A Alemanha representa um dos países mais industrializados do continente europeu, sendo o principal mercado de trabalho para muitos imigrantes. Neste contexto, entenderemos o processo eleitoral alemão para o Bundestag e como a ascensão da AfD demonstra desgaste no processo eleitoral e avanço da extrema direita no continente.
Figura 1: Palácio de Reichstag, Berlim, local do Parlamento alemão

Fonte: Contando às Horas (2015).
Processo Eleitoral
O sistema político alemão é constituído por um semipresidencialismo federalista, composto por um presidente e um chanceler.
A autonomia proposta pelo federalismo demonstra-se uma maneira assertiva para combater o ideal de um Estado unitário e centralizador, garantindo as liberdades e a organização constitucional com um parlamento e um executivo eleito pelo parlamento, além do controle da constitucionalidade interna aos Estados.
1 cidadão, 2 votos
Dentro do processo político, o cidadão alemão, como eleitor, tem participação dupla, podendo escolher diretamente um representante e votar em um determinado partido.
Dessa maneira, a escolha direta do representante é conduzida sob o modelo “Winner Takes All”, semelhante ao processo americano, onde o território é dividido em 299 distritos eleitorais e o candidato que receber a maioria dentro de um distrito conquista-o.
Já o voto por partido é conduzido de maneira diferente. O território alemão é dividido em 16 estados, sendo necessário obter a maioria dos votos para conquistar o estado pelo partido. O voto por partido é determinante para a alocação dos parlamentares dentro do Bundestag, sendo possível votar diretamente em um candidato de um partido oposto ao escolhido na votação partidária.
A eleição é determinada pela quantidade de estados conquistados por cada partido, junto à quantidade de distritos conquistados pelos candidatos diretos, ambos divididos de maneira proporcional.
Como é calculada a porcentagem?
A votação direta para os candidatos é importante para definir quem estará no parlamento, caso haja a conquista dos assentos por parte do partido.
A votação partidária define, proporcionalmente, os partidos que farão parte do mandato do parlamento federal.
Entretanto, o processo possui algumas diretrizes excludentes: caso um partido não obtenha pelo menos 5% dos votos em escala nacional ou não conquiste pelo menos três candidatos eleitos nos distritos eleitorais, ele não é incluído no parlamento.
Para calcular a porcentagem, é utilizado o método de Webster, composto por três etapas:
- A população geral é dividida pela quantidade de assentos.
- A população de um determinado estado é dividida pelo valor obtido na etapa 1 (sendo necessário o arredondamento aritmético).
- O valor da etapa 2, somado aos valores de todos os estados, menos a quantidade de assentos disponíveis.
O Parlamento
O parlamento é composto por 630 assentos, sendo divididos entre mais de 50 partidos diferentes. No entanto, apenas cinco deles se destacam: CDU (União Democrática Cristã), SPD (Partido Social-Democrata da Alemanha), Grüne (Os Verdes), Die Linke e AfD (Alternativa para a Alemanha).
Cenário de 2025
A queda de Merkel
Angela Merkel foi a primeira chanceler mulher da Alemanha, governando de 2005 até 2021 pelo partido CDU. Foi considerada, por diversas vezes, uma das mulheres mais influentes do mundo e uma líder central da União Europeia.
Seu governo foi moderado e teve grande êxito no combate à pandemia, na crise financeira de 2008 e nas tentativas de dissolução da União Europeia. Também ficou conhecida por suas baixas taxas de desemprego e pelo alto crescimento econômico.
Seu mandato foi encerrado nas eleições de 2021, com a vitória de Olaf Scholz (SPD), em uma coalizão entre liberais, ambientalistas e social-democratas. No entanto, Scholz havia sido ministro de Merkel e adotou posturas semelhantes às da antiga chanceler.
Um CDU pós-Merkel
Após perder as eleições de 2021 para o SPD e sua coalizão, o CDU enfrentou crises políticas. Merkel representava uma postura moderada dentro do espectro político, enquanto uma ala mais conservadora e tradicionalista ascendia.
Friedrich Merz surgiu como um forte candidato dessa ala tradicionalista. Contudo, ele possuía desavenças com Merkel devido à sua moderação e à sua derrota para ela no início dos anos 2000, o que o levou a se retirar da política por um tempo.
Com seu retorno, apoiado por essa ala radical, Merz demonstrava estar mais maduro e preparado.
Uma nova “Alternativa para a Alemanha”
A AfD (Alternative für Deutschland) foi fundada em 2013, sob uma linha de populismo de direita, alinhada a valores de conservadorismo e tradição. Nos primeiros anos, o partido não obteve grande notoriedade.
Contudo, com a ascensão de discursos ideológicos de extrema direita, a AfD incorporou uma nova faceta, adotando um discurso anti-imigração e reacionário, crescendo dentro da onda da extrema direita internacional.
O partido surpreendeu com sua ascensão no parlamento:
- 2017: 94 deputados
- 2021: 83 deputados
Eleições de 2025
O cenário de queda na popularidade de Olaf Scholz e o afastamento da moderação representada por Merkel introduziram uma nova atmosfera política no país. Além disso, as crises econômicas decorrentes dos impactos globais da pandemia, da guerra na Ucrânia e da ascensão econômica chinesa intensificaram as incertezas e preocupações dos eleitores.
Diante desse cenário, discursos tradicionalistas ganharam força, contrastando com o progressismo. Além disso, devido às dificuldades econômicas, a questão imigratória passou a ser amplamente questionada, favorecendo a ascensão de um discurso conservador.
Esse ambiente permitiu que Friedrich Merz se consolidasse como principal candidato do CDU, enquanto Alicia Weber ganhava popularidade dentro da AfD.
As eleições ocorreram em 23 de fevereiro de 2025, resultando na vitória do partido conservador CDU e na nomeação de Friedrich Merz como chanceler alemão. O apoio de Merz à AfD em sua política anti-imigração teve influência direta no processo eleitoral. Como resultado, a AfD alcançou o 2º lugar na porcentagem geral, a maior de sua história, desbancando o SPD como a segunda principal força política do país.
Essa eleição consolidou previsões anteriores e demonstrou a nova configuração política da Alemanha.
Figura 2: Distribuição de mandatos no Parlamento Federal Alemão em Fevereiro de 2025.

Fonte: Deutschland.de PT-BR (2025).
Conclusão
Diante dos temas abordados, fica evidente a ascensão internacional de discursos centrados no eixo político da extrema direita, impulsionados por problemas econômicos, mudanças sociais e a construção de uma narrativa anti-imigração.
Destaca-se a similaridade com o cenário político francês, onde a extrema direita também avançou de forma inédita no Estado francês.
As tentativas de coalizões entre moderados e partidos de esquerda tiveram efeitos no processo político atual e intensificaram a polarização. No caso da França, Macron defende uma união centro-esquerda, enquanto, na Alemanha, Merkel – considerada um símbolo da moderação – apoiou Scholz em sua coalizão de centro-esquerda. Ambos os processos demonstram as dificuldades de combater os discursos de extrema direita.
Isso levanta questionamentos sobre o futuro do processo eleitoral francês e sobre a possível ruptura da moderação para algum lado do espectro político – seja esquerda ou direita.
Portanto, a análise do cenário eleitoral e político alemão é fundamental, pois influencia o contexto global e a consolidação de novas frentes mais radicais, que impactam a economia, a sociedade e suas normas.
Texto por: Flávio Murussi, Diretor de Logística.
