[um homem com sua dor] [Paulo Leminski]

um homem com uma dor
é muito mais elegante
caminha assim de lado
com se chegando atrasado
andasse mais adiante

carrega o peso da dor
como se portasse medalhas
uma coroa, um milhão de dólares
ou coisa que os valha

ópios, édens, analgésicos
não me toquem nesse dor
ela é tudo o que me sobra
sofrer vai ser a minha última obra

La vie en close (1991)

M. de memória [Paulo Leminski]

Os livros sabem de cor
milhares de poemas.
Que memória!
Lembrar, assim, vale a pena.
Vale a pena o desperdício,
Ulisses voltou de Tróia,
assim como Dante disse,
o céu não vale uma história.
um dia, o diabo veio
seduzir um doutor Fausto.
Byron era verdadeiro.
Fernando, pessoa, era falso.
Mallarmé era tão pálido,
mais parecia uma página.
Rimbaud se mandou pra África,
Hemingway de miragens.
Os livros sabem de tudo.
Já sabem deste dilema.
Só não sabem que, no fundo,
ler não passa de uma lenda.