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Museus virtuais: o que são? Onde acessar? Por que usá-los no ensino de História?

Alvanir Ivaneide Alves da Silva
(Doutoranda em História/UFRPE)

 

The House of Fame. Virtual Exhibition (2019)

Ao longo da minha pesquisa de Mestrado no PGH-UFRPE, cuja tem estado vinculada ao campo do Ensino de História, tenho debruçado minhas analises acerca dos Museus Virtuais e seus possíveis usos para o Ensino de História, assim sendo, antes de pensarmos essas possibilidades neste texto, gostaria de recortá-lo em três etapas de reflexões, cujas são: O que são Museus Virtuais? Onde é possível acessá-los? E por que usá-los no Ensino de História?

Nessa perspectiva, compreendemos que durante o século XX, por meio das mudanças desencadeadas pela inovação das ciências e tecnologias, é observado que houve modificações

importantes em diversos cenários, dentre eles, nos espaços culturais, assim, Maia (2023), enfoca que as inovações anunciadas durante o século influenciaram também mudanças de comportamentos e pensamentos nos espaços museais, focadas na salvaguarda de suas memórias.

Desse modo, Ferrari (2016), também destaca que:

no início do século XX, os museus foram criticados por representarem somente a história oficial e o patrimônio das elites. Nos anos 60, com o advento da indústria cultural, decretou-se a sua morte. Contudo, a partir do movimento denominado Nova Museologia, seu conceito amplia, o museu se consolida como importante instrumento de difusão e democratização cultural (Ferrari, 2016, p. 151).

Dentro desse processo de estruturação da nova Museologia, é importante observar que:

o desenvolvimento, consolidação e difusão das TICs conduziram a uma transformação muito rápida do mundo atual, trazendo implicações e inovações para todas as áreas da sociedade e do conhecimento. Os museus não podiam deixar de reconhecer a importância das TICs, aplicadas aos museus para facilitarem as tarefas de inventariação, catalogação, gestão das colecções, divulgação das colecções e a forma como os visitantes interagem com as instituições museológicas. O potencial informativo e comunicativo é enorme, tanto em questões de rapidez de circulação, número de pessoas que recebem a informação e acesso em várias áreas geográficas (Muchacho, 2009, p. 80).

Nessa proporção, Rafael (2023), destaca que as instituições museológicas se reinventaram ao longo do tempo e vêm passando por ampla reformulação nas últimas décadas, tanto de conceitos quanto de atuações, assim como, nas significações e interpretações que fazem parte da materialidade ou imaterialidade dos objetos culturais, que demonstram os passos e descompassos da trajetória histórica dos grupos sociais.

Partindo dessa premissa, compreendemos que os impactos dos usos destas tecnologias na museologia, colaborou para que este campo de conhecimento se preocupasse com os conteúdos e as possibilidades de partilhar seus acervos, de forma que pudesse estar presente no cotidiano de seu público, de maneira mais acessível e ao mesmo tempo colaborasse em preservar a memória de seus acervos de forma digitalizada, sendo assim, a internet se apresentou como um espaço para democratizar o acesso aos museus e salvaguardar seus objetos.

Assim, na primeira seção deste texto, apresentaremos problematizações acerca do conceito de Museus Virtuais.

O que são Museus Virtuais?

Com a ampliação do uso das Tecnologias Digitais pelos museus no final do século XX, ocorreu cada vez mais a associação e uso do termo “Museu Virtual” em referência a protótipos, a sites de museus, a catálogos e a folhetos, no entanto, a partir do início do século XXI, é possível observarmos os primeiros questionamentos a respeito da apropriação do termo, estas indagações foram expostas a partir dos anos 2000, quando Lévy (2000) afirmou que muitas pessoas chamavam de Museu Virtual, o que se apresentava na verdade como um catálogo destes espaços na internet.

Esta observação de Levy (2000), apresenta-se como uma das primeiras possibilidades de pensar tais espaços, a partir da utilização de como o termo é compreendido na contemporaneidade, dessa forma, mesmo tal perspectiva sendo concebida, dentro de uma chave de leitura, diferente da que era utilizada na década de 1990, é importante pontuar como observa Levy (2000), como uma temática que está em ampliação na museologia.

Orientados pelas questões apresentadas pela nova Museologia, realizamos uma revisão historiográfica sobre a Museologia Virtual e nos debruçarmos sobre um conjunto de estudos que procuram tematizar e problematizar tal conceito, assim, por meio das Dissertações de Mestrado em Museologia de Henriques (2004) e Muchacho (2009), e da Tese em Educação de Botelho (2010), compreendemos que o Museu Virtual é aquele que tem suas ações museológicas, ou parte delas, realizadas em um espaço virtual, assim, os museus virtuais são aqueles que trabalham o patrimônio, através da internet, mas que não necessariamente têm suas portas abertas ao público em espaços físicos.

Todos estes três pesquisadores citados anteriormente percorrem o mesmo caminho ao que tange a construção do conceito de Museu Virtual, defendem que é necessário um espaço virtual como formato que possibilite um contato interativo do público com os acervos; apontam ainda que a internet é o meio característico de acesso, mas se não existir um teor educativo e paralelo da virtualidade museal, ele não deve ser considerado como tal.

Além disso, é preciso esclarecer que o museu virtual pode ter duas modalidades: a primeira é a vertente virtual de determinado museu físico, ou seja, pode ser uma outra dimensão do espaço presencial; a segunda, o museu é essencialmente virtual, neste caso, a sua existência não pressupõe a existência de um museu físico.

No primeiro caso, os museus virtuais são complementos do museu físico, pois podem trabalhar suas ações museológicas de forma diferente em suas duas vertentes. Nesse sentido, o processo museológico é muito enriquecedor, pois o público pode ter acesso a duas abordagens de um mesmo patrimônio: uma abordagem presencial e uma abordagem virtual.

Já no segundo caso, as ações são efetuadas unicamente no espaço virtual, visto não se dispor de espaço físico, nessa perspectiva, possibilita que o público tenha acesso a todo o acervo que compõe o museu, de forma prática e democrática.

Dessa forma, frisamos que o Museu Virtual não deve ser confundido com um simples site ou folheto informativo de museu. Ele é um espaço que pode ser um complemento do museu físico ou pode ser um museu criado essencialmente de forma midiática, no entanto, em ambos, é necessário ter ações museológicas que possibilitem a interação do público com seus acervos virtuais salvaguardados.

Onde é possível acessá-los?

Levando em consideração que alguns museus virtuais são disponibilizados por Plataformas próprias desenvolvidas pelos seus museus, enquanto outros estão disponibilizados no Google Arts and Culture1 ou através do aplicativo Tainacan2 o que, por consequência, gera um desafio para os docentes de História que queiram utilizá-los em sala de aula, tendo em vista que na hora da seleção se deparam com uma grande quantidade disponibilizada em rede.

Assim sendo, o Portal Clio HD3 , portal vinculado ao grupo de pesquisa “HEDUCA – História e Educação: textos, escritas e leituras”, na Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), tem se dedicado a abrigar um acervo de fontes e objetos digitais para o ensino e a pesquisa em História (Bonete; Bagesteiro, 2023). Dessa forma, como na internet existem diversos museus virtuais, foi pensado por meio do Portal, uma perspectiva de intervenção desses espaços, que seria direcionar esses museus ao público em si, de forma mais prática.

O Portal disponibiliza o tópico “História Digital e Ensino de História”, onde contém a opção “Objetos Digitais”, nele é disponibilizado uma curadoria de acervos museológicos digitais, intitulada de “Museus Virtuais”, nela são disponibilizadas diversos museus com seus respectivos links, separados por regiões do país, assim fica mais fácil acessar museus que fazem parte do seu patrimônio regional e além disso, cada museu vem descrito por uma breve contextualização de qual temática salvaguarda, assim, ao ver, fica mais prático, para o docente ou público em geral, saber qual museu se relaciona com a temática que está a buscar.

 Também levando em consideração que o Museu Virtual segundo Lévy (2001), transfere o centro de gravidade do objeto considerado, por meio da virtualidade, e modifica as concepções de espaço, o desterritorializando e construindo a vivência de uma experiência que seria materializada pela simultaneidade, mesmo que se encontre no formato virtual, o Portal também disponibiliza opções de museus internacionais, como: O Museu do Louvre, o Museu Britânico, dentre outros.

O principal intuito dos colaboradores ao organizarem e gerarem a curadoria dos Museus Virtuais por meio do Portal Clio HD é para que ela seja acessada tanto por professores, pois enquanto mediadores de ferramentas e linguagens alternativas para o Ensino de História, terão um norte dos conteúdos que os museus abordam, assim fica um acesso mais simples e direto, podendo, dessa forma, ser utilizada pelos próprios alunos em momentos extraclasse. E que também que seja acessada pelo público em geral, pois, no momento que for acessado a curadoria dos museus, poderão ter acesso aos mais diversos espaços de memórias nacionais e internacionais.

Por que usá-los no Ensino de História?

Haja visto que o museu, enquanto instituição que salvaguarda patrimônios e compartilha conhecimentos, na perspectiva que se adapta à realidade digital e mobiliza um contato virtual com seu público, proporciona ferramentas possíveis de serem usadas pelo professor dentro da sala de aula, no que tange o ensinar e o aprender História junto a seus estudantes.

Para pensarmos o Ensino de História atualmente, é preciso levar em consideração a construção de uma consciência histórica que permite aos indivíduos uma compreensão sociável do mundo e de si mesmo, para isso, é essencial dar relevância ao processo de contextualização do presente e relacioná-lo com a realidade dos alunos, possibilitando que seja inserido na sala de aula discussões em torno das abordagens patrimoniais (Rüsen, 2006).

Ao compreendermos os recursos digitais disponibilizados pelos museus, é possibilitado uma vivência diferenciada do patrimônio histórico dentro da sala de aula, diante dos educandos que estão desde cedo relacionados aos recursos digitais. Essa experiência contempla 3 (três) dimensões destacadas por Rüsen (2006), seriam: a dimensão estética, que converte, visivelmente, o trabalho rememorativo; a dimensão política, que desencadeia discussões a partir da memória histórica diante da problematização sobre a relação entre os dominados e os dominadores da nossa História; e a dimensão cognitiva, que parte dos métodos e analises necessárias para uma interpretação histórica, com foco na criticidade.

É nessa perspectiva que é possível observar o potencial educativo da curadoria de Museus Virtuais do Portal Clio HD, pois as experiências de visitações ao museu de forma virtual, como aponta Arruda (2011), proporcionam contato e interação com espaços de memória, tanto de caráter material quanto imaterial, capazes de gerar mudanças essenciais nas maneiras como os indivíduos entendem o tempo histórico e a relação que apresentam com ele, o que contribui diretamente no processo de aprendizagem histórica, assim como defende Cerri (2011).

Dessa forma, o Portal Clio HD se conecta ao Ensino de História na proporção que disponibiliza acervos, enquanto fontes de pesquisa, para os professores e alunos. Por meio da curadoria, os professores de História têm acesso a materiais necessários para instigar a reflexão de seus discentes diante dos bens que são salvaguardados e dos bens que são esquecidos ou excluídos socialmente, através de uma metodologia visual que disponibiliza cenários problematizadores.

Dumbra e Arruda (2013), também defendem que a virtualidade do espaço museológico e o uso da realidade virtual em aulas de História, contribuem para a construção de espaços de observação e interpretação do passado, ao possibilitar que os visitantes analisem o que está sendo exposto em relação a um outro tempo e ressignifiquem, a partir do debate histórico, os conceitos desses objetos.

O Ensino de História se configura como um ambiente estruturante para o estabelecimento de diálogo entre a população e seus bens culturais, assim como, com o seu percurso histórico, dessa forma, os objetos, as imagens e os depoimentos orais expostos e disponibilizados pelos Museus Virtuais expostos na curadoria do Portal Clio HD, transmitem mensagens e significados que permitem construções e interpretações históricas nas aulas de História, e as narrativas nos museus apresentadas, se tornam diferentes alternativas para partilhar informações em relação a temas, a eventos e a situações históricas (Schmidt, 2014).

Considerações Finais

Por fim, se tratando dos Museus Virtuais, podemos compreender que para o Ensino de História, eles proporcionam um acesso prático e rápido aos espaços de memória, locais que possibilitam fontes de análise em aulas de História, desenvolvendo outras formas de experenciar o patrimônio, neste caso, baseadas na cultura digital, nas possibilidades de transmissão, no acesso das ferramentas tecnológicas e nas mudanças sociais.

Concluímos, então, que a curadoria do Portal Clio HD, se preocupa em expor museus virtuais que realmente focam na interação virtual com seu público, indo de acordo com os conceitos problematizados neste texto, além disso, esses acervos museais se tornam fontes de acesso digital, assim, sua experienciação proporciona contato e interação com espaços de memória, tanto de caráter material quanto imaterial, capazes de gerar mudanças essenciais nas maneiras como os estudantes ou o público em geral, entendem o tempo histórico e a sua relação com ele, a partir de investigações históricas.

Referências Bibliográficas

ARRUDA, Eucidio Pimenta. Museu virtual, prática docente e ensino de história: apropriações dos professores e potencialidades de elaboração de um museu virtual orientado ao visitante. IX Encontro Nacional dos Pesquisadores do Ensino de História. Anais Eletrônicos. Santa Catarina, 2011.

BONETE, Wilian Junior. BAGESTEIRO, Maria Portilho. Portal Clio HD: A Experiência da Construção de um Acervo de Fontes de Objetos Digitais. XXVI Jornada de Ensino de História e Educação. Universidade Federal de Pelotas. 2023.

BOTELHO, Agostinho. Museus e centros de ciências virtuais: perspectivas e explorações de alunos e professores. 2010. Tese (Doutorado em Educação). Instituto de Educação, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2010.

CERRI, Luis Fernando. Ensino de História e Consciência Histórica: Implicações didáticas de uma discussão contemporânea. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2011.

DUMBRA, Camila Nataly Pinho; ARRUDA, Eucidio Pimenta. Museus interativos: interfaces entre o virtual e o ensino de história. OPSIS, Catalão, v. 13, n. 1, 2013.

FERRARI, Mélodi. Políticas culturais em museus: Panoramas e perspectivas do cenário brasileiro. Mosaico, v. 7, n. 11, 2016.

HENRIQUES, Rosali Maria Nunes. Memória, museologia e virtualidade: um estudo sobre o Museu da Pessoa. (Dissertação de Mestrado). Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Lisboa, 2004.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. Lisboa: Instituto Piaget, 2000.

LÉVY, Pierre. O que é o virtual? Coimbra: Quarteto Editora, 2001.

MAIA, Nathália. Museus e as mídias sociais: possíveis soluções e novas perspectivas. In: PONTES JUNIOR, João; MONTINGELLI, Danilo (Org.). Diálogos entre Museu e Tecnologia. São Paulo, 2023. p. 21 – 64.

MUCHACHO, Rute. Museu e novos media: a redefinição do espaço museológico. Dissertação (Mestrado em Museologia). Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Lisboa, 2009.

RAFAEL, Mauricio. O futuro é hoje: reflexões para os museus no período pós-pandemia. In: PONTES JUNIOR, João; MONTINGELLI, Danilo (Org.). Diálogos entre Museu e Tecnologia. São Paulo, 2023. p. 85 – 76.

RÜSEN, Jörn. Didática Da História: passado, presente e perspectivas a partir do caso alemão. (1987). Tradução:  Marcos Roberto Kusnick. Práxis Educativa. Ponta Grossa, PR. v. 1, n. 2, 2006.

SCHMIDT, Maria Auxiliadora Moreira dos Santos. Cultura histórica e aprendizagem histórica. Revista NUPEM: Campo Mourão, v. 6, n. 10, 2014.

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[1] Google Arts and Culture é um site mantido pelo Google em colaboração com museus espalhados por diversos países, os conteúdos expostos no site são lives de direitos autorais ou possuem liberação de acesso.

[2] Tainacan é um software que possibilita a gestão e a publicação de acervos digitais de fácil acesso. Disponível em: https://www.gov.br/museus/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/acervo-em-rede-e-projeto-tainacan/acervo-em-rede-e-projeto-tainacan.

[3] Disponibilizado em: https://wp.ufpel.edu.br/cliohd/historia-digital-e-ensino-de-historia/objetos-digitais/

 * Virtual Exhibition, The House of Fame, Convened by Linder, Produced by V21. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Virtual_Exhibition,_The_House_of_Fame,_Convened_by_Linder,_Produced_by_V21_Artspace.jpg                                                                   _____________________________

Artigo publicado em 25 de fevereiro de 2024

Como citar este artigo: DA SILVA, Alvanir Ivaneide Alves. Museus virtuais: o que são? Onde acessar? Por que usá-los no ensino de história? In: Artigos Portal Clio HD, 2024. Disponível em: https://wp.ufpel.edu.br/cliohd/artigo-1-ivanir-alves/

Sobre a autora:

Alvanir Alves possui Mestrado pelo Programa de Pós Graduação em História – UFRPE e atualmente é doutoranda pela mesma instituição. Desenvolve pesquisas na área do Ensino de História e Tecnologias Digitais. Em sua dissertação trabalhou com os Museus Virtuais e suas contribuições para o Ensino de História, com foco para anos finais do Ensino Fundamental.  É colaboradora do Portal Clio HD.  Lattes: http://lattes.cnpq.br/1148619985538727