Tempo de leitura: Se eu disser que são apenas cinco minutos você fica? Desculpe-me, não posso dizer isso, mas recomendo uma boa dose de café. Se preferir, prepare um mate.
Com a chegada do PelotasMUN 2021, internamente surgiu a necessidade de trabalhar mais o aspecto jornalístico da Press, pois durante o ano inteiro e também no ano anterior, a comunicação tem sido parte da nossa rotina. São posts, e-mails, edições, vídeos, mensagens, convites, lives, mas o jornalismo havia ficado de fora. Jornalismo fora da Press? Sim, eu sei que pode parecer contraditório, caro leitor. Do caos tudo floresce, mas não, não havia caos, tinhamos dúvidas – todos temos. Então era o momento de procurar alguém, um jornalista não para noticiar, e sim para conversar.
Assim, surgiu a ideia de que fosse alguém da UFPel, por que não? Como um projeto de extensão, é natural buscar se apropriar das oportunidades locais para lidar com questões mais amplas. A parte jornalítica do Guia de Estudos já havia sido escrita, não, não era mais sobre esse conteúdo, queriamos agregar ainda mais conhecimento, experiência, contato aos nossos “jornalistas”. Tornar a experiência deles, assim como dos delegados, a mais completa possível – e que tarefa, não é mesmo?
Bem, em meados do final de setembro tinhamos o nome. Eduardo Ritter, um professor que escrevia sobre jornalismo internacional, mas não era sua área de pesquisa. A Press é uma área que carrega o nome da imprensa em seu nome, mas não é nosso objeto principal. Se houver semelhança, certamente é uma mera coincidência provocada pelo Cosmos – sim leitor, o autor é um grande fã do espaço e ama usar analogias questionáveis em qualquer oportunidade. Por razões pessoais, a entrevista teria de ficar para o início de outubro, não havia problema, a simulação ainda estava longe. Havia tempo. A primeira semana de outubro chegou, logo depois retornamos o contato, o tão sonhado contato presencial, frente a frente, voz com voz, olhar com olhar, fora cogitado, mas foi por meio de uma chamada do Meet – quase encerrada pelo limite de tempo aos 60 minutos – que a entrevista aconteceu.
Dia 19/10/2021, em uma terça-feira ensolarada, Gustavo Ferreira, Bento Sena e Eduardo Ritter conversaram, fruto desta troca de palavras, tal como um papo com um colega – pela fluídez e quantidade de temas trabalhados -, a presente entrevista nasceu. Fora concebida por volta das 14h00 do tal dia ensolarado, sendo uma materialização em timing perfeito para os nossos “jornalistas por dois dias”, delegados e outros apaixonados por simulações que nos acomapanham.
Em entrevista ao PelotasMUN, Eduardo Ritter conta como o jornalismo internacional faz parte de sua vida, reflete sobre seus trabalhos, nos conta sobre seu novo livro, sua trajetória acadêmica, profissional e pessoal enquanto um homem chegando na casa dos 40 anos. Com certa curiorisidade, nos questionou porque ele, como haviamos chegado ao seu nome. Não, essa explicação não faz parte da entrevista, mas acreditamos que ao final deste post você irá entender. Às vezes, precisamos nos encontrar, descobrir o que já está instaurado, o que já fazemos, o que já carregamos, bem, talvez este final de parágrafo seja a segunda opção no final da mini biografia que deixei ao fim do post, mas as palavras são o que sentimos e esperamos que sintam ao ler a transcrição abaixo.
Confira a seguir, os principais trechos da entrevista:
Gustavo Ferreira – Antes de iniciarmos com as perguntas, gostaria de agradecer novamente ao senhor por aceitar o convite para conversar conosco! Você é professor no curso de jornalismo na UFPel, também tem experiência em portais de notícia, rádios, já publicou diversos artigos e escreveu dois livros. É uma grande história, o senhor poderia contar para nós e nossos leitores quem é Eduardo Ritter?
Eduardo Ritter – Sou formado em jornalismo, sou do interior do Estado, nasci em Santo Ângelo na 1981. Inclusive dia 21 de outubro, quinta-feira, é meu aniversário de 40 anos. Eu fiz a graduação na minha região, sou natural de Santo Ângelo e me formei em jornalismo na UNIJUÍ, em Ijuí no noroeste do estado. As únicas federais que tinham jornalismo era UFSM de Santa Maria e a UFRGS, então o próprio FIES (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior) acabou sendo fundamental para eu poder fazer a graduação. Eu trabalhei já durante a graduação praticamente desde o início do curso em rádio na “Rádio Jornal da Manhã” no “Jornal da Manhã” de Ijuí. Quando estava me formando, fiz um estágio curto de 6 meses no (setor de) esportes da Rádio Gaúcha, Porto Alegre.
Nesse período eu já tinha interesse pela pesquisa, tive incentivo grande de alguns professores na universidade pela parte da pesquisa. Então eu sempre também gostei de jornalismo literário. Meu TCC foi sobre o Érico Veríssimo, então já tive, digamos assim, a ideia e a vontade de fazer o mestrado na área, seguindo com a pesquisa sobre jornalismo literário. Nesse meio tempo, no ano do Centenário do Érico Veríssimo, eu tive contato com o professor Antônio Hohlfeldt.
[…] Nessa altura eu tive a ideia de fazer meu mestrado na PUC, em Porto Alegre. Acabei levando 3 anos para ser selecionado, claro porque eu dependia de bolsa também. No final consegui a bolsa só na terceira seleção lá por 2010, nesse tempo eu trabalhei também numa agência de comunicação, mas o foco principal era rádio em Bento Gonçalves na Serra. Fiz um mestrado com professor Hohlfeldt, originando o (meu) primeiro livro do Érico Veríssimo, Tribo Jornalística de Erico Verissimo. Voltei a trabalhar no mercado, voltei para minha cidade, para o “Jornal da Manhã”, minha filha então tinha recém-nascido.
Antes de eu entrar no doutorado, abriu concurso para substituto aqui na UFPel (Universidade Federal de Pelotas) em 2011. Vim para Pelotas como substituto, então também entrei no doutorado na PUC, com a orientação da professora Beatriz Dornelles. Acabou coincidindo com o fim do meu contrato de substituto, então a possibilidade da bolsa sanduíche (Programa de Doutorado-sanduíche no Exterior – PDSE) possibilitou que eu fosse para a universidade de Nova York, com orientação do professor Robert Boynton. Nova York tem um departamento específico do jornalismo literário, eu fiquei um ano em Nova York, tive a oportunidade também de visitar a sede da ONU, seguindo aquela programação tradicional.
Com empolgação que parecia reviver os momentos de outrora, Eduardo compartilhou detalhes do período em que esteve nos Estados Unidos – tema que seria a segunda pergunta de nossa entrevista. Sua animação, o afinco com que contava, era, certamente, o relembrar de uma parte importante de sua vida. Um jornalista, que por força da profissão costuma contar a história e os fatos da vida de outros, nos contava sobre si mesmo com a naturalidade de quem está acostumado com as palavras, de quem vive delas – Gustavo Ferreira.
Pesquisei o jornalismo Gonzo que dá origem ao meu segundo livro e, enquanto eu tive nos Estados Unidos, acabei no primeiro semestre frequentando aulas tanto do professor Boynton, quanto as do professor Rodney Benson – que é mais da comunicação no NYU (New York Univesity). Quando eu acabei o segundo semestre, viajei pelo país, entrevistei a viúva do Hunter Thompson no Colorado, em Aspen. Fui nos lugares onde ele atuou mais marcantemente, então também passei por Washington. Em resumo, cruzei de ônibus parando nas cidades no caminho até chegar em San Diego, do outro lado. Entrevistei o professor Henry Jenkis, autor da “Cultura da convergência” e outras obras. Subi até o Colorado fiz a entrevista com a viúva do Hunter Thompson e fui voltando. Passei por Holcombi, o que é a cidade onde aconteceu a chacina que originou o livro “A sangue-frio” do Truman Capote.
“Nunca parei para pensar tanto sobre alguns pontos que se conectam com jornalismo internacional, agora com vocês é que estou me dando conta, até inclusive com os artigos que escrevi, porque às vezes eu fiz, mas com foco, por exemplo, no jornalismo literário. […] Muitas vezes se tem uma ideia do jornalismo internacional como o correspondente, o sujeito que está lá trabalhando fora do país, só que acaba sendo bem mais amplo.”
Quando eu voltei, finalizei o doutorado e nesse período também deu para trabalhar como professor substituto na UNIPAMPA. Relacionado um pouco com o jornalismo internacional, nesse período que eu estava lá, contribui esporadicamente com alguns veículos. Eu mantive uma coluna em alguns jornais e fiz algumas contribuições da Revista Bula, por exemplo, mais de circulação nacional. Após essa experiência, eu fui para a UFSM de Frederico, já como professor adjunto, mas por questões pessoais minha família e eu optamos por pedir a transferência para Pelotas em 2019.
Hoje, tenho a coluna no Diário Popular mais sobre literatura, que fazia parte do projeto de extensão, um programa na rádio da UFPel sobre literatura. Mas eu sempre tento manter assim de certa forma, um vínculo com a prática jornalística.
Em resumo, essa foi a minha trajetória. E agora, até como o Gustavo falou, eu tive dois livros publicados e está em processo de edição o terceiro. Porém, é mais literatura mesmo com mais contos e crônicas. Ele vai ser publicado pela editora Insular de Florianópolis e está em processo final de edição. Então eu completo em 2021, 15 anos de contribuição com colunas para imprensa, para diversos veículos. Eu resolvi fazer uma coletânea, revisando os textos e espero que até dezembro esteja pronto, mas eu já tô começando a achar que vai ficar para 2022 o lançamento.
Gustavo Ferreira – Como jornalista, o senhor também deve ser um grande consumidor de conteúdo jornalístico. Estando em New York, poderia ter acesso às versões impressas de jornais como o New York Times e outros periódicos de grande circulação. O senhor sentiu diferença ao consumir conteúdo jornalístico durante o período que esteve em New York?
Eduardo Ritter – Sim, teve até um artigo que eu apresentei no Intercom de 2015, no Rio de Janeiro, sobre o canal New York One – um canal de notícia local. Ele é um canal de TV com 24 horas de notícia, hard news. A diferença, por exemplo, dos nossos veículos de comunicação como Band news, Globo News, CNN entre outros, é que ele só trata de Nova York. Então ali fiz até a contextualização da empresa, de outras cidades que trabalham com o mesmo modelo.
Eu aproveitei em Nova York, mas acabei pecando no sentido de visitar o The New York Times, procurei para agendar uma visita na minha última semana, então eu não consegui ir. Mas visitei a redação do Chicago Tribune e também do Jornal de San Diego, que agora me fugiu o nome. Foram experiências legais, eu conversei com os editores, participei de uma reunião de pauta em Chicago e quando eu passei por lá eu fiz esse adiantamento prévio […] acabei contatando antes e fiz essas visitas, conversei com os editores. Cheguei a visitar lá o prédio Watergate que aconteceu todo episódio contado no filme e no livro “Todos os homens do presidente”, sendo um símbolo do jornalismo investigativo.
Eu fiquei só dois dias em Washington e acabei também perdendo a oportunidade de visitar o Washington Post, mas Chicago e San Diego foi legal ter conhecido. San Diego tem uma editoria que seria editoria militar, focando assim naquela questão da fronteira com o México, sendo ela a fronteira com maior circulação no mundo, então eles têm uma editoria específica.
Mas em relação ao consumo, além principalmente dos websites, eu usava muito o jornalismo lá – principalmente nesse ponto mais de serviço e de programação cultural. Há algumas diferenças culturais que dá para sentir, nas próprias pautas. […] Eu comecei a ver que, claro lá tem muita segurança, então acaba sendo mais comum um assalto em Ijuí do que em Nova Iorque. Então são questões que chamam atenção, pois é outra realidade, o mesmo vale para na Europa. O que chama a atenção são questões de problemas estruturais dos países, claro, principalmente os que estão mais em desenvolvimento. Alguns problemas que lá estão resolvidos praticamente, nós não estamos nem muito perto de resolver algumas questões sociais.
Gustavo Ferreira – Este ano foi publicado um artigo do senhor analisando a cobertura dos sites dos principais jornais da América do Sul sobre a eleição do atual presidente do nosso país. O senhor também nos informou que sua área de pesquisa é Jornalismo literário, assim, como surgiu esse interesse por explorar esse lado mais relacionado ao jornalismo internacional e ao jornalismo político? No ano passado, o senhor também publicou um artigo sobre a cobertura do Clarín – periódico argentino – cobrindo a Covid-19 e o governo.
Eduardo Ritter – Então, como falei, às vezes nós nem percebemos o tema da pesquisa e depois fazendo é que nos damos conta. O jornalismo internacional acaba passando para além dessa questão do correspondente, contratado por um jornal e vai trabalhar em outro país, que é o que geralmente as pessoas pensam quando se fala em jornalismo internacional.
Em relação ao primeiro antigo de 2018, eu lembro que foi no dia da eleição mesmo, foi até a partir de um ponto quase que pessoal, de eu ir ver por curiosidade o que os veículos estavam falando sobre a eleição. Porque se falava muito na própria campanha de Venezuela, de Argentina e de Uruguai e talvez meio que esse “instinto” jornalístico, assim, eu quis checar para ver. Aí eu pensei que poderia dar um artigo, então no dia mesmo separai esse material. Acabei entrando em todos os sites, fiz essa seleção dos que tinham maior circulação. No dia eu fiquei ali trabalhando nessa apuração do material, depois eu acabei usando o material para escrever o artigo.
“Claro há a questão da importância que teve, importância histórica e era algo que estava acontecendo e que certamente vai ser estudado daqui a muitas gerações, para as pessoas tentarem entender o que aconteceu, tentar dar um sentido para tudo isso.”
Também tem a questão das revistas acadêmicas que eu submeti ainda no final de 2018, era para sair bem antes, mas se você acompanha esse mundo acadêmico tem esse “probleminha” que muitas vezes demora. Até ser avaliado, até ser feito as alterações, até ser editado acabando saindo um ano, às vezes dois anos depois o artigo. Então, na verdade, quando nós produzimos, já tem que pensar para não ficar muito factual.
O segundo artigo foi sobre o Clarin, sobre a covid também foi parecido, a pandemia estava rolando e tinha essa diferença nos números, o Brasil disparado na comparação com toda América Latina. Isso chama muita atenção, como a população reagiu tendo uma divisão assim, mas isso já é outra conversa. Os números de mortes disparando e as pessoas de certa forma defendendo uma continuidade da política que tava sendo adotado aqui, enfim. Também despertou a curiosidade como que os outros países estavam olhando para o Brasil, acabei até vendo como levaram políticas diferentes adotadas pelos governos brasileiro e argentino. Então surgiu essa curiosidade de ver como um país estava cobrindo o outro, claro, acabou envolvendo jornalismo internacional e jornalismo político também.
Mas a curiosidade nasceu a partir desse momento, um pouco também antes devido ao fato que eu acabei ministrando a disciplina que eu comentei antes de Comunicação e fronteira quando eu fui substituto UNIPAMPA, onde já estava pesquisando a América Latina, jornalismo e literatura no período. E, nessa altura, dentro disso também de buscar e acompanhar o que estava contando no momento, tendo todo esse histórico que é refletido aí pelos autores que tratam essa temática como o Galeano, então entender um pouco a sociedade tanto do Brasil quanto da América Latina.
Gustavo Ferreira – Foi bom o senhor falar isso, porque realmente, a gente vai linkando os assuntos que estamos tratando e acabamos abordando outros que a gente nem percebe.
Eduardo Ritter – Vou só acrescentar um ponto, a (respeito da) pesquisa que eu fiz sobre o Hunter Thompson, que é o jornalista que criou o jornalismo Gonzo – que foi uma vertente ali dos anos 60/70. Tem uma passagem dele no início da carreira que os leitores de maneira geral não conhecem, porque acabam conhecendo muito mais das obras que ficaram mais famosas dele, como “Medo e Delírio em Las Vegas”. Ele ficou um ano como correspondente do jornal Wall Street na América Latina. […] Ali também tem muitos pontos que é interessante desses textos dele, que são do início da carreira e que também ajudam a entender, porque é um olhar de alguém de fora, um americano, que veio por conta própria, na vontade de ser escritor, de viajar, que quis vir para a América do Sul.
Ele critica muito os correspondentes americanos que escrevem da América do Sul a partir dos Estados Unidos. E muitas dessas descrições são muito atuais em relação a essas diferenças que nós comentamos antes, então ele coloca de uma maneira às vezes até engraçada esse choque cultural – que acontece tanto quando a gente vai para outros países quando acontece o inverso. É muito atual, são textos dos anos 60/70, que ajudam também de certa forma a entender, como boa parte da literatura, feita sobre determinados lugares, em determinados momentos. A biografia do Pablo Neruda, Confesso que vivi, é muito explicativa, a gente lê e ajuda explicar o momento que vivemos hoje no mundo, na América Latina.
Eu comentava no passado, quando aconteceu a eleição do Biden contra o Trump, e o Hunter Thompson cobriu também política no período da reeleição do Nixon, ele odiava o Nixon, e lendo a obra dele, dá para dizer que reviveu quase o que aconteceu nos anos 70, cinquenta anos depois os mesmos discursos, é praticamente uma repetição. E eu até acabei de assistir à série “The Godfather of Harlem”, “O Poderoso Chefão do Harlem”, trata de um gangster do Harlem que dominava o tráfico na época dos anos 60.
Ao abordar o Harlem, fizemos alguns comentários e Eduardo mencionou que morou no bairro em questão enquanto estava em New York. Como um lampenjo, mantendo a mesma empolgação de muitos minutos antes, Ritter compartilhava sua história alternando entre as perguntas e comentários – estes, que nos permitem conhecer não apenas mais sobre ele, mas sobre o próprio período conturbado que dia após dia observamos e, inevitavelmente, também somos atores – Gustavo Ferreira.
O Bumpy Johnson é o personagem principal, é o chefão do Harlem e o Malcolm X como o personagem da série, os dois são personagens que existiram, mas mostra como era a discussão dos americanos que defendiam o segregacionismo na época, um discurso que voltou em 2020 com a campanha do Trump, e que… (houve durante) o governo Trump muitas repetições de discurso. Realmente, a literatura da época ajuda muito a gente entender, e se a gente voltar mais, ler Tolstoi, “Guerra e Paz”, a gente vê, uma descrição dele em determinado momento que a França está invadindo com o Napoleão à Rússia, e uma parte da alta sociedade russa torcia para os franceses dominarem, para eles serem França. A gente vê que se repete essas histórias, assim, a gente às vezes tem dificuldade de entender, então (tem) a literatura e essas questões de diferenças culturais, mas que, no fundo, acaba revelando um lado humano. Independente da região, problemas acabam se repetindo em vários pontos do globo, em culturas bem diferentes.
Gustavo Ferreira – Professor, o senhor também é responsável por ministrar a disciplina de “Produção da Notícia” e de “Teorias do Jornalismo”?
Eduardo Ritter – Sim, esse semestre eu estou ministrando essas duas.
Gustavo Ferreira – Em nosso Guia de Estudos, que o Bento falou anteriormente, a gente fornece esse documento para que os nossos participantes possam estudar os temas que serão trabalhados por cada comitê. Este ano, a gente também escreveu uma pequena parte sobre a imprensa internacional, e explicamos o conceito de linha editorial enquanto política de posicionamento de um periódico. Usamos como exemplo o fato do Le Monde se referir ao líder de Belarus como ditador, enquanto o China Daily se referia ao mesmo como presidente. O senhor poderia nos explicar um pouco mais como funciona essa questão de linha editorial? E porque os jornais adotam uma linha editorial?
Eduardo Ritter – O editorial dos veículos nos gêneros jornalísticos fica no jornalismo opinativo, então em uma divisão mais básica, a gente tem o jornalismo informativo e o jornalismo opinativo. Tem autores que desdobram de diferentes maneiras, o José Marques de Melo, um dos grandes nomes da pesquisa do jornalismo brasileiro – foi fundador da Intercom e um dos líderes da criação da própria escola de comunicação de artes da USP. Ele tem um livro que se chama “Gêneros Jornalísticos”, onde vai dividir em jornalismo opinativo, informativo, tem outras categorias, que podem entrar das outras, que seria o diversional, de serviço e agora o último me fugiu aqui, mas enfim, os principais são o jornalismo opinativo e o informativo.
Então, o editorial está dentro do opinativo, ele é um texto que vai apresentar a opinião do jornal, da empresa. Pensando no jornal como empresa ou como instituição, mesmo que seja uma instituição governamental, então o editorial é um texto opinativo que representa a posição do veículo diante dos acontecimentos, diante dos fatos, das notícias, etc. Pensando nos veículos jornalísticos que são empresas, vai ter aquela estrutura administrativa, mas vai ter muito a questão, às vezes, do histórico familiar. O New York Times, por exemplo, começa quando compra o jornal falido e depois vai seguindo até hoje, a família dos descendentes. O Roberto Marinho, a família Marinho na Globo, então tem muito disso.
Por exemplo, em um editorial, pensar num jornal mais local aqui, a Zero Hora, vai ser a posição da empresa Zero Hora, do jornal, sobre algum acontecimento. Alguns editoriais são emblemáticos, às vezes até o veículo apoia, por exemplo, um candidato publicamente ou não, se posiciona diante dos fatos. O editorial é esse espaço onde o veículo se posiciona publicamente sobre os temas, então a utilização dessas palavras é como o veículo, como o Le Monde no caso, como ele entende, no caso é a opinião dele. É o posicionamento dele de chamar a figura ou de presidente, ou de ditador, então é de jornalismo opinativo, o editorial.
Bento Sena – Sim, eu queria te fazer uma pergunta, professor. Na nossa simulação, assim como na vida real, os delegados que vão, digamos assim, interpretar jornalistas, diplomatas, muitas vezes vão estar em uma posição em que eles não concordam com aquelas políticas da sua delegação. O delegado que vai estar representando na Assembleia Geral o país que desrespeita os direitos humanos, ele como pessoa não concorda com isso, mas ele tem que estar ali vestindo aquele caráter. No jornalismo, o senhor já teve alguma experiência assim? E como existe essa interação de jornalista com a linha editorial do Jornal? O jornalista como pessoa pensante, tem uma opinião e aí ela no jornal que tem uma linha talvez não divergente, mas não é bem aquela, ele precisa se realocar e lidar com essa situação. Como funciona?
Eduardo Ritter – Dentro das teorias do jornalismo, há uma teoria que se chama, na verdade é uma teoria da administração, mas que foi trazida pelos pesquisadores do jornalismo para a área do jornalismo, a teoria organizacional. Vai falar justamente disso, da cultura da organização, das pressões externas ou internas, sobre o jornalista que vai tratar da autonomia, sendo uma autonomia relativa. Ele não tem uma autonomia total, a não ser que ele esteja fazendo um trabalho independente, como no livro “Reportagem” em que ele não vai ter ninguém para se justificar, vai ter o público, mas não vai ter ninguém no sentido de cargos de chefia, então o jornalista pensando em uma situação tradicional, ele realmente tem que se adaptar, tem duas situações.
Tem a situação em que, por exemplo, a folha de São Paulo tem uma folha que ali vai está tudo explicitado, desde a maneira de escrever, estilo, questões éticas, etc. Então vai ter, às vezes, essa orientação mais explícita, pode estar no manual, pode estar em reuniões, etc. E tem aquela questão mais da cultura da empresa, que às vezes o jornalista chega e ele vai sentindo aquela situação clássica que a gente tem, às vezes, em um veículo que o prefeito da cidade é dono, ou a oposição do prefeito é o dono. Ele se auto censura, às vezes ele tem uma denúncia, mas se a prefeitura está envolvida ele já nem vai ver, porque ele imagina que se ele for pode perder o emprego. Mas o jornalista tem que se adaptar, o que tem acontecido principalmente nos últimos anos com a possibilidade online, às vezes o jornalista se valer de outros espaços para colocar a opinião dele, como blogs, canais no Youtube etc. […] O Caco Barcellos também nas entrevistas, tem várias no Youtube, tem uma que ele coloca de uma maneira bem enfática assim, que ele passou a escrever livros de reportagem, “O Abusado”, “Rota 66”. Porque ele falou que ia surtar, ele ia abandonar a profissão, ele via tudo aquilo que acontecia e não tinha espaço na TV para expor.
Mas de maneira geral, quando há essa divergência mais forte, as empresas jornalísticas são como outras empresas, no sentido de que muda muito de uma para outra […] vai da questão muito pessoal do jornalista de aceitar ou não, o Hunter Thompson, por exemplo, a biografia dele, é toda nesse sentido de confronto. por isso que eu uso termo da parrésia. No trabalho dele, porque ele se colocava muito em risco, não só, não risco necessariamente de físico, mas de perder emprego, de perder dinheiro, etc. Ele comprava muita briga, porque ele meio que não se adaptava, ele brigava com praticamente todo mundo e por isso que ele até de certa forma ele é uma exceção. […] Então tem uma série de questões complexas que dá pra se pensar e se discutir, mas quando tem essa necessidade, aí realmente é uma questão pessoal do jornalista aceitar ou não, ele pode ou confrontar e ver o que dá, ver se vai ser demitido ou ele mesmo sair ou ele se adaptar. São as opções.
Gustavo Ferreira – Professor, este ano, infelizmente, a gente não selecionou nenhum periódico latino-americano para compor os nossos jornais da Press. Temos o norte-americano Vox, o estatal chinês China Daily, o Le Monde, o britânico The Guardian e o Al Jazeera do Oriente Médio (da região). Em seu artigo sobre Covid-19 e o Governo o senhor usou a frase do Galeano para se referir a América Latina, “um arquipélago de países desconectados entre si”. Essa certa desconexão, ela também se reflete nas notícias que são produzidas e consumidas aqui na região?
Eduardo Ritter – Sim e não. Dá para dizer que por um lado se tem uma padronização, que observando os sites se tem uma padronização, claro que é referente a questão profissional, mas se tem muito a utilização de textos de agências de notícias. Então em alguns casos é para o mesmo texto dois veículos de países diferentes porque eles publicaram os textos das agências. Por outros sim, têm ainda suas particularidades e questões culturais e também muito pensando nessa questão mais geográfica, tem isso de que se muda muito. Mesmo dentro de uma mesma região, há universos totalmente diferentes, às vezes entre dois veículos, a gente pode ter dois veículos em Porto Alegre que podem ter abordagens totalmente diferentes, a gente pode ter dois veículos em qualquer cidade. Se você pegar um vai ficar com uma impressão e se pegar outro vai ficar com outra em relação a essa abordagem sobre os acontecimentos.
Agora, a gente de novo tem uma separação do jornalismo opinativo do informativo. No opinativo, vai se ter essa diferença maior, mas aqui estou falando, só para frisar, acho que não falei em nenhum momento, eu estou falando de jornalismo no sentido tradicional. Então principalmente veículos que tem uma história dentro do seu país, dentro da sua região. Aqui não estou incluindo sites de fake news, esses blogs, que estão transvestidos de jornalismo, que estão disfarçados de jornalismo. Enfim, pode se falar que tem mais audiência do que o jornalismo tradicional, mas eu estou falando do jornalismo praticado pelos veículos jornalísticos, pelas empresas jornalísticas… se for entrar na questão de site criados com o intuito de criar fake news, eu não estou considerando (abordar esses sites).
Gustavo Ferreira – Professor, muitos dos nossos participantes não são alunos de jornalismo, então eles não possuem conhecimento prévio de como escrever uma notícia. Gosto de chamar eles de “jornalistas por dois dias”, já que nosso evento online terá somente dois dias. Quais dicas sobre como produzir uma notícia o senhor poderia dar para os nossos participantes? Tem algum cuidado essencial que eles não podem deixar de ter? Ainda que eles não sejam jornalistas.
Eduardo Ritter – Sim, tem algumas. Dando essas disciplinas de primeiro semestre durante vários anos, a gente acaba percebendo aqueles vícios mais comuns de quando a pessoa entra no curso. A primeira dica que eu dou para o pessoal que entra é adquirir o costume muito justamente de ler os sites de empresas jornalísticas tradicionais, já consolidadas, independente de concordar ou discordar da política editorial. Se tem um consenso que a objetividade pura não existe, a escolha de palavra já vai ser subjetiva, então se tentará, no possível, buscar uma ideia de objetividade, de isenção. Então, para isso, tem algumas técnicas que se consolidaram temporalmente como, por exemplo, evitar o uso de adjetivos, e essa é uma coisa muito comum que acontece quando o pessoal entra (no curso de jornalismo). O jornalismo esportivo é talvez a exceção, porque é comum o jornalista dizer que o time jogou bem, que jogou mal. Então tu vais usar adjetivo mais facilmente no jornalismo esportivo, mas fora o jornalismo esportivo não vai usar adjetivos, colocar a opinião, frases, palavras que são de opinião.
Então, às vezes são questões mais sutis, às vezes mais explícitas, como por exemplo dizer que tu tens uma situação que tu vais optar, tem vários caminhos, tu podes optar por várias possibilidades e digamos o governo, independentemente de esfera, fez uma opção e daí o jornalista pode pensar que foi uma opção errada, mas ele não vai poder dizer isso na notícia, ele vai poder dizer isso na coluna de opinião. Ele terá que ouvir fontes, analistas, especialistas dos quais darão a opinião, aí vai usá-la na notícia. Ouvir o outro lado também, nesse caso teria que ouvir, por exemplo, o lado do governo. Temos as famosas “perguntinhas” do Lide, aquelas: O que é? Quem? Como? Quando? Onde? e, por que? As seis perguntas que devem respondidas na notícia como texto informativo.
“O título também, sempre optar por verbo no presente na voz ativa de preferência, então vai ter eleição domingo, então ao invés de UFPel realizará eleições no domingo, optar pelo presente e evitar também a voz passiva, principalmente nos títulos, então, ao invés de ‘eleições serão realizadas pela UFPel’, (é preferível) ‘UFPel realiza as eleições’. Não que seja um crime ou proibido, mas são técnicas para o texto ficar mais claro e ser entendido mais facilmente”
Outro ponto é cuidado para citar cargo da pessoa e o nome completo, escrever certo, perguntar como se escreve. O cargo tem que ser checado com a fonte, qual é o cargo dela exatamente, se o cara é ou como que ele quer ser chamado, se ele é secretário, se ele é diretor, então, checar questões de grafia e o texto com o português correto. Optar por palavras de fácil entendimento, que possam ser lido tanto pelo porteiro como pelo dono da empresa, mas sem ser uma linguagem chula, então é uma linguagem correta, mas não aquele jornalismo de 1910 que a literatura adorava usar palavras difíceis para ficar bonito. Então tem que ser um texto claro, de fácil entendimento, mas com o português correto. E uma pergunta que sempre surge é se a fonte falou errado, às vezes dá para dar essa “arrumadinha” no texto, a não ser que o foco seja destacar um sotaque local, que seja o foco do texto chamar a atenção para aquela forma de falar, mas geralmente quando são matérias até mais formais é feita essa correção e essa alternância também de usar a fala como citação direta com as aspas, ou às vezes colocar segundo fulano ou fulano destaca.
Mas o principal, é claro, é a precisão e a correção das informações, não tem dúvidas na hora de escrever, se precisar ter o contato da fonte, se tiver dúvidas, se precisar checar com a fonte, correção dos nomes, correção dos cargos. Falo por experiência, quando a gente trabalha para um veículo e comete um errinho desses, só a gente sabe o que é, porque ficam bravos… Eu sempre cito um episódio que aconteceu comigo, que prenderam o sujeito que roubou um celular no centro, lá em Ijuí e, eu fiz a notícia, vi o boletim, liguei para a Brigada Militar, me passaram todas as informações. Só que no texto ficou que a Brigada Militar prendeu e não foi a Brigada, mas sim a Polícia Civil. No outro dia, umas 10 pessoas da Polícia Civil tinham me ligado… reclamando. Foi uma falha, fui pegando todas as informações e na hora de escrever foi algo natural, mas teve que ser feito uma matéria “bônus” digamos assim, destaque na edição seguinte onde saiu a errata daquela notícia.
Gustavo Ferreira – Os portais de notícias tem a possibilidade de corrigir o que estiver errado, coisa que não é possível no impresso, que é publicado, não é?
Eduardo Ritter – Exato, tinha que fazer a ata e explicar, enfim, mas eu me lembro porque foi assim uma coisa super simples e deu o maior “borrogodó”, o leitor não ficou sabendo, mas nós sabíamos.
Gustavo Ferreira – Professor, para encerrarmos nossa entrevista o senhor gostaria de deixar alguma mensagem aos nossos jornalistas, por favor fica à vontade. a gente acredita que é importante pontuar, que mesmo que nossos participantes não sejam da área do jornalismo, enfim, que sejam de relações internacionais, direito, economia, história, a gente tem participantes de vários cursos, às vezes de jornalismo também, mas é importante que eles, enfim, busquem mais sobre jornalismo – seja ele internacional, nacional – e bem como reflitam os temas globais e locais que influenciam nas suas vidas.
Eduardo Ritter – Então, a gente ouve muito os dois lados, o lado da crítica pertinente e o lado de que o jornalismo se imaginou que com a internet pudesse ser “extinto”, perder a importância e etc. Mas diante do cenário que a gente vive hoje, fake news, principalmente a mudança, pegar um recorte específico, torcer completamente e editar um vídeo, uma fala e colocar em grupos de whatsapp, ou mesmo aplicativos em que tu falas e fica com a voz idêntica da pessoa. O jornalismo, talvez nunca teve tanta importância, no sentido de separar o joio do trigo, de fazer um trabalho sério e voltar a ter a credibilidade para poder realmente ajudar a população no sentido do que é verdade e do que não é.
Hoje está muito difícil das pessoas entenderem, das pessoas checarem as informações, elas acabam se apegando a uma fonte, que são muitas vezes políticos. Só acompanho o canal do fulano, só acompanho o canal do presidente, por exemplo, só o que está lá é verdade? As pessoas não checam, tem matérias tanto do Trump (durante seu mandato), quanto do Bolsonaro, que os veículos (jornalisíticos) fizeram de quantas mentiras cada um divulgou até o momento. Eu me lembro do Trump, principalmente, que eram muitas postagens no twitter, em declarações. Em função da pandemia, a gente teve aqui muitos casos de distorções, de omissões de dados.
Enfim, então o jornalismo ganha importância, a questão é como fazer as pessoas terem essa capacidade de discernimento de ver números, de avaliar os números e de comparar mesmo os veículos, pois tu podes ter vários veículos de várias linhas editoriais […] Então a população tem (a possibilidade para) o discernimento de comparar e dela ter base para poder fazer a própria, poder tirar as próprias conclusões. O jornalismo vive esse momento, que eu diria ser importante e que de certa forma mudou algumas perspectivas que se tinham, que o jornalismo ia ter menos importância ou ia ser menos consultado. Surge todo esse cenário, na verdade, o jornalismo acaba tendo uma grande importância, principalmente o jornalismo sério, mais profissional, no sentido de credibilidade, para ajudar a população em um momento onde as pessoas não sabem em quem acreditar e acreditam no que querem.
Para finalizar, digo para acreditarem na importância do jornalismo e terem essa visão crítica de discernimento de tudo aquilo que chega, até a fonte, o jornalista, também tem que ter essa desconfiança da informação que chega até ele. O jornalista vai sempre ter que checar a fonte, ver e ouvir o outro lado, então tem uma série de procedimentos a serem tomados antes de se escrever a notícia, mas o recado final é para não desistir mesmo, diante de todo cenário que a gente vive, mas, ao mesmo tempo, não é tão novo, revendo momentos críticos da história são cenários que vão se repetindo de tempos em tempos.
Nota do autor
Um agradecimento especial ao time de 2021 da Press, que por meio delas foi possível que esta entrevista ganhasse vida como palavras, sobretudo de forma tão breve. Bruna Tolfo, Sabrina Barcelos e Larrisa Morais tornaram este post possível. Agradeço também ao Secretário Administrativo do projeto, Bento Sena, pela colaboração durante a reunião e entrevista. Indistintamente, agradeço em nome de todos os colaborades do PelotasMUN ao Prof. Dr. Eduardo Ritter por aceitar compartilhar alguns minutos de sua vida, que nos fizeram viajar da América Latina à Europa, do português ao alemão, do nostálgico ao nefasto tempo cíclico de nossa espécie.
Gustavo Ferreira Felisberto
Há muitos meses tenho a mesma biografia neste site, melhor dizendo, este blog que já escrevi algumas vezes. Ficção-científica ainda é meu gênero preferido, Duna finalmente ganhou um filme à altura da obra literária e a vida segue. Alterno entre escrever coisas boas e meros desvaneios, espero que este texto seja a primeira opção, caro leitor. |