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Redes sociais e suas possibilidades de utilização para a pesquisa historiográfica

Gabriela Fonseca Ferreira

Graduanda em História (UFPEL)

As redes sociais são fruto da “Web 2.0”, termo criado no início dos anos 2000, para designar a segunda geração da World Wide Web que marcou uma nova fase da Internet (Almeida, 2011). A grande novidade trazida por esta nova fase foi a valorização da interatividade entre usuários e sites. Surgem nesse contexto os blogs, a Wikipédia e as redes sociais1 (social networks ou social media em inglês).

As mudanças decorrentes dos usos da Internet impactam diferentes setores da sociedade atualmente como a política, a educação, o entretenimento, o mercado de trabalho e a arte. Para o historiador, as mídias digitais e, mais especificamente, as redes sociais são importantes fontes históricas para se compreender como ocorrem as relações na era digital. A Nova História Política pode utilizar as redes sociais para compreender o ativismo sociopolítico, a organização dos movimentos coletivos, o impacto das notícias falsas e a utilização dos dados dos usuários para manipular eleições. Já para a História Social, as redes sociais trazem informações sobre as novas modalidades de sociabilidades, as relações familiares, o engajamento nos debates públicos, as crenças religiosas e as trocas de bens culturais na sociedade contemporânea (Andrade, 2022).

É correto afirmar que as redes sociais são centros de embates políticos e que, inclusive, ajudam a encaminhar a opinião pública em diversos contextos. Andrade (2022) destaca a questão sobre a utilização de dados dos usuários nas redes sociais tanto para fins comerciais, em que estes são analisados enquanto consumidores, quanto para o uso político, em que seus perfis são traçados enquanto cidadãos. Um exemplo conhecido foi o que ocorreu durante as eleições de Trump em 2016 nos Estados Unidos quando o CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, foi investigado por manipular 50 milhões de contas da rede social com o intuito de ajudar este candidato a se eleger. Já no Brasil o Whatsapp, que é a plataforma de comunicação mais popular no país utilizada por 93,4% da população em 20242, foi um veículo de disseminação de fake news através de seus grupos durante a eleição de 2018 e a pandemia de 2020 e 2021.

Outra questão relevante relacionada às redes sociais é a importância delas para a circulação de notícias, que foi alterada com o surgimento da Internet. Se anteriormente, a popularidade de um jornal era medida pelo número de exemplares impressos vendidos, nos dias de hoje se considera o acesso online às notícias e o
tempo de permanência no site do jornal (Zago; Bastos; 2013). Uma forma utilizada para divulgar as notícias dos jornais online é postar o link delas em redes sociais como o Facebook e o X (antigo Twitter). Então, é possível afirmar que essas plataformas são importantes fontes de informação para diversos internautas que
acessam as notícias atuais diretamente por elas.

Segundo Zago e Bastos (2013), o Facebook é utilizado pelo jornalismo majoritariamente para a disseminação de soft news, que são os conteúdos ligados a entretenimento e curiosidades, já o X é mais empregado para as hard news, que são as notícias ligadas à política ou à economia. O X, que foi criado em 2006 e chamado de Twitter até 2023, pode ser definido como um site que mescla rede social e micro-blogging3 (Caselli, Pimenta, 2015) e é uma fonte importante para historiadores, principalmente para os que pesquisam assuntos ligados à política. Esta rede social é o principal meio de comunicação utilizado por diversas autoridades e personalidades do mundo político, artístico e midiático e um ambiente virtual marcado por debates, polêmicas, disputa política e mobilização social.

Considerando-se que o Brasil é o terceiro país que mais utiliza redes sociais do mundo, possuindo 144 milhões de usuários destas plataformas, que representam 66,3% da população total4, podemos apontar algumas motivações, segundo Carvalho (2014), de porque as mesmas são fontes importantes para os historiadores. Em primeiro lugar, elas são consideradas fontes inovadoras, já que como já foi dito anteriormente, essas plataformas são ambientes propícios para manifestações sociais e políticas, além de serem locais privilegiados para a formação da opinião pública.

Outro motivo da importância das redes sociais para os historiadores é que elas também podem ser utilizadas como plataformas de divulgação historiográfica. Diversos historiadores já fazem uso de seus perfis nas redes sociais para divulgar artigos acadêmicos, conferências, projetos etc. Além disso, museus, bibliotecas e faculdades também as utilizam para manterem contato com o público. “A tecnologia, nesse sentido, tem permitido superar grandes barreiras geográficas e financeiras.”(Carvalho, 2014, p. 174).

Por último, Carvalho (2014) aponta que as redes sociais são importantes para os debates historiográficos, pois representam um espaço político e também de construção de sentidos sobre a História. Atualmente, é comum discussões historiográficas entre historiadores se darem por meio das redes sociais como o Facebook ao invés de por meio dos jornais como em décadas passadas. Também é possível citar redes sociais criadas especificamente para historiadores como o Café História, criado em 2008 por Bruno Leal Pastor de Carvalho, que promovia a interação entre historiadores (enquanto rede social), mas também divulgava a história para o grande público (enquanto portal de conteúdos). Contudo, a partir de 2017 quando foi transferido para a plataforma WordPress, o Café História deixou de ser uma rede social e passou a ser só um portal de divulgação científica de História5.

Já Andrade aponta que “Em uma época em que o hiperindividualismo e o consumismo vigoram, as redes projetam as formas como os sujeitos representam a si mesmos, sua personalidade e modo de vida e os permitem inserir-se na coletividade.” (2022, p. 195), ou seja, é através das redes sociais que as pessoas
exprimem suas opiniões, expõem suas vidas e intimidade, se comunicam e, muitas vezes, por trás de perfis falsos expressam preconceitos e reproduzem discursos de ódio contra minorias. Muitos produzem provas contra si próprios já que pensam que não existem leis no ambiente virtual. Há também os linchamentos, a destruição de reputações e os “cancelamentos” que fazem parte da cultura atual das redes sociais.

Contudo, mesmo passando muitas horas do dia conectadas, a maioria das pessoas não sabem utilizar e compreender o conhecimento disponível na Internet, além de também serem bombardeados de notícias falsas com frequência nas redes sociais. Além disso, mesmo com a possibilidade de interagir com diversos indivíduos com opiniões e culturas diferentes, boa parte dos usuários preferem apenas permanecer
em contato com pessoas semelhantes a si mesmos, presos em sua própria “bolha”.

Todas essas características específicas das redes sociais e a forma como as pessoas as utilizam precisam ser levadas em consideração pelos historiadores que objetivam utilizar essas plataformas como fonte para seus trabalhos. É necessário considerar as potencialidades e as limitações que as fontes digitais oferecem para sua pesquisa historiográfica.

 

O exame das características das redes sociais exige ainda um cuidado imprescindível para o  historiador. Como se dá em todo procedimento de pesquisa histórica, isto significa   caracterizar  o ugar de produção das fontes históricas e constituí-las como um corpus  documental dotado de suas próprias especificidades (Andrade, 2022, p. 214 e 215).

Desde que o computador se tornou acessível, o historiador teve acesso a uma infinidade de arquivos digitais, contudo Andrade (2022) afirma que este patrimônio documental digital pode acabar sendo monopolizado pelas grandes empresas da Internet. “Trata-se das grandes empresas de redes sociais que não disponibilizam facilmente os arquivos de mensagens aos pesquisadores e não garantem a preservação das mensagens e registro das interações.” (Andrade, 2022, p. 220).

Além disso, há o problema relacionado a como preservar registros deixados no ciberespaço, principalmente nas redes sociais, já que posts podem ser excluídos, contas de usuários suspensas e as próprias plataformas vão se tornando obsoletas com o passar do tempo e o surgimento de novas redes sociais mais atraentes, o que faz com que algumas delas parem de ser utilizadas e sejam desativadas, como por exemplo o Orkut. Por isso, é necessário que o historiador salve as postagens das redes sociais que selecionou para sua pesquisa, pois estas podem ser perdidas facilmente. É importante manter capturas de tela (screenshots), links, endereços da Web (URL) e datas de publicações dos posts que vai analisar.

Outra questão que merece atenção é a dificuldade em se identificar a autoria de textos e imagens produzidos e postados nas redes sociais, já que com a web 2.0 a diferença entre produtores de conteúdo e consumidores tornou-se mais difícil de distinguir. Também é interessante se atentar para as falsificações que também são fontes interessantes para a pesquisa historiográfica. Notícias falsas que circulam nas redes sociais como o Facebook e o X, memes, vídeos e imagens “(…) podem ser indícios para pesquisar bastidores de campanhas eleitorais, teorias da conspiração, imaginários políticos, superstições, sensibilidades coletivas, crenças religiosas etc.” (Andrade, 2022, p. 221).

É necessário lidar com a fonte digital da mesma forma que se faz com os outros tipos de documentos na historiografia, considerando sua intencionalidade de produção e seu motivo de preservação. Não se deve tirar do contexto os posts, mensagens, imagens e vídeos produzidos nas redes sociais para interpretá-los
enquanto fontes históricas. Também é interessante analisar postagens em uma plataforma como parte de um corpus documental que estão inseridas em uma série. Além disso, o historiador pode comparar estas fontes digitais com outros tipos de fontes como documentos escritos, entrevistas e outras mídias. “(…) o historiador precisa constatar se se trata de um perfil oficial, analisar o discurso da mensagem e a frequência das publicações, verificar a quais interlocutores se dirige, conferir a recepção através das curtidas, visualizações, respostas ou comentários (…)”(Andrade, 2022, p. 222).

Outro ponto importante sobre a relação das redes sociais com a História são as disputas públicas sobre narrativas históricas que ocorrem nestas plataformas. Escosteguy (2019) chama a atenção para os períodos da política brasileira marcados pelas jornadas de junho de 2013, pelas eleições de 2014 e, por último, pelo golpe jurídico-parlamentar de 2016 que fizeram com que novas discussões sobre a História enquanto disciplina e ciência emergissem nas mídias. Após esse contexto político conturbado, “(…) podemos identificar o irrompimento da história como aspecto constituinte da busca por sentido imediato às angústias daquele
momento.” (Escosteguy, 2019, p. 41) e dessa necessidade surgem as batalhas pelas interpretações do passado brasileiro em diversos espaços midiáticos, logo alcançando as redes sociais.

Segundo Escosteguy (2019), estas batalhas interpretativas do passado nas mídias sociais tiveram impacto nos rumos da política eleitoral. Este levante chamado de “onda conservadora” por alguns autores foi também uma resposta às novas políticas públicas que tocaram temas sensíveis da história brasileira, como a Lei 10.639/03, a política de cotas e a Comissão da Verdade. “Não seria exagero afirmar que, sem esse crescimento das redes sociais, dificilmente haveria essa configuração de forças de direita no atual espectro político brasileiro.” (Escosteguy, 2019, p. 43).

Enfim, existem diversas possibilidades de abordagem das redes sociais de uma forma relevante para a História e maneiras de utilizá-las para a divulgação e debate historiográfico. Estas plataformas podem ser utilizadas como fontes para se compreender o imaginário político atual, a utilização dos dados dos usuários pelas empresas, os negacionismos históricos, as novas relações de trabalho ou para compreender como se dão as relações sociais nesse contexto digital da sociedade contemporânea. Além de ajudarem a desvendar várias questões importantes sobre os tempos atuais, as redes sociais possibilitam a divulgação de trabalhos
acadêmicos, a interação com o público e o debate entre historiadores.

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1 É possível definir as redes sociais como “(…) aqueles sítios baseados no serviço da Web que permitem aos indivíduos (1) construir um perfil público ou semipúblico em meio a um sistema delimitado, (2) articular uma lista de usuários com quem estes dividem a conexão, e (3) visualizar e se mover através da sua lista de conexões e daquelas feitas por outros dentro do sistema.” (Boyd e Ellison, 2008, p. 210-230, apud, Andrade, 2022, p. 193).

2 Dados sobre as redes sociais mais utilizadas no Brasil disponíveis em: https://datareportal.com/reports/digital-2024-brazil.

3 Micro-blogging é uma forma de publicação de blog de textos curtos (Caselli, Pimenta, 2015)

4 Informações do relatório Digital 2024: brasil, disponível em: https://datareportal.com/reports/digital-2024-brazil

5 Sobre o Café História: https://www.cafehistoria.com.br/sobrenos/#:~:text=A%20partir%20de%20janeiro%20de,e%20para%2
0os%20pr%C3%B3prios%20historiadores

REFERÊNCIAS:

ALMEIDA, F. C. DE. O Historiador e as Fontes Digitais: uma visão acerca da Internet como fonte primária para Pesquisas Históricas. Revista Aedos, v. 3, n. 8, 2011. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/aedos/article/view/16776. Acesso em: 4 jul. 2024.

ANDRADE, Débora El-JAick. Redes sociais digitais: um novo horizonte de pesquisas para a História do tempo presente. In: BARROS, José D’Assunção (org.). História Digital: a historiografia diante dos recursos de um novo tempo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2022, p.179-227.

CASELLI, T.; PIMENTA, F. TWITTER: A NOVA FERRAMENTA DO JORNALISMO. Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. XVI Congresso Brasileiro de Ciências da comunicação. Juiz de Fora, p. 1-11, 2015. Disponível em: https://www.intercom.org.br/papers/regionais/sudeste2011/resumos/r24-0578-2.pdf. Acesso em: 8 de fev. 2024.

ESCOSTEGUY FILHO, J. C. Batalhas públicas pela história nas redes sociais: articulações para uma educação histórica em direitos humanos. Revista História Hoje, v. 8, n. 15, p. 39–65, 2019. Disponível em: https://rhhj.anpuh.org/RHHJ/article/view/531. Acesso em: 4 jul. 2024.

LEAL PASTOR DE CARVALHO, B. Faça aqui o seu login: os historiadores, os computadores e as redes sociais online. Revista História Hoje, v. 3, n. 5, p. 165–188, 2014. Disponível em: https://rhhj.anpuh.org/RHHJ/article/view/126. Acesso em: 4 jul. 2024.

ZAGO, G. da S.; BASTOS, M. T. Visibilidade de Notícias no Twitter e no Facebook: Análise Comparativa das Notícias mais Repercutidas na Europa e nas Américas. Brazilian journalism research, v. 9, n. 1, p. 116–133, 2013. Disponível em: https://bjr.sbpjor.org.br/bjr/article/view/510. Acesso em: 4 jul. 2024.

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Artigo publicado em 11 de novembro de 2024

 

Como citar este artigo: FERREIRA, Gabriela Fonseca. Redes sociais e suas possibilidades de utilização para a pesquisa historiográfica. In: Artigos Portal Clio HD, 2024. Disponível em: https://wp.ufpel.edu.br/cliohd/artigos-clio-hd/redes-sociais-e-suas-possibilidades-de-utilizacao-para-a-pesquisa-historiografica/.

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Sobre a autora:  Gabriela Fonseca Ferreira é graduanda de História na Faculdade Federal de Pelotas, e desenvolve pesquisas sobre o pensamento de estudantes sobre os recentes conflitos de Gaza, bem como os comentários de internautas em plataformas de redes sociais. É membra da equipe do Portal Clio HD.