O sucesso e a (con)sequência de uma dancinha

O filme “M3GAN” ainda está em cartaz nos cinemas brasileiros e já arrecadou mais de 170 milhões de dólares ao redor do mundo.

Por Jaime Lucas Mattos / Em Pauta

Pôster nacional do filme / Imagem: Divulgação/Universal Pictures Brasil

“M3GAN” (2023) acompanha a história de Cady (Violet McGraw) e Gemma (Allison Williams), sobrinha e tia, que começam a viver uma nova dinâmica em suas vidas por conta da morte dos pais da pequena Cady. Gemma é especialista em robôs, e trabalha para a empresa de brinquedos de alta tecnologia Funki. Ela desenvolve brinquedos tecnológicos para crianças, e sua última invenção, ainda não-finalizada, é a M3GAN (acrônimo para Model 3 Generative Android), uma boneca androide autônoma, criada a partir de inteligência artificial, com a função de ser sincronizada com uma criança para ajudá-la, protegê-la e fazer companhia.

Mesmo com um teste mal-sucedido, Gemma insiste em continuar desenvolvendo a boneca, principalmente quando percebe sua falta de preparo para lidar com a sobrinha após a morte dos pais. Com a aprovação do chefe, Gemma presenteia Cady com a M3GAN. No entanto, com o passar do tempo, a boneca excede os limites de proteção e passa a assassinar todos que ela interpreta ser minimamente uma ameaça à garota.

O filme não traz nenhuma novidade em sua temática. Bonecos assassinos já foram bastante explorados no cinema – como em “Brinquedo Assassino” (1988) e “Annabelle” (2014) –, bem como a temática da tecnologia que se torna um problema para humanos – como na série “Black Mirror” (2011-). Justamente por esses conceitos não serem uma novidade, o filme não gasta muito tempo em ser repetitivo e consegue ministrar mais o tempo de tela para uma discussão sobre a dependência tecnológica das crianças.

O direcionamento da crítica não é muito profundo, mas cumpre o seu papel no filme, mostrando o ponto de vista da criança que acaba tendo um apego socioemocional ao produto tecnológico (neste caso, a própria M3GAN), mas também o do adulto que se exclui da sua responsabilidade socioemocional com a criança.

Cady “adota” a boneca como a sua protetora / Imagem: Reprodução/Universal Pictures

A protagonista do filme, Gemma, se mostra irresponsável ao cuidar da sobrinha. Ela utiliza da fragilidade da situação de Cady para validar o seu projeto dos sonhos na empresa em que trabalha. Difícil dizer se a personagem é que não tem carisma ou se a construção do roteiro é que não ajuda, mas é bem difícil ser fã de Gemma. Por vezes, é mais fácil dar razão aos sermões que a M3GAN dá na personagem de Allison Williams do que apoiar suas decisões.

Mas nem tudo é seriedade. Apesar de uma suficiente discussão acerca da dependência de eletrônicos, o filme não quer ser levado muito a sério. A equipe entende que a essência do filme deve ser a de ter uma roupagem que beira o cômico (afinal, é uma boneca assassina!) e insere isso em diversos momentos.

O núcleo de personagens da empresa Funki é um alívio cômico na trama, em especial o chefe, que é, mal comparando, um Elon Musk mais carismático. A comicidade se apresenta até mesmo na própria M3GAN. Cenas de cantoria da boneca em momentos inoportunos (difícil esquecê-la cantando “Titanium”, do David Guetta com a Sia) são uma marca cômica que difere “M3GAN” de outros filmes. “Brinquedo Assassino”, por exemplo, já era cômico em 1988, mas apresentava esse aspecto de uma maneira diferente, mais atrelado ao humor ácido.

Essa roupagem mais desapegada da realidade, com um humor galhofa, não é um ponto negativo. O filme consegue imprimir em sua essência um jeito bastante único de fazer a mistura de terror com humor. A produção entrega esse tom cômico desde a cena inicial do filme, que eu prefiro não comentar para não estragar a experiência magnífica de quem ainda não viu. Dei risada com a cena de abertura. Assim, fica mais fácil do público aceitar as maluquices do resto do filme – se torna verossímil, mesmo que um pouco fora da realidade.

Momento da dança viral de “M3GAN”, destacando o talento da atriz Amie Donald / Imagem: Reprodução/Universal Pictures

Outro ponto positivo que vale destacar é a atuação corporal da pequena atriz Amie Donald, que interpreta M3GAN. O jeito de se locomover que a atriz imprimiu na boneca é extremamente único, o que, atrelado ao rosto computadorizado, nos causa estranheza com a figura de M3GAN. A personagem tem um corpo semelhante ao de uma criança, mas com expressões e movimentos que são semi-robóticos e que apenas imitam os movimentos humanos. A voz da personagem, vale dizer, é da atriz Jenna Davis, não de Donald.

O que podemos notar é que a fórmula deu certo. Em menos de 2 meses de circuito comercial, “M3GAN” arrecadou mais de 170 milhões de dólares em bilheteria, dezenas de vezes mais que os 12 milhões investidos na produção. Muito desse sucesso é resultado de um inteligente trabalho de marketing, atrelado a um vício contemporâneo na viralização de conteúdos nas redes sociais. Desde a pandemia, a viralização de séries, filmes e músicas se tornou um padrão para medição de sucesso e impacto cultural.

A indústria musical sentiu isso primeiro. Atualmente, o foco de muitas editoras musicais é fazer com que as músicas sejam comerciais o suficiente para viralizar com danças em aplicativos como o TikTok ou o recurso Reels, do Instagram. Artistas pop, como Halsey e Anitta, já reclamaram dessa cobrança interna por um hit viral. Se for feita uma análise das paradas musicais, as mais tocadas serão reflexo da viralização nas redes sociais, salvo algumas raríssimas exceções. Na indústria audiovisual a situação não é muito diferente. Há uma pressão maior pelo consumo excessivo de conteúdo. Certos filmes e séries apresentam em sua composição alguma cena feita para viralizar. São momentos pontuais que às vezes até destoam do resto da proposta.

Frame da dança viral de “Wandinha” / Imagem: Reprodução/Netflix

No fenômeno da Netflix, “Wandinha”, a personagem-título, interpretada por Jenna Ortega, tem diversos momentos que foram usados para serem virais – principalmente pelo tom sarcástico e comicamente mórbido da personagem, com diálogos que flertam com o público jovem –, mas o principal deles, que ganhou um grande destaque, foi a sequência de uma singular e excêntrica dança da personagem. Atrelada a uma edição da dança com a música “Bloody Mary”, de Lady Gaga, a cena repercutiu milhões de vezes na internet. Esta música, vale destacar, voltou às paradas musicais, evidenciando o que está sendo discutido neste texto.

Para a indústria cinematográfica, esse momento também iria chegar. Em “M3GAN”, existe uma cena de dança da boneca que não tem função alguma no filme. Sua existência, no entanto, é explicada quando, antes mesmo do filme estrear, ela já tinha viajado a internet e viralizado, com inúmeros recortes e edições, trazendo fama a um filme que não tinha nada em que se apoiar.

 

No vídeo acima, vemos uma “batalha de dança” entre Wandinha Addams e M3GAN, em edição feita por fã. O vídeo já foi acessado mais de 3,5 milhões de vezes. A viralização da dancinha de M3GAN trouxe mudanças na pós-produção do filme. Para se adequar ao público jovem e ter a possibilidade de ampliar o seu público nos cinemas, a Universal Pictures decidiu diminuir as cenas de violência explícita e a quantidade de personagens assassinados, para se adequar à classificação de 14 anos e possibilitar o início de uma franquia.

“Eu entendo que, uma vez que o trailer se tornou viral, os adolescentes se envolveram e você quer que eles possam ver o filme. […] O longa era muito mais sangrento. A contagem de corpos dela no roteiro era maior do que no filme.” – Akela Cooper, roteirista de “M3GAN”.

No meio de uma onda de filmes provindos de grandes franquias, “M3GAN” é uma nova cara (esquisitamente assustadora) para a lista dos sucessos de bilheteria, mostrando que ainda se pode ter ideias pseudo originais, e que “só” é preciso um bom investimento e um bom marketing para dar certo. E quando dá certo, vira franquia. Infelizmente, o jogo da indústria funciona assim.

“M3GAN” segue em cartaz nos cinemas brasileiros e em breve deve chegar às plataformas digitais. A sequência do filme já está confirmada para janeiro de 2025, com o retorno de Allison Williams e Violet McGraw para seus papéis, e será intitulada “M3GAN 2.0”.

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