Abraço de Mãe: o terror psicológico e sobrenatural

Disponível no catálogo da Netflix, com excelente atuação de Marjorie Estiano, a trama tem como pano de fundo a enchente de 1996 no Rio de Janeiro, uma das mais devastadoras da história da cidade

Por Murilo Schurt Alves

Marjorie Estiano interpreta Ana em “Abraço de Mãe” – Foto: Divulgação / em Pauta

Fazer filmes de terror no Brasil não é tarefa fácil. Embora o número de projetos tenha aumentado, o gênero ainda enfrenta resistência por parte de produtores e distribuidores, que preferem investir em gêneros mais rentáveis, como o drama e a comédia. Além disso, o público brasileiro demonstra preferência por películas internacionais, tendência evidenciada pelas bilheterias expressivas de franquias hollywoodianas, como Invocação do Mal e Jogos Mortais. Apesar desses obstáculos, cineastas independentes têm revitalizado o gênero, com produções criativas e, muitas vezes, de baixo orçamento. Um exemplo notável desse movimento é o lançamento Abraço de Mãe, disponível no catálogo da Netflix, que apresenta uma interessante fusão entre horror sobrenatural e terror psicológico. 

Dirigido por Cristian Ponce, reconhecido por seu trabalho em História do Oculto (2020), o longa-metragem acompanha Ana, uma jovem bombeira que precisa confrontar os traumas do passado ao enfrentar uma evacuação de emergência em um asilo prestes a desabar. Conhecido por combinar narrativas sobrenaturais com eventos reais, Ponce utiliza como pano de fundo as devastadoras enchentes de 1996 no Rio de Janeiro, tragédia natural que assolou o bairro de Jacarepaguá, deixando centenas de desabrigados. Esse cenário extremo amplifica a sensação de isolamento e claustrofobia dentro do asilo, forçando a protagonista a encarar seus piores medos sem possibilidade de fuga. 

Nesse contexto, um dos principais méritos da produção reside na habilidade do roteiro em articular situações sobrenaturais com os traumas existenciais da protagonista. Logo nos primeiros minutos de filme, acompanhamos como a infância de Ana, marcada por uma tragédia envolvendo a sua mãe — que ajuda a compreender o nome do filme —, deixou sequelas emocionais que se entrelaçam aos momentos de resgate das vítimas dentro do asilo. O casarão em ruínas, dessa forma, funciona como uma metáfora para o estado mental da personagem: habitada por fantasmas do passado, sufocada pela chuva incessante e à beira do colapso.

No filme, protagonista precisa lidar com eventos paranormais e superar traumas do passado (Foto: Divulgação)

Contudo, tal resultado só é alcançado graças à excepcional performance de Marjorie Estiano. A atriz paranaense, que já havia demonstrado sua habilidade no gênero com o filme As Boas Maneiras (2017), traz verossimilhança à sua personagem, permitindo que o espectador entenda e se importe com os dilemas e desafios que enfrenta. Além disso, atores coadjuvantes como Reynaldo Machado, no papel de bombeiro e amigo da protagonista, e Ângela Rabelo, como a sinistra proprietária do asilo, complementam o enredo e constroem momentos de empatia e tensão, respectivamente. 

Por fim, é fundamental ressaltar que a direção busca, em diversas ocasiões, se distanciar das convenções hollywoodianas para a construção do filme. Ponce evita o uso de jumpscares, que, embora eficazes para gerar sustos imediatos, tendem a proporcionar uma experiência de horror superficial e reforçar clichês característicos do gênero. Em vez disso, decide por uma abordagem mais sutil, buscando trazer o medo através de uma fotografia sombria, jogos de câmera não convencionais — quando a câmera fica de cabeça para baixo, usado para criar uma sensação de desorientação vivida pela protagonista, por exemplo — e efeitos sonoros atmosféricos. Assim, o filme cria um espaço propício à reflexão sobre a personagem principal e seus traumas. 

Diante do exposto, Abraço de Mãe é uma excelente adição para o catálogo de horror no Brasil que, embora pequeno, está cada vez mais robusto. Apesar dos desafios de reconhecimento e distribuição, filmes como este mostram o potencial do gênero, não apenas para chocar ou entreter, mas também para provocar profundas reflexões sobre os dilemas existenciais e a complexidade da condição humana. A excelente ambientação, o elenco competente e o distanciamento das convenções hollywoodianas do filme complementam a obra, oferecendo uma experiência satisfatória e aterrorizante para o público.

Pôster oficial do filme, disponível na Netflix (Foto: Divulgação)

Ficha técnica

Diretor: Christian Ponce

Roteiro: Cristian Ponce, André Pereira e Gabriela Capello

Atores: Marjorie Estiano, Val Perré, Chandelly Braz, Javier Drolas, Reynaldo Machado, Angela Rabello, Helena Varvaki, Rafael Canedo, Mel Nunes, Thelmo Fernandes

Fotografia: Franco Cerana, ADF e Leandro Pagliaro

Montagem: Hernán Biasotti

Trilha sonora: Bernardo Uzeda

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