Por Eduardo Ritter/Superávit Caseiro

No fotojornalismo, o ângulo pode criar uma ilusão no público. Um exemplo são as clássicas fotos tiradas por turistas colocando a Torre Eiffel, em Paris, entre o dedo polegar e o indicador, ou uma pessoa fingindo colocar a lua dentro do porta-malas. Não há necessariamente montagem ou edição, mas sim, é adotada a técnica de “perspectiva forçada”. O mesmo pode ser feito, com informação, no jornalismo econômico. Um índice de inflação, uma taxa de juros, o PIB de um país, enfim, diversos números podem ser interpretados de diversas maneiras.

Um desses números diz respeito ao número de investidores no Brasil. Neste ano, em junho, a Bolsa de Valores brasileira, a B3, divulgou a seguinte manchete em seu site: “Número de investidores na B3 cresce 34% em renda fixa e 23% em renda variável em 12 meses”. Claro que a entidade está celebrando tal número, afinal, quanto mais investidores, melhor para a B3, no entanto, os números ainda são baixos. Conforme a entidade, o número de contas de investidores em renda variável aumentou em 1 milhão de pessoas no período, elevando o número total para 5,3 milhões, enquanto o número de investidores, incluindo a renda fixa, totalizou 17,6 milhões, já excluindo duplicidades de investidores que estão tanto na renda fixa como na renda variável.

Concomitantemente ao anúncio da B3, a corretora XP Investimentos publicou outro material, comparando os números brasileiros com estrangeiros. Nessa perspectiva, o Brasil ainda está significativamente atrasado, tanto em comparação com outros países emergentes quanto com países considerados economicamente desenvolvidos. A situação é ainda pior quando se trata de renda variável, especialmente no mercado de ações. Conforme a própria B3, o Brasil possui apenas 2% da população investindo nesse tipo de mercado, o que o coloca atrás de países como Índia (3% da população) e China (15%), e muito abaixo de países desenvolvidos, como o Reino Unido (30% da população) e os EUA (57%).

Chega-se, assim, à questão. por quê? Ora, a resposta mais óbvia aponta para a falta de políticas públicas para incentivar o interesse da população sobre o tema “finanças pessoais”, bem como acontece com os outros países da América Latina. É evidente que há uma carga histórica muito grande que nos levou a esse cenário, que pode ser melhor compreendida lendo autores que abordam a história social e econômica da América Latina, como no exemplo do clássico “As veias abertas da América Latina”, de Eduardo Galeano. Porém, muito pouco se fez, contemporaneamente falando, no sentido de melhorar a situação da educação financeira da população. Mesmo em um país onde pouca gente tem condições de separar algum recurso para formar uma reserva de emergência ou fazer pequenos investimentos, a situação econômica da sociedade, para além da reclamação e das denúncias de desigualdade social, só vai mudar com um investimento: educação. E nesse amplo espectro da educação, a educação financeira deve (ou deveria) estar melhor posicionada.

Brasil apresenta problemas de educação financeira semelhantes aos vizinhos latino-americanos

Mesmo se excluirmos a imensa população brasileira que realmente não tem condições de poupar e investir, há um grande número, especialmente na classe média, de analfabetos financeiros que gastam mais do que ganham, impulsionados por instintos emocionais (reforçados por todos os tipos de propagandas). Com um pouco de estudo sobre finanças, essas pessoas poderiam radicalmente melhorar suas vidas. Inclusive, citando os gregos da Antiguidade, mencionados por Foucault no livro ‘Governo de Si e dos Outros’, melhorando sua condição financeira, o indivíduo teria melhores condições de cuidar dos outros ao seu redor, tanto em termos de saúde (física e psicologicamente) quanto em termos financeiros. Só é possível ajudar os outros quando se está bem consigo mesmo. E, no campo das finanças, a única maneira de estar bem é investindo, primeiro, em conhecimento e educação, e, depois, no mercado, especialmente no mercado de renda variável.

Enquanto grande parte da população ainda guarda dinheiro por anos embaixo do colchão, em cofres ou comprando uma casa hipotecada pensando que “está investindo”, quando na verdade está deixando seu dinheiro desvalorizar e está deixando de fazê-lo render, o Brasil continuará sendo um país de analfabetos financeiros. Nesse sentido, o Superávit Caseiro acredita que a informação e o jornalismo econômico e de finanças pode, aos poucos, ajudar a mudar essa realidade.