Armas Nucleares e o debate contemporâneo sobre a Segurança Internacional:  Uma reflexão do papel do DISEC, CSNU e AIEA para a manutenção da paz.

Desde 06 de agosto de 1945, o mundo presenciou o terror que armas nucleares podem realizar para todo o globo, no momento em que os EUA conseguiram vaporizar as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki do mapa durante a Segunda Guerra Mundial com as suas bombas Little boy e Fat Man que explodiram, respectivamente, nesses locais. 

Desde 1945, a corrida armamentista, impulsionada pela rivalidade política, econômica e ideológica das potências estadunidenses e soviéticas, demonstraram a inviabilidade de um conflito direto entre ambos sem causar destruição mútua e diversas causalidades. Esse momento provocou a ascensão do movimento político da Guerra Fria e o início de estudos sobre armas nucleares, assim como energia atômica.

Esse estudo está dividido em três momentos: o primeiro é de retratar a criação das armas nucleares e a avaliação de seus impactos no cenário internacional e na área de estudo de Relações Internacionais (RI); em segundo lugar as tratativas para o controle do uso das armas nucleares e a importância dos mecanismos da AIEA, do DISEC e do CSNU; por fim analisar o debate atual e a retratação dessa temática no século XXI. 

 

 

Bombardeamento da primeira arma nuclear, Little Boy, em Nagasaki, Japão, no dia 06 de agosto de 1945.

Fonte: Wikimedia Commons

Desde a Revolução Industrial no século XVIII, os avanços tecnológicos foram inigualáveis em diversas áreas, como comunicação e, especialmente, militar. Com o passar do tempo, em especial no século XX, as armas de fogo se tornaram cada vez mais sofisticadas, armas pirotécnicas e químicas estiveram presentes em conflitos como a Primeira Guerra Mundial e cavalos foram substituídos por tanques e por aviões de guerra. Contudo, como mencionado por Kimberly (2012), o que marcou essa era foi, sobretudo, a ascensão das armas nucleares, a qual possuem uma capacidade de destruição em massa.

Foi o contexto de insegurança provocada pela Segunda Guerra Mundial e a corrida armamentista entre as potências beligerantes do conflito que incentivaram países a viabilizarem os investimentos necessários para confecção das armas nucleares. Os EUA, por exemplo, realizou o Projeto Manhattan como uma política dedicada aos estudos para a fabricação dessas armas, contando com pesquisadores brilhantes da época como o físico J. Robert Oppenheimer, mas sem preocupação com a ética da utilização delas.

 

Robert Oppenheimer, pai das bombas nucleares, após o Projeto Manhattan demonstrou grandes remorso pela criação

Fonte: Wikimedia Commons

Nesse sentido, Teste Trinity (EUA), Hiroshima e Nagasaki utilizaram pela primeira vez, armas nucleares. Foi a partir das bombas de fissão, isto é, a quebra de átomos grandes, geralmente de Urânio e Plutônio, que aproveitam da grande liberação de energia dessa reação para causar explosões de grande magnitude.

Os bombardeios serviram não só para finalizar a Guerra com o Japão, mas também para demonstrar ao mundo, em especial a URSS, a nova capacidade militar destrutiva dos EUA. Em razão disso, foi incentivado um novo patamar de poderio bélico, onde as nações necessitavam apresentar as novas armas nucleares para poderem competir no cenário internacional.

 

GUERRA FRIA E SEGURANÇA INTERNACIONAL

A Guerra Fria foi uma síntese de uma nova ordem internacional forjada pelas armas nucleares. A existência de duas superpotências com capacidades de destruição mútua configurou a impossibilidade de um confronto direto entre ambas.

Nesse período, a segurança internacional (MUHAMMED, 2021) esteve estreitamente relacionada com a segurança nacional, resultado da predominância do discurso realista no pós-guerra nas relações internacionais. O realismo, uma corrente teórica das RI, a qual denuncia a impossibilidade da paz, na medida em que os atores (Estados) são egoístas e buscam maximizar acima de tudo, enquanto outras questões domésticas e atores não-estatais eram desconsiderados. A corrente explicava de forma precisa a realidade do sistema internacional na Guerra Fria, se tornando a corrente predominante nas RIs nesse período. 

O equilíbrio nuclear entre EUA e URSS evidenciou a disparidade de poder entre essas nações, ambas nações cada vez mais tecnológicas e inovando nas armas nucleares, substituindo as bombas atômicas (mais “fraca” a qual é resultado da separação/fissão dos átomos) pelas bombas de hidrogênio (muito mais poderosa e que libera maior energia a partir da junção/fusão dos elementos nanométricos). A Bomba Tsar, detonada pelo país soviético em 1961, foi a bomba mais poderosa acionada no planeta, de força de 57 megatons (milhões de toneladas TNT).

Bombardeamento da Bomba Tsar, na URSS

Fonte: Federação Russa 

A importância da ação estatal atribuída pela corrente realista assim como a constante corrida bélica exigiu intervenção e convenções para estabelecer a não proliferação desses armamentos. Nesse aspecto, destacam a realização de conferências para o controle das armas nucleares entre os países, seja pelo órgão da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), do DISEC (Comitê de Desenvolvimento e Segurança Internacional) e do CSNU (Conselho de Segurança das Nações Unidas).

 

CONTROLE DAS ARMAS NUCLEARES

Destaca-se que em relação ao controle do uso das armas nucleares objetivo impedir a difusão da tecnologia nuclear para fins militares há principalmente duas questões expressivas: a proliferação vertical que refere-se ao aumento dos arsenais das potências nucleares e a proliferação horizontal, a qual refere-se à expansão da tecnologia nuclear com propósitos militares para países que ainda não a possuem. Para essa questão, as medidas de controle acerca das armas nucleares dependem essencialmente do equilíbrio tanto verticalmente quanto horizontalmente.

O principal nome para evitar a proliferação das armas nucleares se encontra no discurso de Dwight D. Eisenhower, proferido em 1953, onde destacou a necessidade de utilizar a energia nuclear para fins pacíficos, como a geração de eletricidade, e não apenas para armas. Essa abordagem levou à criação da (AIEA) em 1957, com o objetivo de promover o uso pacífico da energia nuclear e controlar a dualidade nuclear, garantindo que a tecnologia não fosse desviada para fins militares.

 Discurso do Presidente Eisenhower “Átomos para Paz” na ONU

Fonte: Wikimedia Commons

AIEA e TPI: TRATADOS SOBRE ARMAS NUCLEARES

A AIEA supervisiona e inspeciona programas nucleares para assegurar que os materiais sejam usados apenas para fins pacíficos. O Programa da AIEA foi dividido em duas partes: a primeira incluía ações que poderiam ser implementadas com a autoridade existente da Agência, e a segunda exigia autoridade complementar. Para essa segunda parte, a AIEA introduziu o Protocolo Adicional em 1997, que ampliou o acesso da Agência às instalações nucleares dos países signatários. O objetivo é garantir que as declarações dos países sobre seus programas nucleares sejam precisas e completas, permitindo inspeções em locais não declarados, o que promove maior transparência e confiança no cumprimento das obrigações do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), realizado em 1970.

O TNP foi criado para abordar preocupações sobre a proliferação de armas nucleares. Foi o resultado de negociações internacionais que buscavam controlar a corrida armamentista em um contexto de guerra fria, assim promover a cooperação pacífica no uso da energia nuclear. O Tratado é sustentado por três pilares: a não-Proliferação, a qual impede a disseminação de armas nucleares; o desarmamento onde há o Comprometimento dos países com armas nucleares a reduzir e eliminar seus arsenais; e por fim o uso pacífico, permitindo o desenvolvimento da energia nuclear para fins pacíficos, sob supervisão.

A AIEA, apoia o TNP supervisionando e verificando o uso pacífico da energia nuclear, garantindo que os materiais nucleares não sejam desviados para armas, evitando transferências de armas nucleares para outros países (como por exemplo de uma potência para um país não possuidor) e ajudando a implementar o pilar de uso pacífico do tratado.

COMITÊ DISEC: O DESARMAMENTO PELA PAZ E AS SUAS DIFICULDADES

O DISEC é uma comissão da Assembleia Geral das Nações Unidas, criada em 1952, cujos seus principais esforços têm-se concentrado na negociação de tratados de desarmamento nuclear, como o Tratado de Proibição de Armas Nucleares, adotado em 2017, o qual destaca em:

O Tratado supre lacuna legal existente no arcabouço jurídico internacional, que não contava com norma legal explicitamente proibitiva das armas nucleares. O TPAN proíbe a posse, o desenvolvimento, a produção, a aquisição, o teste, o armazenamento, a transferência e o uso ou a ameaça do uso de armas nucleares ou outros artefatos explosivos nucleares. Os estados partes no TPAN estão proibidos, além disso, de transferir ou receber armas nucleares e/ou o controle sobre estas, bem como de prestar qualquer assistência para o desenvolvimento de atividades vedadas pelo Tratado. O novo instrumento proíbe, igualmente, o estacionamento, a instalação ou a colocação de quaisquer armas nucleares no território ou em qualquer local sob a jurisdição de um estado parte no Tratado (MRE, 2018).

Contudo, o comitê apresenta grandes problemáticas na aplicação no cenário internacional, sendo eles: a proliferação de armas nucleares, a falta de vontade política dos países em relação ao desarmamento, as tensões regionais, os conflitos armados, a desconfiança dos Estados quanto ao comitê em promover a segurança internacional e a ausência do consenso necessário para a adoção de resoluções de forma igual entre os países. 

CSNU E AS ARMAS NUCLEARES

Destaca-se que o CSNU compõe-se como um dos importantes espaços nas relações internacionais para o debate do uso de armas nucleares. O P5, isto é, países com poder de veto nesse órgão da ONU compostos por EUA, China, Rússia, Reino Unido e França, são todos países detentores desse armamento, que, aliado às problemáticas discutidas na sessão anterior, dificultam qualquer decisão para o desarmamento nuclear.

O DEBATE CONTEMPORÂNEO

Destaca-se que outras temáticas se tornaram mais importantes na área das RI, essencialmente pelo fim da Guerra Fria e, consequentemente, da supremacia do pensamento realista. Nesse sentido, a área de Segurança Humana, isto é, a análise focada além do Estado, mas também no indivíduo (OLIVEIRA, 2009) se tornou uma das vertentes discutidas na contemporaneidade.

Contudo, destaca-se que a preocupação quanto às armas nucleares manteve-se continuamente presente nos debates de RI, mesmo que outras temáticas ganhassem relevância como gênero, economia, sul-global, dentre outros. Exemplo disso, é a discussão presente na mídia como o recente filme Oppenheimer (2023) e o apelo que António Guterres realizou para o controle das armas nucleares.

Esse estudo foi inspirado, essencialmente, na data magna de 29 de agosto, uma vez que ela foi designada pelas Nações Unidas, em 2023, como o Dia Internacional Contra os Testes Nucleares. António Guterres, secretário-geral da ONU, ratificou a significância do dia para que todas as nações sejam favoráveis ao Tratado de Proibição Total de Testes Nucleares que foi descrito nesse dia.

Guterres, na citação abaixo, descreve o seu apelo aos policy makers de todas as nações a abandonarem o seu uso balístico:

Desde 1945, mais de 2.000 testes nucleares infligiram um sofrimento aterrador às pessoas, envenenaram o ar que respiramos e devastaram paisagens ao redor do mundo.  No Dia Internacional Contra os Testes Nucleares, o mundo fala com uma só voz para pôr fim a este legado destrutivo.  

Este ano, enfrentamos um aumento alarmante da desconfiança e da divisão a nível mundial. Num momento em que quase 13.000 armas nucleares estão armazenadas em todo o mundo, os países trabalham para melhorar a precisão, alcance e poder destrutivo das armas nucleares — uma combinação que é receita para a aniquilação.  

Uma proibição juridicamente vinculativa dos testes nucleares é um passo fundamental na nossa busca por um mundo livre de armas nucleares. 

O Tratado de Proibição Total de Testes Nucleares, embora ainda não esteja em vigor, permanece como um poderoso testemunho da vontade da humanidade de afastar de uma vez por todas a sombra da aniquilação nuclear do nosso mundo.  

Em nome de todas as vítimas de testes nucleares, faço um apelo a todos os países que ainda não ratificaram o Tratado para que o façam imediatamente, sem condições.  Vamos acabar com os testes nucleares para sempre. (GUTERRES, 2023). 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir desse estudo, percebe-se o processo para a confecção das armas nucleares e todo o cenário internacional favorável para que fossem constituídas. Ademais, os estudos de Segurança Internacional refletiram, no primeiro momento, a perspectiva realista que circundava os estudos das Relações Internacionais e o seu medo de sua utilização instalou-se no mundo, impulsionando a realização de tratados e conferências.

Apesar de outros temas ganharem importância nas RI, as armas nucleares continuam sendo importantes nas análises das temáticas dos países. Por fim, é importante a análise balística para a compreensão da evolução dos debates da área de RI e desse modo a constituição de organizações e agências significativas no cenário internacional.

Escrtito por: Eduardo Grecco, Assistente de Press