pedra lume
pedra lume
pedra
esta pedra no meio do
caminho
ele já não disse tudo,
então?
[Inéditos e dispersos: poesia prosa, 1985]
Página institucional do professor Aulus Mandagará Martins / Universidade Federal de Pelotas
pedra lume
pedra lume
pedra
esta pedra no meio do
caminho
ele já não disse tudo,
então?
[Inéditos e dispersos: poesia prosa, 1985]
No meio do caminho da poesia
selva selvaggia
Território adrede
Desarrumado
Onde palavras-feras nos agridem
Encontrei Carlos Drummond de Andrade
esquipático
fino
flexível
ácido
lúcido
até o osso.
[Convergência, 1970]
No meio da faixa de terreno destinada a trânsito tinha um
[mineral da natureza das rochas duro e sólido
tinha um mineral da natureza das rochas duro e sólido no
[ meio da faixa de terreno destinada a trânsito
tinha um mineral da natureza das rochas duro e sólido
no meio da faixa de terreno destinada a trânsito tinha um
[mineral da natureza das rochas duro e sólido.
Nunca me esquecerei deste acontecimento
Na vida de minhas oculares internas em que
[estão as células nervosas que recebem
[estímulos luminosos e onde se projetam
[as imagens produzidas pelo sistema
[ótico ocular, tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio da faixa de terreno
[destinada a trânsito
tinha um mineral da natureza das rochas duro e sólido
tinha um mineral da natureza das rochas duro e sólido
[no meio da faixa de terreno destinada a trânsito
no meio da faixa de terreno destinada a trânsito tinha um
[mineral da natureza das rochas duro e sólido.
[Collapsus Linguae, 1991; 1998]
Anunciaram que você morreu.
Meus olhos, meus ouvidos testemunham:
A alma profunda, não.
Por isso não sinto agora a sua falta.
Sei bem que ela virá (Pela fôrça persuasiva do tempo).
Virá súbito um dia,
Inadvertida para os demais
Por exemplo assim:
À mesa conversarão de uma coisa e outra
Uma palavra lançada à toa
Baterá na franja dos lutos de sangue,
Alguem perguntará em que estou pensando,
Sorrirei sem dizer que em você
Profundamente.
Mas agora não sinto a sua falta.
(É sempre assim quando o ausente
Partiu sem se despedir:
Você não se despediu.)
Você não morreu: ausentou-se.
Direi: Faz tempo que ele não escreve.
Irei a São Paulo: você não virá no meu hotel.
Imaginarei: Está na chacrinha de São Roque.
Saberei que não, você ausentou-se. Para outra vida?
A vida é uma só. A sua vida continua
Na vida que você viveu.
Por isso não sinto agora sua falta.
[Belo belo]
Quando o enterro passou
Os homens que se achavam no café
Tiraram o chapéu maquinalmente
Saudavam o morto distraídos
Estavam todos voltados para a vida
Absortos na vida
Confiantes na vida.
Um no entanto se descobriu num gesto largo e demorado
Olhando o esquife longamente
Este sabia que a vida é uma agitação feroz e sem finalidade
Que a vida é traição
E saudava a matéria que passava
Liberta para sempre da alma extinta.
[Estrela da manhã]
Quando a Indesejada das gentes chegar
(Não sei se dura ou caroável),
talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:
— Alô, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com os seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.
[Opus 10]
Morrer.
Morrer de corpo e de alma.
Completamente.
Morrer sem deixar o triste despojo da carne,
A exangue máscara de cera,
Cercada de flores,
Que apodrecerão – felizes! – num dia,
Banhada de lágrimas
Nascidas menos da saudade do que do espanto da morte.
Morrer sem deixar porventura uma alma errante…
A caminho do céu?
Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?
Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra,
A lembrança de uma sombra
Em nenhum coração, em nenhum pensamento.
Em nenhuma epiderme.
Morrer tão completamente
Que um dia ao lerem o teu nome num papel
perguntem: “Quem foi?…”
Morrer mais completamente ainda,
– sem deixar sequer esse nome.
[Lira dos cinquant’anos]
A vida é um milagre.
Cada flor,
com sua forma, sua cor, seu aroma,
cada flor é um milagre.
Cada pássaro,
com sua plumagem, seu voo, seu canto,
cada pássaro é um milagre.
O espaço, infinito,
o espaço é um milagre.
O tempo, infinito,
o tempo é um milagre.
A memória é um milagre.
A consciência é um milagre.
Tudo é milagre.
Tudo, menos a morte.
— Bendita a morte, que é o fim de todos os milagres.
[Estrela da tarde]
Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.
Mandou chamar o médico:
— Diga trinta e três.
— Trinta e três… trinta e três… trinta e três…
— Respire.
……………………………………………………………………….
— O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
— Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
[Libertinagem]
Os meninos carvoeiros
Passam a caminho da cidade.
— Eh, carvoero!
E vão tocando os animais com um relho enorme.
Os burros são magrinhos e velhos.
Cada um leva seis sacos de carvão de lenha.
A aniagem é toda remendada.
Os carvões caem.
(Pela boca da noite vem uma velhinha que os recolhe, dobrando-se com um gemido.)
— Eh, carvoero!
Só mesmo estas crianças raquíticas
Vão bem com estes burrinhos descadeirados.
A madrugada ingênua parece feita para eles…
Pequenina, ingênua miséria!
Adoráveis carvoeirinhos que trabalhais como se brincásseis!
— Eh, carvoero!
Quando voltam, vêm mordendo num pão encarvoado,
Encarapitados nas alimárias,
Apostando corrida,
Dançando, bamboleando nas cangalhas como espantalhos desamparados.
(Petrópolis, 1921)
[O ritmo dissoluto, 1924]