Por Larissa Bruno, Graduanda em Jornalismo / Arte Gráfica Juliana Cavalheiro, Graduanda em Design Digital
Há 133 anos de uma data que para muitos ainda é vista com ar fantasioso: o 13 de maio de 1888. A Lei Áurea formalizou a abolição da escravatura, mas apenas isso. Foi o culminar de um lento processo que ocorreu ao longo do século XIX e que, ao final, não garantiu nenhum tipo de respaldo econômico, oportunidade social e integração cultural à população negra – ao contrário, estruturou a marginalização, o racismo e a desigualdade socioeconômica persistentes até hoje.
O Brasil, sendo o último país da América a proibir a escravidão foi, ao longo de mais de três séculos, o principal destino do tráfico de africanos no mundo – quase cinco milhões de pessoas, além de grande parte de seus descendentes terem sido forçados ao trabalho escravo. Apesar de assinada por Isabel, a abolição não foi resultado de uma hipotética ação bondosa da princesa e do Senado, nem tampouco apenas da ideia de exaustão do modelo econômico baseado na mão de obra escrava. Ao contrário, foi marcado por resistência, movimento e luta.
Desde o final da década de 1860, o movimento abolicionista estava nas ruas. Nos anos 1880, atingiu seu auge. A base da sua organização eram as associações abolicionistas, que se multiplicavam pelo país, bem como a realização de eventos artísticos para angariar recursos e o ingresso de processos na Justiça, como o notório Luís Gama que, sendo ex-escravo, tornou-se advogado e ajudou a libertar cerca de 500 pessoas graças a processos nos tribunais. Ainda, nomes como os de André Rebouças, José do Patrocínio, Abílio Borges ou Joaquim Nabusso desempenharam funções importantes no ativismo pela abolição
Com fugas e revoltas – como a Revolta dos Malêsos – cada vez mais frequentes, escravos fugitivos tentavam chegar até quilombos e territórios já libertos, como os Estados do Ceará, Amazonas e algumas cidades isoladas que já haviam declarado abolição da escravidão, tornando-se áreas de refúgio.
Como afirmou Lima Barreto, “tinha entrado na consciência de todos a injustiça originária da escravidão. Mas, como ainda estamos longe de ser livres! Como ainda nos enleamos nas teias dos preceitos, das regras e das leis!”. Apesar disso, não houve nenhuma indenização para os ex-escravos, cerca de 1,5 milhão de pessoas na época, bem como nenhuma política de emprego ou de acesso à terra, dificultando a integração dos recém libertos na sociedade, estratégia utilizada como forma de retaliação.
Apesar dos negros no Brasil corresponderem a mais de 56% da população, as consequências pela falta de políticas de integração e reparação social continuam repercutindo até hoje. De acordo com o IBGE, a taxa de analfabetismo aos 15 anos ou mais é de 9,1%; o porcentual de pretos e pardos que concluíram a graduação era de 9,3% em 2017; o rendimento domiciliar per capita de R$ 934 em 2018; a taxa de desocupação entre os negros em 2018 foi de 14,1% e 32,9% entre pretos e pardos que viviam na pobreza em 2018.
Em resposta, grupos como quilombos, lideranças comunitárias e militantes do movimento negro buscam pressionar as instituições públicas para o desenvolvimento e aplicações de politicas de ações afirmativas de reparação. Assim, as cotas raciais são uma dessas conquistas, possibilitando o acesso de negros (pretos e pardos), indígenas e quilombolas em espaços ocupados historicamente apenas por brancos – sendo um deles a universidade
Nesse contexto, a Universidade Federal de Pelotas (UFPel) desenvolve, através do Núcleo de Ações Afirmativas e Diversidade (NUAAD), atividades relacionadas ao gerenciamento de vagas ocupadas ou direcionadas a cotistas, ações educativas e informativas quanto as questões raciais, a promoção de eventos que permitam a aproximação da universidade e a inclusão dos indígenas, quilombolas e negros, bem como suas famílias, além dos representantes comunitários de onde provêm esses estudantes, mediante ações conjuntas construídas pelos envolvidos – como reparação à dívida histórica da sociedade com esses grupos.
Segundo Maica Ferreira, quilombola da Comunidade Potreiro Grande e atual coordenadora de Ações para Etnias na Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos de Canguçu, os quilombos representam e simbolizam uma grande luta e resistência, sendo um local de formação de comunidades negras, para manutenção da cultura e da estruturação social.
“O grande papel é a luta pela igualdade de direitos e o combate ao racismo e a discriminação que nos mata a cada dia, para que a dívida histórica seja paga, bem como o acesso as políticas públicas, o resgate da identidade cultural e a garantia de terras. ” – Maica Ferreira
Graduando em Administração pela UFPel, Antônio Soares, 53, é líder da Comunidade Vó Elvira. Técnico em agropecuária, ingressou na universidade no curso de Administração através do processo seletivo especial para indígenas e quilombolas, mas não foi fácil e comenta “o espaço na universidade é muito importante, pois veio através de muita luta” – nos seus mais de 20 anos de militância. Para ele chega a ser emocionante essa vitória, pois o avô tropeiro trabalhou no espaço que hoje comporta o campus Anglo da UFPel. Décadas depois Antônio, a esposa e os filhos acessam esse espaço como estudantes universitários não mais sendo mão de obra braçal, mas como indivíduos com oportunidade de desenvolver e aplicar seu intelecto na luta por melhores condições para os negros.
“Nossa força não é mais a lança e sim a caneta”, reitera Antônio.
Apesar dos avanços nas ações afirmativas raciais e nos direitos sociais dos negros, ainda há muito o que conquistar, e não sem luta. É importante a sociedade como um todo se aliar aos militantes negros, por meio de movimentos sociais, para reforçar as atuações dos grupos, em demonstração de empatia pela causa e de busca por justiça. Eu sou porque nós somos. Sigamos!
CARVALHO, Diana. Porque o 13 de maio é uma data de protesto e não de comemoração. Disponível em: https://www.uol.com.br/ecoa/ultimas-noticias/2020/05/13/por-que-o-13-de-maio-e-uma-data-de-protesto-e-nao-de-comemoracao.htm. Acesso em: 12 maio 2021.
LEAO, Diogo Abreu. ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA BRASILEIRA. Disponível em: https://www.politize.com.br/abolicao-da-escravatura-brasileira/. Acesso em: 12 maio 2021.
ROSSI, Amanda et al. A luta esquecida dos negros pelo fim da escravidão no Brasil. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/resources/idt-sh/lutapelaabolicao. Acesso em: 12 maio 2021.
MAGENTA, Matheus; BARRUCHO, Luis. Protestos por George Floyd: em seis áreas, a desigualdade racial no Brasil e nos EUA. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52916100. Acesso em: 12 maio 2021.
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