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2017

Equipe do projeto em 2017

Discentes monitores: Brenda Seneme Gobbi, Luciane dos Santos Avila, Rafael de Camargo Bueno e Wesley Fróis Aragão.

Coordenação: Profª Marina de Oliveira

Colaboradores: Liz Helena Rodrigues (assistente social do Instituto Nossa Senhora da Conceição) e Francine Mesquita (professora do Instituto Nossa Senhora da Conceição)

A positivação de identidades negras, a introdução do professor-personagem e o início de uma formação de espectadores

Os primeiros encontros do “Brincando” no Instituto Nossa Senhora da Conceição voltaram-se para a condução de jogos tradicionais e de regras, como “Pega-pega”, “Elefante colorido”, “Estátua”, “Queimada”, “Morto-vivo”, “Siga o mestre”, “Coelhinho sai da toca”, entre outros. Esses jogos (cf. Spolin, 1995), além de serem por si só prazerosos, têm por consequência a integração do grupo, trabalhando, paralelamente, noções de espaço, cooperação, agilidade corporal, concentração etc.

Ao longo de 2017, o projeto estabeleceu uma rotina de trabalho, com as seguintes etapas: aquecimento, vivência de jogos tradicionais, jogos teatrais/dramáticos e avaliação. O aquecimento era feito em roda e composto por exercícios que trabalham as articulações e o alongamento do corpo, além de já instaurar uma atmosfera de trabalho em grupo. Nos jogos tradicionais, a ênfase estava no gasto de energia, pois além de trabalhar diversos aspectos da expressão corporal, esses jogos permitem que as alunas liberem energias não canalizadas, o que facilita a instauração de uma melhor concentração para a atividade seguinte. Nos jogos teatrais/dramáticos, as participantes desenvolveram conhecimentos mais específicos, pertencentes à linguagem teatral, como noções acerca de espaço, personagem, ação, palco, plateia. Na avaliação final, feita em roda, as alunas eram instigadas a dar a sua opinião, refletindo sobre os exercícios realizados.

A primeira investigação proposta às alunas foi acerca de sua família. Pedimos que desenhassem a sua família e que a apresentassem para os demais. Os resultados foram variados, abrangendo núcleos pequenos, como “a aluna e uma vó”, a núcleos maiores, como “mãe, tio e dez irmãos”.  Novamente observamos a dificuldade de escuta do grupo, de modo que foi difícil que todas conseguissem apresentar as suas famílias e serem ouvidas até o final. A partir da apresentação, as alunas improvisaram cenas, em que se destacaram momentos do cotidiano, como a mãe acordando a filha para ir à escola ou a família realizando alguma refeição. Nos desenhos, chamou a atenção que algumas famílias de alunas, que em sua maioria são negras, não foram retratadas com a cor negra. Paralelamente, a assistente social do Instituto, Liz Helena Rodrigues, comentou que algumas das alunas haviam manifestado insatisfação com o seu cabelo crespo. O relato da assistente social foi o ponto de partida para que iniciássemos um trabalho transversal de positivação de identidades negras.

Dessa forma, resolvemos planejar as práticas teatrais aprofundando a discussão sobre a história e cultura afro-brasileira, em específico a identidade negra. Essa proposta está em consonância com a lei 10.639/2003, a qual institui a obrigatoriedade de estudar a temática africana e afro-brasileira na educação formal. Como era comum as alunas falarem e improvisarem sobre princesas, a primeira ação nesse sentido foi a apresentação de uma caixa contendo imagens de princesas europeias e de princesas africanas. Depois de visualizar as imagens, elas deveriam escolher uma e desenhar algo a partir dela. As princesas europeias, por serem conhecidas através dos desenhos da Disney, foram mais procuradas, todavia uma imagem de princesa negra, que segundo elas era parecida com a personagem Moana, da Disney, também foi admirada. Nos pareceu clara a carência de figuras femininas negras no imaginário das alunas. Daí a importância de que os filmes de animação cinematográficos ou que os desenhos e comerciais de TV proponham também personagens negras.

A segunda ação foi a contação de narrativas como Cadê Maricota?, de May Shuravel, e Dandara: seus cachos e caracóis, de Maira Suertegaray, que têm meninas negras como protagonistas. Após ouvir as histórias e visualizar as ilustrações, as alunas foram orientadas a improvisar cenas a partir da recepção dessas obras.

A terceira ação foi a oficina de confecção das bonecas abayomis, ministrada pela professora Luciane Avila. Como introdução, Luciane realizou uma performance em que cortava pedaços de sua saia para fazer com os retalhos a boneca abayomi, tal e qual faziam as mulheres negras sequestradas, durante o cárcere nos navios negreiros. A professora, também negra, através de uma ação teatral, contou sobre a violência a que os negros foram submetidos durante o sequestro em direção ao Brasil. Relatou que as mães, aprisionadas, faziam bonecas com os retalhos recortados de suas saias, na tentativa de acalmar seus filhos, numa situação brutal.

Algumas alunas manifestaram surpresa ao ouvirem sobre a violência do sequestro de negros africanos, ao passo que outras sinalizaram já ter ouvido narrativas similares.  Considerando a idade das crianças, de 6 a 8 anos, Luciane não enfatizou ou detalhou acerca desse fato, mas também não omitiu a violência implícita acerca do contexto dos navios negreiros. Assim, através de uma atividade lúdica, a confecção de bonecas abayomis, as alunas iniciaram uma construção pedagógica acerca da memória da violência vinculada à diáspora africana.

   

Oficina de Abayomis ministrada pela profª Luciane Avila

Outra ação em 2017 foi a introdução do professor-personagem, responsável por conduzir dramatizações em que “Todos são fazedores, tanto ator como público, indo para onde querem e encarando qualquer direção que lhes apraz durante o jogo” (SLADE, 1978, p. 18). Rafael Bueno representou, dessa forma, o “Padrinho Mágico”, que contou a história da bailarina de pano que queria muito ter um corpo para dançar de verdade.

 

o Padrinho Mágico

A narrativa foi apresentada em dois episódios. No primeiro, Rafael e Wesley apresentaram o conto da boneca que queria dançar, improvisado por eles. No segundo episódio, Rafael assumiu a figura do “Padrinho Mágico” que vai até o Instituto realizar o desejo da boneca. Uma colega de curso, Tainara Machado, que tem prática de balé, foi convidada para interpretar o papel da “Bailarina”. A presença do professor-personagem deixou as meninas intrigadas, pois elas queriam saber se o Rafael e o “Padrinho Mágico” eram a mesma pessoa. Esse foi o ponto de partida para introduzir o conceito de personagem.

Ele interagiu com as meninas aplicando jogos tradicionais e pedindo ajuda das meninas para transformar a boneca de pano em bailarina. Elas o ajudaram repetindo a palavra mágica “Abagigabuga”, fazendo com que a boneca ganhasse vida. A transformação da boneca em bailarina, através de um recurso cênico, deixou as alunas encantadas. A “Bailarina” dançou uma coreografia e, na sequência,  deu uma aula de balé, de modo que as crianças dançaram junto com ela. Após a apresentação, o “Padrinho Mágico” e a “Bailarina” voltaram para o reino encantado onde ela teria muitas apresentações para fazer.

Além das atividades técnicas de construção de conhecimento em teatro, iniciamos ações (retomadas nos anos seguintes) de formação das alunas enquanto espectadoras, propiciando que elas tivessem acesso a espetáculos teatrais. No final de 2017, levamos para o Instituto o espetáculo O reizinho mandão, inspirado na obra de Ruth Rocha, com a atuação do professor-ator do curso de Teatro, Carlos Eduardo Pérola.

professor/ator Carlos Pérola em O reizinho mandão

Levando em conta que assistir a um espetáculo teatral é experiência incomum, sobretudo para as classes menos favorecidas e que as crianças se constituem enquanto espectadoras “por processos de recepção híbridos”, que envolvem “suas experiências como receptores de televisão, cinema, jogos, sites, músicas, artes visuais, entre outros” (FERREIRA, 2006, p. 118), compreendemos a importância de ofertar às alunas distintas experiências estéticas teatrais, sempre mediadas pelos ministrantes das oficinas.