Afeganistão: relações bilaterais e o espaço aéreo sob o comando do Talibã

Há 640 dias, em 15 de agosto de 2021, Cabul, o último posto sob “controle” do então governo afegão, foi tomado sem muito esforço pelas forças militares do Talibã, uma organização fundamentalista que tentava há mais de 20 anos voltar ao poder.

Após a decisão do governo Joe Biden, anunciada por volta de abril de 2021, o processo de retirada foi rápido. Sem as tropas norte-americanas, que era composto por um contingente de mais de 2500 soldados, além de pessoal civil, o cenário estava criado: o governo afegão tinha seus dias contados. Meses depois, Cabul, a capital do Afeganistão, se tornou palco de uma das cenas mais impressionantes vistas naquele ano, milhares se amontoavam na frente do Aeroporto Internacional Hamid Karzai, o mais importante do país e um símbolo dos últimos dias de “direitos plenos” no país — por outro lado, a normalidade estabelecida pela presença militar de 20 anos já havia desaparecido há meses com o escalar da situação.

Quase dois anos depois, o cenário é outro. Direitos foram suprimidos, em especial, das mulheres. O espaço aéreo, antes uma das principais rotas de tráfego da região, segue com um fluxo extremamente reduzido — ainda que haja um acordo vigente com os Emirados Árabes Unidos. As relações bilaterais podem explicar muito do porquê o tráfego aéreo do país está assim, como será visto a seguir.

As relações bilaterais 

Chegando a contar com mais de 30 embaixadas em solo afegão, poucas restaram.

O reconhecimento do governo que controla o Afeganistão, agora chamado de Emirado Islâmico do Afeganistão, pode explicar o baixo número de representações diplomáticas e de relações bilaterais que se seguiram ou foram restabelecidas após a tomada de poder.

A retirada da palavra República do nome oficial do país é somente a ponta do icebergue. Oficialmente o reconhecimento do país por pares internacionais é questionado, mas, há sim relações bilaterais mantidas de forma extra oficial com outros países da região, sobretudo, os que estão “ajudando” na reconstrução da infraestrutura básica do país – que foi fortemente atingida de forma não intencional e até mesmo, intencional, como a estrutura aérea que foi completamente destruída na retirada das forças internacionais.

Emirados Árabes Unidos, um nome nada novo e repleto de controvérsias para os interessados por relações internacionais. No caso do Afeganistão, hoje os Emirados Árabes Unidos se tornaram peça chave para a manutenção do regime, inclusive, sendo um dos poucos países a reabrir seus postos diplomáticos no país. Junto da seleta lista de nações que tomaram esse ato político-estratégico, estão China, Rússia, Paquistão e Turcomenistão — as informações são difusas, como muito que envolve o regime.

Assim, ainda em meio há tantas incertezas no que envolvem o país, um fato é amplamente divulgado pelo Talibã: o novo “governo” está empenhado na retomada e reconstrução das relações com parceiros que consideram estratégicos, seja pela importância que eles detêm no sistema internacional ou pela capacidade de investimentos que podem dispor para o financiamento de um governo sem rec

Talvez, caro leitor, você esteja se perguntando qual a conexão entre relações bilaterais e espaço aéreo no Afeganistão. É uma pergunta válida e espero explicar, ainda que brevemente, como é importante entender a reconstrução do espaço aéreo como fonte de financiamento e manutenção do novo governo.

Como mencionado anteriormente, a infraestrutura de controle aéreo do país foi fortemente danificado durante o esvaziamento de militares, membros do então governo, funcionários civis de governos estrangeiros e apoiadores locais. Cabul, como um último símbolo da presença norte-americana no país, viu o seu aeroporto se tornar foco de atenção da comunidade e da mídia internacional em agosto de 2021, com todos acompanhando com atenção até o dia 31 — data final para retirada das tropas estrangeiras.

O espaço aéreo, imediatamente após a retirada das forças que ainda mantinham a torre de controle e radares em funcionamento, passou a ser classificado como descontrolado. Em certo momento, segundo as fontes internacionais, o próprio governo dos Emirados Árabes Unidos usou de sua infraestrutura para manter algum controle sobre o espaço aéreo Afegão, sob acordo junto ao governo Talibã.

Em março de 2022, cerca de sete meses depois da queda da República, o primeiro acordo foi oficialmente assinado junto aos Emirados. O país saiu na frente de uma negociação que envolvia a Turquia e Catar, estes que exigiam ter seu próprio pessoal de segurança nos aeroportos.

Já em maio de 2022, nove meses depois das cenas de aviões militares lotados partindo do Aeroporto de Cabul, o segundo acordo foi assinado pela mesma empresa do primeiro acordo, uma holding de Abu Dhabi. Este segundo acordo, posterior ao acordo de assistência de março, envolveu a operacionalização e institucionalização do controle aéreo.

O acordo final, de 8 de setembro de 2022, reforça a importância que o governo afegão dá ao seu parceiro de Abu Dhabi. Com este acordo, o país finalmente ganhou um novo controlador aéreo, que prometeu investir 300 milhões de dólares pelos próximos anos, cobrindo os três aeroportos internacionais do país.

A perspectiva atual é de esperança, ao menos por parte do governo Talibã. Espera-se, ainda com resultados aquém das expectativas, chegar, um dia, próximo dos 1200 vôos que chegavam a aterrissar em Cabul e dos outros milagres que usavam o seu espaço aéreo – ação que demanda o pagamento de uma taxa de centena de dólares por cada companhia para seu uso, mesmo que não aterrisse no país.

Reconhecendo a importância do Aeroporto de Cabul, além dos demais, para a entrada de capital, pessoal e importações, o Talibã vê a indústria da aviação como uma luz no fim do túnel. Em um regime que luta para sobreviver, uma vez que as contas do antigo governo afegão não estão sob seu controle, qualquer dólar é um pote de moedas no fim do arco-íris.


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Gustavo Ferreira Felisberto

Eu divido meu tempo livre entre leituras e conteúdo audiovisual, ficção científica é o meu gênero predileto nos dois formatos (apesar de adorar comédia), sendo Duna meu livro favorito, enquanto Twelve Monkeys e Jurassic Park ganham o posto de série e filme que mais gosto.