Ainda Estou Aqui (2024) é um filme dirigido pelo cineasta Walter Salles e protagonizado pelos atores Fernanda Torres e Selton Mello. O filme, que vem chamando muito a atenção do público brasileiro, tornou-se a maior bilheteria de um filme nacional desde a pandemia, e tem chances de garantir uma indicação ao Oscar na categoria de Melhor Filme Internacional – fato que não ocorre desde 1999 com ‘Central do Brasil’.
Sobre ‘Ainda Estou Aqui’
A obra protagonizada por Fernanda Torres tem como narrativa principal a história de vida do deputado Rubens Paiva, perseguido e assassinado durante o período da Ditadura Militar (1964-1985). Vale ressaltar que não é de hoje que grandes momentos da história política são retratados pela Sétima Arte. Especialmente no Brasil, filmes como ‘Olga’ e ‘Estrada 47’ retratam muito bem duas situações distintas ocorridas durante a Segunda Guerra Mundial – situações estas, que impactaram diretamente famílias e vidas brasileiras.
O que torna ‘Ainda Estou Aqui’ um filme tão especial, e tão celebrado – com razão -, é o fato de o filme retratar uma verdadeira tragédia de uma outra perspectiva. Filmes que retratam o período da ditadura militar, como ‘Zuzu Angel’ e ‘O que é isto companheiro?’, ou até os mencionados ‘Olga’ e ‘Estrada 47’, utilizam-se em alguns momentos de cenas mais explícitas na tentativa de demonstrar visualmente os horrores dos períodos abordados.
Ainda estou aqui, torna-se uma narrativa muito mais sobre o luto pela perda, e a luta por justiça que Eunice Paiva (Fernanda Torres) trava contra a impunidade durante o período do regime militar. O grande trunfo do filme é justamente isso – a ausência de cenas que representam visualmente a tortura física. A tortura no filme existe, é claro, mas é muito mais emocional, do que visual. O espectador não precisa assistir a nenhuma cena explícita para entender o quão, no mínimo, absurdo, o período da ditadura militar no Brasil foi.
Além da excelente ambientação de um Brasil da década de 70, essa conexão da obra com o público é feita, principalmente pela atuação fascinante de Fernanda Torres – Eunice Paiva. Torres, através do seu olhar, conecta o público com a história, e torna o filme, um filme universal. Assim que Rubens Paiva é retirado de seu lar e de sua família para ser morto pelo regime militar, Selton Mello sai de cena e é nesse vazio que o filme encontra sua maior força. A família sentiu falta, o público também sente a mesma falta, tanto no Brasil, como em qualquer lugar do mundo.
A repercussão internacional do filme.
A repercussão de Ainda Estou Aqui, principalmente fora do Brasil, tem sido extraordinária. No festival de Veneza, o filme foi premiado como Melhor Roteiro. No festival de Toronto, o filme foi escolhido por 40 mil espectadores como o ‘favorito da audiência’. A revista americana Variety, coloca o filme de Salles como um dos possíveis vencedores da categoria “melhor filme internacional” no Oscar.
A própria atriz Fernanda Torres em entrevista ao jornal ‘O Globo’ disse que é preciso “fazer papel de embaixada” ao promover o filme internacionalmente e buscar uma possível indicação ao Oscar. Torres coloca-se neste papel de embaixadora por conta da forte presença dela e todo o elenco nos circuitos e festivais de exibição (principalmente dos Estados Unidos), a quantidade de entrevistas que o elenco vem concedendo à imprensa norte-americana, e claro, devido a presença de Torres em eventos da própria Academia do Oscar, como o Governors Awards. Até porque o Oscar trata-se disso, como diz o ditado popular: quem não é visto, não é lembrado.
Nos últimos anos, obras brasileiras como ‘Retratos Fantasmas’, ‘Motel Destino’, ‘Marte Um’, ‘Pedágio’, ‘Bacurau’ e tantas outras, foram consagradas pela crítica especializada, porém, não tiveram um terço da repercussão de público e repercussão midiática de ‘Ainda Estou Aqui’. Obviamente isso não é um demérito do filme de Salles, mas, sim, um alerta para quem insiste em dizer que o Brasil não produz filmes bons.
Existem diversos fatos que levaram estas outras obras brasileiras a não conseguirem chegar ao grande público e a não atrairem milhões de pessoas ao cinema como fez ‘Ainda Estou Aqui’. Falta de investimento, falta de divulgação, falta de uma melhor distribuição são alguns dos fatores, porém, é fato também que a repercussão internacional, e principalmente, a campanha para indicação a um possível Oscar de Melhor Filme Internacional tem impactado diretamente o sucesso de ‘Ainda Estou Aqui’ em território brasileiro.
O poder do Soft Power Norte-Americano.
Se o filme não fosse de Walter Salles (diretor já indicado ao Oscar por ‘Central do Brasil’), não tivesse a repercussão internacional que está tendo, e se o filme não figurasse nas tradicionais listas de possíveis indicados ao Oscar pelas famosas revistas americanas, será que o filme ainda teria o mesmo impacto?
É interessante observar como o poder do Soft Power americano implica diretamente no sucesso da obra protagonizada por Torres. O Soft Power é uma teoria estabelecida por Joseph Nye, que traça um paralelo entre a força de influência que a arte e a cultura exercem com o poder bélico.
Um grande referencial de Soft Power é justamente a cultura norte-americana, e a exportação do estilo de vida, música e cinema norte-americano. A Música Pop feita por Taylor Swift toca em todo o lugar do mundo, o filme dos vingadores com o Capitão América sendo protagonista é campeão de bilheteria onde quer que seja, as crianças de todo o mundo crescem assistindo ao Mickey e sua turma da Disney e por aí vai…
A premiação do Oscar é vendida praticamente como um “selo”. Implica na qualidade e no sucesso do filme, se tal filme esteve entre os indicados à premiação significa que ele é melhor do que os filmes que não possuem esse selo. O Soft Power do Oscar é gigantesco. É uma premiação estabelecida em 1929, que premia os maiores filmes da maior indústria cinematográfica do mundo. A estátua custa em torno de U$$ 500 a U$$ 900, porém, o impacto que uma vitória na premiação causa em uma obra, é algo imensurável, é uma agregação de título – um filme que traz consigo o selo de “indicado ou vencedor do Oscar” é um filme mais prestigiado do que os outros, para o grande público.
Vale ressaltar que não é somente os filmes norte-americanos que são impactados pelo Oscar. Filmes, artistas, produtores e diretores estrangeiros também recebem este selo de qualidade. Somente com a possibilidade de uma indicação ao Oscar e com a propagação pela mídia brasileira dessa possibilidade de indicação à premiação, ‘Ainda Estou Aqui’ já se tornou o maior filme da década nos cinemas brasileiros. Isso não ocorre somente no Brasil. Em um outro caso, por exemplo, após a indicação ao Oscar, o filme argentino ‘Argentina, 1985’ cresceu exponencialmente em sua audiência tanto na Argentina como no mundo todo. É aí que o poder da indústria cinematográfica americana impacta as indústrias culturais de outros países.
É importante ocupar estes espaços.
Traçando o paralelo contrário, o Brasil precisa mostrar sua força cultural e precisa ocupar estes espaços como os grandes festivais internacionais e as grandes premiações da indústria cinematográfica. A cultura brasileira é muito rica, diversa e tem todo o potencial para se tornar uma grande referência em todo o mundo. Ainda Estou Aqui é só um dentre os milhares de exemplos que é possível citar sobre a qualidade da cultura brasileira.
O diretor e todo o elenco reforçam a todo o momento que o filme já ganhou o seu Oscar, por todo o movimento que está acontecendo dentro do País. Sessões lotadas nas grandes cidades, semanas na liderança nas bilheterias do cinema nacional (mesmo contra grandes sucessos norte-americanos como Gladiador e Wicked). É claro que a repercussão internacional impactou estes números, mas se o filme não demonstrasse a força da cultura brasileira, ele nem chegaria a ser cogitado como um possível indicado.
Chegar a estes lugares, como a possível indicação ao Oscar, é sim muito importante, e será muito importante futuramente para atrair investimentos e fomentar a indústria cinematográfica do Brasil. Há muito tempo o país não garante seu nome entre a lista final do Oscar de filme internacional. O Brasil que na década de 90 estava todo ano presente entre os finalistas dessa importante premiação, precisa mostrar que ainda faz cinema bom, que ainda é um potencial exportador de cultura e principalmente que ainda estamos aqui.
Texto por: João Vitor Baptista, Secretário Administrativo