão hídrica, impedindo que enxurradas soterrem a nascente ou a exagerada compactação do solo impeça a infiltração da água. O plantio de árvores e vegetação resulta na recuperação do solo, qualidade de vida ao desenvolvimento de habitações, a exposição à luz solar; a circulação do ar. Na figura 12 a simulação de 36 anos futuros com a preservação reflete em crescimento 1,95% Average Growth%.
O atual Código Florestal sugere acompanhar basicamente esse entendimento, mas promove uma distinção pouco clara entre nascente e olho d’água: Art. 3º Para os efeitos desta Lei, entende-se por: XVII – nascente: afloramento natural do lençol freático que apresenta perenidade e dá início a um curso d’água; XVIII – olho d’água: afloramento natural do lençol freático, mesmo que intermitente. A seguir o Código determina: Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei: IV – as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros;¹
_1. LEI Nº 12.651, DE 25 DE MAIO DE 2012. Seção II,Do Regime de Proteção das Áreas de Preservação Permanente, Art. 7º e Código Florestal¬
Foi deixado os inputs das estradas em vermelho forte, representado em roxo a malha urbana existente em 2021, em vermelho claro crescendo ao redor a simulação futura de 36 anos. Diante das necessidades urbanas, pode ser a adoção de APPs e a ela associada, todos esses aspectos considerados, como diretriz as seguintes orientações a serem adotadas e explicitadas claramente pelo Código Florestal:
– surgências do lençol freático originadas de ações antrópicas não devem ser consideradas nascentes a serem protegidas. A melhor indicação no caso estaria na estratégia de proteção dos aqüíferos subterrâneos com o tamponamento das referidas surgências; em Santiago refere-se ao aqüífero Guarani
– nascentes intermitentes deverão ser objeto de delimitação de APP correspondente quando situadas em regiões de clima semi-árido e com período de intermitência inferior a 2 (dois) anos;
– nascentes intermitentes situadas em espaço urbano deverão ser objeto de delimitação de APP correspondente caso apresentem período de intermitência inferior a 1 (um) ano;
– nascentes efêmeras não deverão ser objeto de delimitação de APP correspondente.
Considerações
O estudo na simulação do modelo no CityCell é baseada em autômatos celulares, que simula o desenvolvimento urbano no espaço e no tempo, para contribuir no planejamento e argumentação de projetos viáveis ao progresso urbanístico de modo qualitativo e quantitativo. No caso, desse estudo, os planos de bacia urbano, Planos Diretor, Lei Orgânica do município, deve ser elaborados em concordância com o plano estadual e estabelecer diretrizes para a implementação dos demais instrumentos de gestão, como outorga do direito de uso dos recursos hídricos, enquadramento dos corpos de água e cobrança. A ONU e a Agenda 2030, já alertam da preocupação de preservar a água, para saúde humana (física e mental). A contribuição, responsabilidade e a veracidade desse trabalho visa servir de base para mais estudos, não esgotando as inúmeras possibilidades que o modelo no CityCell pode simular.
Referências:
_¹ LEI Nº 12.651, DE 25 DE MAIO DE 2012. Seção II,Do Regime de Proteção das Áreas de Preservação Permanente, Art. 7º e Código Florestal
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LIU, Yan. Modelling Urban Development with Geographical Information Systems and Cellular Automata. Estados Unidos: Taylor & Francis Group, 2009.
SARAIVA, Marcus Vinicius Pereira; POLIDORI, Maurício Couto. CityCell: Urban Growth Simulator (software). LabUrb – Laboratório de Urbanismo da FAUrb. Pelotas: UFPel, 2015. Acesso em: 09-maio-2022
RIBEIRO, F. A física das cidades. Revista de Morfologia Urbana. Porto, Portugal. v. 1 n. 00159,2020. http://revistademorfologiaurbana.org/index.php/rm. Acesso em: 16-set-2020
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