Elas na Ciência!

Conheça alguns projetos da UFPel que visam tornar o protagonismo feminino uma realidade a discentes e docentes da universidade

Sara Lopes da Silva / Em Pauta

O ato de ‘fazer ciência’, desde o momento em que a sociedade passou a entender-se como tal, foi concebido pelos ideais masculinos. Proibidas de participarem dos espaços de produção científica por serem ‘inferiores’ em um período de tempo vergonhosamente longo, a história das mulheres cientistas permeia séculos e diz respeito a pesquisas e criações nas mais diversas áreas do conhecimento humano.

A Prof.ª Dr.ª Aline Joana Rolina Wohlmuth Alves dos Santos e as alunas Andressa Soares Bento, Amanda Batista Aguiar, Maria Eduarda Lopes Gomes, Isadora Atrib Garcia, Thaís Pires dos Santos e Maria Eduarda Batista Teixeira. As estudantes fazem parte de Projetos de Extensão e Pesquisa na área de Química na UFPel, orientados pela professora. Foto: Sara Lopes da Silva / Em Pauta

 

A contribuição feminina para o campo da Ciência deu-se em todos os continentes, bem como nos mais diversos períodos da história: no Egito, a rainha-faraó Hatshepsut, cujo reinado aconteceu durante o começo do século XV a.C. e teve a duração de vinte e dois anos, era responsável por organizar expedições com o objetivo de descobrir plantas medicinais ainda intocadas por seu povo, sendo considerada uma faraó médica. Na Grécia Antiga, durante o século VI a.C., Theano foi aluna de Pitágoras, no entanto, seu maior feito foi, sem dúvidas, a longa lista de tratados que escreveu nos campos da Matemática, Física, Astronomia e Medicina.

Em Atenas, seguindo Pitágoras, Platão passou a aceitar mulheres em suas aulas, desde que cumprissem as leis da época que determinavam que as alunas vestissem-se de homens. Embora nas demais cidades gregas existissem médicas e cirurgiãs, em Atenas as mulheres foram proibidas por lei de exercer a Medicina e a Ginecologia, acusadas de realizarem abortos.

Por volta de 355 d.C., Hipátia de Alexandria seguira os caminhos do pai, tornando-se uma filósofa que lecionava Matemática, Filosofia e Astronomia. Sendo conhecida como a primeira matemática da história, a jovem inventou o densímetro, aparelho responsável por medir a densidade de líquidos.

Na América do Norte e na América Latina a contribuição feminina alcançou as mais diversas gerações, colhendo importantes frutos até os dias atuais. Elizabeth Arden, canadense formada em Enfermagem, foi responsável pela criação de fórmulas de cremes para o tratamento de queimaduras. Na década de 1910, após mudar-se para Nova Iorque, abriu um salão para vender os cosméticos que produzia, tornando a “Elizabeth Arden Inc” um império existente até hoje.

Em terras brasileiras, no entanto, a história das mulheres na educação e na ciência é marcada por períodos de exclusão e abandono. Durante o reinado de D. Pedro II, as primeiras instituições de ciências exatas do Brasil foram criadas: a Escola Politécnica da Cidade do Rio de Janeiro, em 1874, o Imperial Observatório do Rio de Janeiro — atual Observatório Nacional —, em 1845 e o Instituto Agronômico, em Campinas, em 1887. Na República, houve o surgimento de mais algumas instituições focadas em pesquisa, como por exemplo a Escola Politécnica de São Paulo, em 1894, o Instituto Butantan, em 1899 e o Instituto Soroterápico Municipal de Manguinhos, em 1900 — transformado em Instituto Oswaldo Cruz no ano de 1907 —.

Embora houvesse uma grande lista de instituições de ensino no Brasil, a grande maioria dos pesquisadores e professores nesses locais eram homens estrangeiros ou brasileiros formados no exterior. A única mulher presente nesse meio era Emilia Snethlage, graduada na Alemanha, vinda para a América Latina no ano de 1905 para trabalhar como assistente de Zoologia em Belém do Pará, no Museu Emílio Goeldi. A cientista publicou uma obra que trazia o inventário de mais de mil e cem espécies de aves amazônicas. No entanto, ao longo da história da ciência feita por mulheres no Brasil, algumas nascidas aqui ou naturalizadas tiveram grandes feitos, abrindo caminhos e tornando-se inspiração de jovens apaixonadas pela pesquisa, dentre as quais podemos citar dois grandes nomes:

A bióloga Bertha Lutz, nascida em 1894, fez parte das precursoras na luta pelo voto feminino no Brasil, além de ter trabalhado arduamente na pesquisa zoológica voltada para espécies anfíbias brasileiras. Ainda na área das Ciências Biológicas, está Marta Vanucci, a primeira mulher a tornar-se membro titular da Academia Brasileira de Ciências, no ano de 1955. Embora tenha nascido na Itália, sua carreira foi dedicada à pesquisa dos ecossistemas dos mangues, sendo uma das principais responsáveis pela criação do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP).

Atualmente, inúmeros projetos feitos por organizações mundiais visam aumentar o número de mulheres na ciência, assim como a criação de datas comemorativas, campanhas e prêmios, como forma de incentivo e estimulação do protagonismo feminino. De acordo com relatórios da UNESCO para a Organização das Nações Unidas (ONU), o número de mulheres cientistas ao redor do mundo alcança pouco mais de 30% do número de pesquisadores existentes e a diferença torna-se ainda maior de acordo com o grau de carreira. No Brasil, as mulheres são maioria nas áreas de Odontologia (52,4%), Imunologia e Microbiologia (57,7%), Medicina (52,7%), Neurociência (54,3%), Enfermagem (73%) e Farmacologia (57,6%).

Na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), o corpo discente é, em sua maioria, formado por mulheres. Entre todos os graus e modalidades de ensino, as mulheres são cerca de 14772, enquanto que os homens, 9620, segundo dados divulgados no ano de 2023. No entanto, embora o número de professoras alcance os 658, em alguns cursos, formados majoritariamente por alunas, o corpo docente ainda é composto por uma maioria masculina, como no curso de Bacharelado em Química, onde, dos 53 professores, 20 são mulheres.

Aline Joana Rolina Wohlmuth Alves dos Santos é professora associada no Centro de Ciências Químicas, Farmacêuticas e de Alimentos da UFPel desde 2011, onde ministra aulas nos cursos de Graduação em Química. Graduada em Farmácia Análises Clínicas pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), possui Mestrado e Doutorado na área de Química Inorgânica. Desde a época de seu ensino médio sentia uma paixão inexplicável pelas áreas de Biologia e Química, pensando nisso, passou a buscar cursos que integrassem ambas áreas, optando pela Farmácia. Desde o momento em que iniciou sua atuação na cidade de Pelotas, passou a trabalhar no tripé universitário (Ensino, Pesquisa e Extensão), além de orientar estudantes de diversos cursos de graduação e pós-graduação.

Unindo sua paixão por compartilhar conhecimento, e o desejo de trazer cada vez mais mulheres para a ciência, Aline idealizou e coordenou, já em seu primeiro ano na Universidade, o Projeto de Extensão “TRANSFERE – Mediação de conhecimentos químicos entre universidade e comunidades”. Seu objetivo inicial, quando vinculado ao Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), era trabalhar em escolas e, também, em parceria com o Núcleo Interdisciplinar de Tecnologias Sociais e Economia Solidária (TECSOL).

Em 2013, após encaminhar um projeto ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o projeto recebeu um recurso para trabalhar com meninas na ciência através da compra de materiais e bolsas tanto para as estudantes do Colégio Estadual Dom João Braga quanto para o professor responsável. O programa teve a duração de dois anos, onde foi ampliado para outras escolas: o Colégio Municipal Pelotense e a Escola Estadual Dr. Joaquim Duval.

Com o início da pandemia, a forma com que o projeto TRANSFERE atuava precisou sofrer alterações. Embora já utilizassem o Facebook, as redes sociais passaram a ser uma realidade durante e após o período pandêmico. Atualmente, a principal forma de produção de conteúdo online acontece via Instagram (@projetotransfere), onde há o trabalho de divulgação científica, com postagens didáticas de forma a “traduzir a Química” e auxiliar estudantes de ensino fundamental e médio em seus estudos. No momento, a coordenação do Projeto é feita pela professora Aline, junto com o coordenador adjunto professor Fábio André Sangiogo e o colaborador Alessandro Cury Soares, além de contar com a presença de sete discentes da área da Química e um estagiário do curso de Cinema.

A produção dos conteúdos é feita de forma livre pelos próprios estudantes. Foto: Instagram do projeto (@projetotransfere)

Atualmente, Aline coordena o Programa Química em Ação, que engloba os seguintes projetos: Projeto de Pesquisa “Biomateriais macromoleculares: síntese, caracterização e aplicação”, Projeto de Ensino “Estratégias de Ensino e Aprendizagem na Química do Cotidiano – QuiCo”, Projeto de Extensão “TRANSFERE – Mediação de conhecimentos químicos entre universidade e comunidades”, Projeto de extensão: TICs – Tecnologia de Informação e Comunicação na Química” e o Projeto de Extensão “Química no Processo Seletivo – “Química no PS””. A atuação de cada um, de certa forma, interliga-se, de forma a produzir conteúdos e capacitação para mulheres com vistas à valorização da atuação feminina na ciência.

Orientada pelo professor Fábio André Sangiogo e coorientada pela professora Aline Joana, Andressa Soares Bento foi responsável pela dissertação intitulada “A História e os Desafios das Mulheres da Química e a Proposição de Atividades de Formação e de Ensino”, no Programa de Pós-Graduação em Química da UFPel. O objetivo de seu trabalho, através de entrevistas com as professoras e pesquisadoras do curso de Química, foi identificar seus desafios enquanto mulheres cientistas na contemporaneidade. Andressa produziu a primeira pesquisa do PPGQ que abordou o ser mulher na ciência.

As alunas dos projetos de Extensão e Pesquisa, junto com a orientadora, em congressos. Fotos: Divulgação / Em Pauta

Além da investigação proposta, a dissertação contou com a proposta de atividades de ensino na disciplina de História e Filosofia no Ensino de Ciências, de forma a abordar a participação da mulher na ciência, além de exercícios de discussão de gênero e outras formas de diversidade, como orientação sexual, identidade de gênero e questões étnico-raciais. Para Aline Joana, o trabalho apresentado por sua coorientada serve como estímulo à discussões sobre o tema nos cursos de Química, visto que a dissertação valoriza os exemplos de mulheres cientistas na atualidade e sua trajetória, assim como desperta a necessidade de discussões acerca do protagonismo feminino.

Além de Andressa, o número de alunas orientadas por Aline é extenso. Atualmente, dentro do Projeto TRANSFERE estão presentes as estudantes: Amanda Batista Aguiar e Maria Eduarda Lopes Gomes, acadêmicas do curso de Química Forense e Maria Eduarda Batista Teixeira, acadêmica de Licenciatura em Química, as três alunas conheceram o Projeto através da própria coordenadora, e atualmente produzem conteúdos nas redes sociais. Thaís Pires dos Santos é acadêmica de Bacharelado em Química e faz parte do Projeto de Pesquisa “Biomateriais Macromoleculares: síntese, caracterização e aplicação”, enquanto que Isadora Atrib Garcia é Bacharel em Química e Mestranda, na área de Química Inorgânica, sob coorientação da professora Aline e orientação da professora Daniela Bianchini.

Embora possuam vivências e histórias diferentes com relação à ciência, tanto a professora quanto suas alunas concordam no que diz respeito ao incentivo às jovens cientistas que estão iniciando suas jornadas. Quando perguntadas a respeito das dificuldades de serem mulheres na ciência e quais conselhos dariam para as novas estudantes, suas opiniões são parecidas: a sociedade sempre nos fez ter que provar porque merecemos estar onde estamos, nossos conhecimentos são postos à prova a todo instante e, embora maioria em Universidades e determinados cursos, ainda temos menor projeção dentro das carreiras devido às barreiras impostas.

No entanto, quando analisamos a história, encontramos uma lista interminável de mulheres responsáveis por descobertas que movem o mundo, mulheres responsáveis por estarmos nas posições que estamos hoje, por podermos votar, fazer nossas vozes serem ouvidas e ocupar nossos lugares de direito. A ciência é um campo de perspectivas ilimitadas, e, assim como o mundo: é lugar de mulher, sim senhor.

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