A data de 28 de junho é simbólica para a comunidade LGBTQIAP+, uma vez que em 1969, nos EUA, aconteceu a importante rebelião de Stonewall Inc., em que cidadãos pertencentes à comunidade reagiram de maneira expressiva à opressão policial que historicamente os oprimiam. Essa revolta ocorreu em Manhattan, Nova York, onde batidas policiais em bares gays eram constantes, os quais invadiam esses locais e ameaçavam espancar os funcionários e clientes, forçando-os a ficarem em longas filas para que as autoridades pudessem prendê-los.
Entretanto, 28 de junho essa atitude não ocorreria novamente, uma vez que no bar gay “Stonewall Inc.” clientes e funcionários resistiram a prisão dos policiais, o que desencadeou em uma confusão que durou diversos dias, e que escalou em uma maior visibilidade às demandas da comunidade sob um cenário internacional. Nesse sentido, 55 anos depois, a data é um marco contra o sistema autoritário, opressor e discriminatório em que vivemos e, em razão disso, no dia 28 de junho é comemorado o Dia Mundial do Orgulho LGBTQIAP+.
Por conseguinte, o Pelotas Mun em celebração ao mês do orgulho busca analisar os impactos do movimento para a compreensão das Relações Internacionais e do sistema internacional, no contexto contemporâneo.
O MOVIMENTO LGBTQIAP+: A LUTA CONTRA A VIOLÊNCIA
Como mencionado anteriormente, 28 de junho é a data histórica da defesa dos direitos da comunidade LGBTQIAP+ como a igualdade social, representatividade em todas as áreas e fim da discrimação e violência, por exemplo. Contudo, nem sempre essa questão era tão discutida antigamente, por dois motivos:
Primeiramente em um ampla parte do contexto histórico da humanidade, a homossexualidade,a heteronormatividade, gênero, sexo e a sexualidade não apresentavam as mesmas características e concepções que elas possuem na contemporaneidade. Deste modo, ações que são estereotipadas a héteros e a comunidade LGBTQIAP+ apresentavam intersecções recorrentes em sociedades da Idade Antiga, como na Grécia, em que historiadores confirmam o histórico de relações homoafetivas na antiguidade clássica e retratados em vasos e cerâmicas sob um teor homoerótico.
Outro sentido, de caráter mais infeliz, é que os valores heteronormativos começaram a ser estabelecidos (não da mesma forma como atualmente) e práticas como a homossexualidade começaram a ser reprimidos, decorrentes a partir da Idade Média e principalmente pela Inquisição, o movimento político-religioso da Igreja Católica que buscava punir hereges da doutrina cristã. Em razão do enorme poder e influência da Igreja Católica nesse período, leis anti-homossexuais se espalharam pela Europa e consequentemente para as colônias desses países, criminalizando práticas homoafetivas e abafando qualquer possibilidade de diálogo sobre estas reivindicações.
Consequentemente, o debate destas pautas foi abafado por diversos séculos, ressurgindo nos anos 60, com a ascensão de movimentos a favor de direitos igualitários para minorias, a partir da Contracultura, onde a luta apresentou uma maior visibilidade e as suas demandas começaram a se espalhar. Desse modo, Stonewall foi um divisor de águas por simbolizar a intensificação do movimento contra a opressão da identidade da comunidade LGBTQIAP+ e que, lenta mas gradualmente começou a conquistar mais espaços nos debates políticos, sociais e também acadêmicos.
AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS E A EVOLUÇÃO DO DEBATE
Similarmente, no campo de Relações Internacionais, enfatiza-se que as pautas acerca das temáticas de gênero, sexo e sexualidade não foram elementos presentes nos principais debates durante o século XX.
Em razão disso, as teorias do Realismo e do Liberalismo – fundadoras deste campo de estudo – voltaram o seu objeto à realidade do Norte Global e do estudo das guerras e da possibilidade da paz. Tais teorias buscam explicar o funcionamento do Sistema Internacional, a capacidade de cooperação, alianças e a necessidade de sobrevivência, temas considerados “high politcs”.
De maneira parecida a outros movimentos como a Teoria Feminista e Teorias Não-Ocidentais, as pautas decorrentes dos movimentos LGBTQIAP+ foram marginalizadas pelas principais correntes de estudo das Relações Internacionais, especialmente pela Teoria Realista, cujo debate era denominado como low politcs, isto é, conceitos que compõe menor relevância nos estudos da disciplina.
Nesse sentido, essa situação se modificaria com a advinda da mudança do debate das Relações Internacionais que ao invés de procurar explicar o funcionamento do sistema internacional, busca interpretar os diversos elementos que compõem o sistema internacional.
A TEORIA QUEER: VIRADA DE CHAVE DA ANÁLISE
Concisamente, a busca da interpretação ao invés da explicação permitiu a ascensão da Teoria Queer, uma das principais correntes de pensamento no estudo das disciplinas das Relações Internacionais, sob forte influência do Pós-Estruturalismo e da Teoria Feminista.
Segundo Feliciano Guimarães, em sua obra “Teorias das Relações Internacionais” (2021), a Teoria Queer busca construir uma verdadeira epistemologia baseada no questionamento da uniformidade das identidades sexuais, mostrando como a diversidade sexual e de gênero desfaz identidades fixas, tais como gays, lésbicas e heterossexuais. Em razão disso, levou a teorizações sobre a sexualidade e gênero como algo flexível, muitas vezes antinormativo e politizado. A maior parte desse trabalho envolve pensar em sexo, sexualidade e suas performances em um ambiente pessoal, institucional ou de escala nacional.
Outrossim, destaca-se que essa corrente apresenta três premissas primordiais:
- Os estudos queer questionam a uniformidade das identidades sexuais – isto é, do modo que a sexualidade não é algo fixo, estático, mas flexível e variável;
- A sexualidade não é natural, mas construída discursivamente e experimentada em contextos culturais e históricos específicos – logo os valores normativos referentes a sexualidade dos indivíduos não são “embutido” ao nascer, mas socialmente estipulado e encorajado decorrentes de um processo histórico;
- Gênero, sexo e sexualidade são performáticos, ou seja são fabricações sustentadas por meio de signos corporais e meios discursivos, os quais são repetidos através de uma estrutura social regulatória e rígida que dá aparência de substância, mas que, na realidade, não são fixos e intocáveis.
Concomitantemente, o mesmo autor destaca três conceitos principais para a corrente de pensamento:
- Queer – termo que representa a recusa de compreender gênero, sexo, sexualidade monoliticamente, isto é, com só uma interpretação válida.
- Heteronormatividade – normas sociais historicamente construídas que regulam a vida social com base na heterossexualidade.
- Interseccionalidade – a identidade dos indivíduos é múltipla, fluida e complexa, a qual é construída a partir de múltiplas experiências coexistindo e interagindo entre si.
Com expoentes para a área de Relações Internacionais como Cynthia Weber e a sua obra “Queer International Relations: Sovereignty, Sexuality and the Will to Knowledge” (2016) e “V. Spike Peterson e The Intended and Unintended Queering States/Nations” (2013) as pautas e as demandas da comunidade LGBTQIAP+ começaram a ser cada vez mais visibilizadas pelo meio acadêmico e da mesma forma permitindo uma maior diversidade no debate das relações internacionais e o impacto dos mais variados fatores na constituição do sistema-mundo.
Em razão disso, para um maior aprofundamento da Teoria Queer, recomenda-se a leitura dos autores citados anteriormente e de suas obras, além de autoras como Eve Kosofsky Sedgwick e “Epistemologia do Armário” (1990) e também “Corpos que Importam: os limites discursivos do sexo” (1993) de Judith Butler.
UM LONGO CAMINHO PELA FRENTE
Apesar dos grandes avanços para a maior visibilidade das demandas da comunidade para a sociedade internacional, ainda se destaca que há muitos estigmas que circundam as suas pautas e, infelizmente, resultam na perpetuação da discriminação dos cidadãos LGBTQIAP+.
Por causa disso, a violência, acadêmica ou não, ainda se perpetua, onde as leis não asseguram a proteção, uma vez que podem ser omissas, conter brechas ou respaldar essas criminalidades. Concomitantemente, um exemplo disso foi a recente medida adotada pela República do Peru, onde classificou a transexualidade como um distúrbio mental em decreto no “Diário Oficial” no dia 10 de maio de 2024, desconsiderando as reivindicações da comunidade LGBTQIAP+ e a declaração da ONU que não a classifica como uma enfermidade desde 2018, somente há 6 anos.
Logo, é evidente que a luta ainda é continuamente ameaçada e que urge da sociedade o reconhecimento das pautas que afetam inúmeros cidadãos em todo o globo. Em vista disso, salienta-se que é um caminho longo até que a comunidade esteja amplamente amparada e resguardada e isso só será possível na medida que suas reivindicações sejam visibilizadas e o debate, portanto, democratizado.
Texto por: Eduardo Grecco Assistente de Press