Tema da 6ª SIIEPE

Quando perguntado como será o mundo pós pandemia, o  filósofo italiano Roberto Esposito respondeu: “Certamente, um mundo diferente”1. Há sinais de que a pandemia causada pelo novo coronavírus, que mudou, em poucos meses, aspectos dos modos de vida em diferentes países, esteja entre os fatos que provocarão mudanças profundas nas sociedades. Isso porque as formas de enfrentamento da aguda crise inaugurada pela doença compuseram um rol de situações que revelam desafios, conflitos e possibilidades. Como bem observou a feminista estadunidense Judith Butler: “As questões básicas – como viver, como enfrentar a mortalidade e qual a melhor forma de entender o mundo – são aquelas que impulsionam as humanidades repetidas vezes.”2 São, portanto, as questões que nos fazem pensar, inclusive sobre aquilo que nem gostaríamos de admitir a existência.

Talvez, um dos aspectos dessa pandemia, que inunde de possibilidades a insurgência de mudanças determinantes, esteja em ter ela se mostrado, como disse Esposito, “o primeiro evento, ainda mais que as guerras mundiais, realmente global. Nenhum país foi ou será poupado, como ao contrário aconteceu durante as guerras”. E, ainda mais, essa pandemia pode ser, nas palavras do filósofo francês Jean-Luc Nancy “em todos os níveis, um produto da globalização. Ela enfatiza suas características e tendências. É um agente de livre comércio ativo, combativo e efetivo.”3.

É inegável: há muito o que falar ainda sobre o tempo que estamos vivendo, apesar do número inquantificável de narrativas, de toda a ordem, que foram e estão sendo difundidas por diferentes meios.  Há muitas análises, muitas opiniões, muitos estudos. E uma parte significativa dessas vozes prognostica uma realidade diferente, quando a pandemia terminar.

E, sim, olhando para a história, percebemos que as grandes pandemias foram responsáveis por mudanças irreversíveis nas sociedades. Grécia e Roma antigas conheceram pestes avassaladoras nas suas grandes cidades. A Peste de Justiniano, que tendo sido documentada, registrou um dado que leva a crer na morte de metade da população europeia à época, marcou o fim da idade antiga, assim como a peste negra determinou o fim da idade média.

Estamos diante de outra grande pandemia e no fluxo dos acontecimentos profetizamos um mundo novo, para quando “tudo acabar”. Será que estamos vendo paradigmas liquefazerem-se e novos, advirem? Será que velhos conceitos e hábitos desgastados serão substituídos?

Boaventura de Sousa Santos (2020) analisa que a irrupção de uma pandemia exige mudanças drásticas nas formas de vida, mas, sobretudo, indica que algumas verdades não são imutáveis, como a ideia conservadora de que não há alternativa ao modo de vida imposto pelo hipercapitalismo, de consumo desenfreado, revelando, mais do que tudo, as fragilidades humanas, as desigualdades e as crises permanentes a que várias populações mundiais já vinham sendo submetidas. É possível um mundo menos desigual?

Perguntas como essas cabem neste insubstancial presente, porque não são poucos os dilemas que se apresentam. Abdicar da presença física, cientes de que não somos capazes de viver sem o convívio, é um dilema. Abrir mão do diálogo em voz e imagem reais, pela proteção da distância interpessoal, é outro dilema. Ver a plenitude de uma natureza renovada por conta da nossa ausência, é mais outro. E quantos mais poderão ser listados por linhas e linhas.

Haveria, portanto, outro tema que se impusesse tão obviamente do que o de discutir, durante os dias desta Semana Integrada, qual será a universidade que enfrentará um mundo transformado pela pandemia? O que seremos quando a trama profunda da realidade for diferente? O que poderá vir a ser professor, estudante, pesquisador, técnico quando nossas formas de operar conhecimentos não puderem prescindir dos novos (ou nem tão novos) meios? Há muitas perguntas que no futuro parecerão dispensáveis e tantas outras que desenham um horizonte ainda pouco discernível.

Hoje, não fugiremos delas. Este evento, reunindo a força do pensamento acadêmico, através das suas dimensões (ensino, pesquisa, extensão e inovação), reunindo os atores que movimentam essas forças, encontrando nos meios as possibilidades e nas circunstâncias, os desafios, deixará em 2020 a marca da capacidade que as universidades tem de olhar para si, de olhar a partir de si e de considerar sua alavanca, seu motivo, sua essência, a realidade, o tempo presente e a transformação.


1Entrevista com Roberto Esposito: A primeira imunização é o direito. UNISINOS, Instituo Humanitas. 06 maio 2020. Disponível em http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/598664-a-primeira-imunizacao-e-o-direito-entrevista-com-roberto-esposito. Acesso em 07 ago. 2020.

2YANCE, G. Entrevista com Judith Butler: O luto é um ato político em meio à pandemia e suas disparidade. 04 maio 2020. Carta Maior. Disponível em https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Pelo-Mundo/Judith-Butler-O-luto-e-um-ato-politico-em-meio-a-pandemia-e-suas-disparidades/6/47390. Acesso em 07 ago. 2020.

3NANCY, Jean-Luc. Um vírus demasiado humano.  18 maio 2020. Blog do Sociófilo, 2020. Disponível em: https://blogdolabemus.com/2020/05/18/notas-sobre-a-pandemia-um-virus-demasiado-humano-por-jean-luc-nancy. Acesso em 07 ago. 2020.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Coronavírus: tudo que é sólido desmancha no ar. In: Dossiê Coronavírus e Sociedade, Blog Bointempo, 2020.