Por Ester Caetano/Acadêmica do curso de Jornalismo da UFPEL

Assim como na música de Karol com K, o empreendedorismo negro no Brasil “alavancô” e vem ganhando espaço nos segmentos de investimento e economia criativa. Atualmente, inúmeras iniciativas estão dando vazão a projetos com protagonismo negro, trazendo à tona a discussão sobre o lugar do empreendedor negro na cena econômica.

Diferentemente de muitos empreendedores brancos, que iniciam seus negócios por vocação ou continuação familiar, a maioria das pessoas negras empreende por necessidade. De acordo com o estudo “Afroempreendedorismo Brasil”, desenvolvido pela RD Station, Inventivos e o Movimento Black Money, 40% da população negra adulta no Brasil são empreendedores, e a maioria deles são mulheres. Elas se destacam nos mercados de beleza e indústria criativa. No entanto, enfrentam diversos desafios no mundo dos negócios, desde o racismo até a falta de investimento, infraestrutura e conhecimento econômico.

Mas essas dificuldades são insignificantes diante da vontade e do desejo de transformar e expandir seus negócios, como é o caso de Sthefanne Negonna, hairstylist, produtora, slammer e empreendedora de 22 anos. Desde os 9 anos de idade, ela cuidava e trançava os cabelos de seus familiares. Sua mãe, que sempre trabalhou com estética, a orientou a seguir o mesmo caminho. Aos 15 anos, Sthefanne percebeu que poderia gerar renda ajudando em casa com penteados afro.

A partir de então, começou a trançar cabelos de casa em casa e, em 2017, fundou sua própria marca, a StillBlack. Há dois anos, decidiu estruturar sua marca como uma empresa, visando oferecer um ambiente mais confortável para suas clientes. Ela diz: “comecei a planejar, embora tenha enfrentado uma tentativa infrutífera em 2021 quando engravidei. Queria proporcionar um espaço melhor para minhas clientes. No final do ano, abri meu MEI, o que realmente me consolidou como empreendedora”.

Sthefanne viu na sua técnica uma oportunidade de negócio

Sthefanne enfatiza que, embora o CNPJ seja importante para sua carreira, sempre se viu como dona do seu negócio e como uma autônoma. Ela também observa que o termo “afroempreendedorismo” está ganhando destaque agora, mas em comunidades negras e periféricas, empreender significa sobreviver. “Isso já acontecia antes e agora está sendo nomeado como afroempreendedorismo. Conheço muitas pessoas que empreendem de várias formas, desde artesanato até trabalhos autônomos”, comentou.

A palavra “empreender” muitas vezes carrega conotações brancas. Devido à estrutura racista da sociedade, os negros têm dificuldade em se afirmar. Sthefanne ressalta a importância de os empreendedores negros se posicionarem como tal: “É crucial para a população negra se identificar dessa maneira, porque enfrentamos recortes e falta de oportunidades em diversas áreas. Sabemos que, como pessoas negras, independente da área em que atuamos, a jornada é mais difícil. Portanto, é muito válido falar sobre empreendedorismo negro e empreendedorismo das mulheres negras”.

A falta de oportunidades no empreendedorismo resulta em falhas na gestão dos negócios. Muitos afroempreendedores iniciam suas atividades sem conhecimento das regras do jogo. A trancista revela que não recebeu orientação sobre como abrir sua MEI e enfrentou dificuldades para encontrar informações sobre as taxas de pagamento do CNPJ e o processo de documentação como pessoa jurídica. Assim, ela teve que pesquisar e aprender sozinha para compreender como se posicionar como microempreendedora individual.

Acesso à educação ainda é um desafio

O acesso à educação sempre foi um desafio para pessoas negras, e quando se trata de educação financeira, o abismo se aprofunda. Isso pode ser um dos fatores que impedem o progresso de suas ideias e criações. Sthefanne comenta: “A educação financeira, especialmente para empresas, muitas vezes não faz parte da vida das pessoas negras e, quando consideramos as diferenças de classe, torna-se ainda mais inacessível”.

Trabalho de Sthefanne explora a ancestralidade de empreender

A ancestralidade desempenha um papel fundamental no empreendedorismo. Empreender envolve tendências e planejamento, que podem ser enraizados por meio de pesquisas no passado, que ampliam horizontes e fornecem respostas para o futuro. Sthefanne enfatiza a importância de compreender a história por trás do que se faz, destacando que o empreendedorismo e a tecnologia não são exclusivamente brancos, mas têm raízes ancestrais. Ela menciona que muitas tecnologias surgiram no Egito, trazidas por pessoas negras na diáspora. Muitas mulheres negras tiveram seus cabelos raspados como uma tentativa de apagar suas culturas de trançar e manter essas tradições.

Para Sthefanne, entender sua história é um caminho para o empoderamento e a capacidade de ocupar espaços que antes estavam indisponíveis ou inacessíveis. Ela afirma: “quando você esquece suas raízes, você é apagado. As tranças carregam um pedaço da cultura africana, e ao considerar a perspectiva do Egito, as tranças, o empreendedorismo, a tecnologia, a arquitetura e a engenharia são todos conhecimentos ancestrais que foram roubados.”

Além da estética, Sthefanne procura mudar a perspectiva das pessoas sobre o significado das tranças, dos cabelos e dos penteados. Ela conclui: “cheguei a um ponto na minha carreira em que vejo a produção para além da estética, como uma forma de carinho e cuidado. Falo muito sobre afeto e desmistificação do que tem sido construído como dor”.

O afroempreendedorismo vem como um movimento que não apenas cria oportunidades econômicas, mas também resgata e celebra as raízes culturais e ancestrais das comunidades negras. Sthefanne Negonna e outros empreendedores negros estão liderando esse movimento.

Afroempreendedorismo ainda tem muitos desafios no Brasil