Recentemente, assistiu-se uma comoção ímpar com os refugiados da guerra na Ucrânia, países como a Polônia adotaram políticas rápidas para atender milhões de pessoas que tiveram que deixar suas casas para salvaguardar a sua própria vida e a de seus familiares. São vizinhos, amigos e parentes que viram sua rotina se transmutar de atividades corriqueiras para uma diáspora para outro país. Mas os grandes fluxos migratórios sempre existiram, dessa vez acompanhamos pelas mídias sociais e imprensa, os milhares e até milhões de refugiados em busca de uma digna vida.
Foto: Europa recebeu 1 milhão de imigrantes da África Subsaariana desde 2010 –
Fonte: Folha de São Paulo.
Não é exclusividade destes tempos, acompanhou-se, anteriormente à guerra na Ucrânia, milhares de refugiados africanos que fugiam e fogem da perseguição, da fome e do desemprego. Mas o verdadeiro problema encontrado nesse diálogo cada vez mais integrado entre culturas, é como as sociedades que recebem esses refugiados se comportam nesse relacionamento intercultural. Acompanhou-se uma onda ao redor do planeta que buscava apontar os problemas internos das nações atribuindo aos refugiados uma culpa que jamais seriam titulares.
Em reação a esse movimento, procura-se mostrar que promovendo soluções duráveis para os refugiados por meio de uma interação cada vez maior entre culturas construir-se-á uma sociedade multicultural pacífica. Em primeiro lugar, podemos nos basear na divisa identificada por Kant e celebrada por diversas nações, a dignidade humana, atributo de caráter personalíssimo do humano e que é universal quanto a titularidade. Esse princípio norteia a nossa e outras constituições ao redor planeta onde os direitos fundamentais são garantidos.
Colocando a dignidade humana como porque-ser da sociedade internacional, poderemos enfim vivermos em paz e conjuntamente baseando-se em valores universais, como o direito à vida. Em segundo lugar, faz-se necessário reconhecer que esses valores universais apenas estão suprimidos pela interpretação de determinado poder hegemônico na dinâmica de uma sociedade, impedindo aos participantes daquela cultura requerer sua titularidade e sua aplicabilidade como mostrado pelo professor Vicente Barretto em seu artigo em que trata sobre a transversalidade dos direitos humanos. Portanto, pode-se entender até aqui que é sim possível construir essas soluções duráveis estruturando-se no que tem-se em comum entre as culturas.
Partindo para a primeira das soluções duráveis, a Agência da ONU para Refugiados coloca cinco soluções possíveis para os refugiados que comentar-se-á seguir. A primeira delas é a integração local, movimento pelo qual o refugiado passa a fazer parte dos ditames da vida em sociedade da cultura que o recebeu, respeitando suas diferenças e celebrando na medida que a recepciona. No Brasil, cabe essa reflexão, o refugiado deve seguir um procedimento de pedido de asilo que normalmente é feito na Polícia Federal, por mais que passe imperceptível, por nós brasileiros, é importante destacar que, mesmo que subjetivamente, colocamos o refugiado como se pudesse ser um risco em potencial, pois sua porta de entrada no país se dá justamente em unidade policial.
Faz-se importante essa colocação pois a integração local também deve se dar no método em que o Estado reconhece seu direito de asilar-se, reconhecendo sua dignidade. A segunda solução é o reassentamento, procedimento em que os refugiados são convidados a se estabelecer em um outro país que lhes dê uma maior proteção legal e física. Identifica-se que essa proteção legal estrutura-se no reconhecimento de seus direitos civis, políticos e sociais, para além de apenas seu estabelecimento em território nacional. Buscando esse reconhecimento, mesmo que em caráter inicial, a ACNUR celebrou o Estatuto do Refugiado em 1951, observando os já grandes fluxos migratórios da época.
Foto: Assinatura da Convenção de 1951– Fonte: ACNUR.
A repatriação voluntária é, em conjunto com as outras soluções que falou-se anteriormente, parte do esforço de assistência ao refugiado que, nesse caso, se estrutura no oferecimento de ajuda para a volta do refugiado à sua pátria. Esse processo se configura por uma assistência dada ao refugiado procurando identificar as condições seguras para seu retorno, garantindo-lhe onde morar e como estabelecer subsistência. Esse trabalho é desenvolvido pela ONU, se mostrou importantíssimo em Angola e bem recentemente se estabeleceu na República do Congo.
O refugiado é forçado a abandonar o seu país seja por motivo de guerra, desastre natural, perseguição política, religiosa ou étnica, e um dos principais desafios é reunir novamente a família dos refugiados. A reestruturação da família ou reunião familiar é mais uma das soluções e procura reunir novamente os membros da família que foram separados ao fugir de sua pátria. A ideia é reintegrar a unidade social que encontravam quando em seu país de origem e garantindo que as gerações futuras permaneçam em contato com a cultura e costumes do local e que possam estabelecê-las quando retornarem.
Foto: Acnur volta a repatriar congoleses de Angola após pausa pela Covid-19 – Fonte: UN News.
E claro, a assistência em dinheiro é uma das mais importantes etapas pois esse processo passa pelo apoio médico, psicológico, jurídico e que demanda recursos. Arrecadar recursos é garantir a sobrevivência dessas soluções duráveis e dos indivíduos que delas dependem. Portanto, coloca-se aqui uma das soluções garantidoras de todas as outras e que, salvo melhor juízo, auxilia no aparecimento de novas soluções.
Por fim, cabe reconhecer que é possível estabelecer um diálogo multicultural baseado na dignidade humana, sem desobedecer as peculiaridades locais. A missão, logo, é a de criar mecanismos garantidores da eficácia das soluções que citou-se, provocando uma maior integração dos refugiados e celebrando a unidade na pluralidade. Retornando a reflexão de Kant, um objeto tem preço e o humano tem dignidade, e acrescento, ao passo que é indisponível, inalienável, impenhorável e, acima de tudo, inegociável.