Agora é que são elas!
O projeto de pesquisa “Agora é que são elas: a pandemia de COVID-19 contada por mulheres” foi criado na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), pela Profa. Dra. Camila Peixoto Farias, através do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Psicanálise (Pulsional), seguindo em parceria com a Profa. Dra. Giovana Fagundes Luczinski, coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Fenomenologia e Psicologia Existencial (Epoché). Conta também com a colaboração do Laboratório marginália (UFRJ), coordenado pela Profa. Dra. Fernanda Canavêz de Magalhães. O diálogo entre a perspectiva psicanalítica e a perspectiva fenomenológico-existencial é um de seus alicerces.
O projeto nasce da inquietação diante da diversidade de vivências que as mulheres estavam experienciando durante a pandemia e do fenômeno de silenciamento em relação à especificidade dessas questões. Surge, então, o interesse, em termos científicos, na diversidade de realidades vividas, nos sentidos a elas atribuídos e em seus desdobramentos em termos de saúde mental.
O primeiro grande desafio foi pensar a construção de uma metodologia para acessar essas histórias em um momento tão preocupante e que exigia o distanciamento físico. Nossa experiência, até aquele momento, havia sido trabalhar com pesquisas teóricas e investigações que iam à campo para encontrar, corpo a corpo, pessoas e situações. Diante da necessidade de empreender uma coleta de dados on-line, nos deparamos com diversos questionamentos, dentre eles: como criar um instrumento que permitisse conhecer o contexto das mulheres, os marcadores sociais que alicerçavam suas vivências e que também as convidasse ao compartilhamento de vivências, histórias e sentimentos?
Tendo esse questionamento como guia, fomos construindo um questionário no formato on-line de forma cuidadosa, pensando na linguagem, no layout e escolhendo uma imagem de capa que pudesse ser empática e acolhedora. Nesse caso, foi solicitada uma ilustração à artista/ilustradora Jana Magalhães. Nosso objetivo era que as mulheres se sentissem acolhidas e que fizesse sentido para elas falar de si, compartilhando suas histórias conosco. Nesse percurso de construção do instrumento, entramos em contato com outras pesquisadoras para discutir algumas questões referentes à linguagem, à adequação de alguns termos etc. Um grupo de alunas da UFPEL nos ajudou com testes pilotos, que também foram feitos por outras mulheres de diferentes contextos. Todo esse processo de troca e diálogo foi fundamental para o aprimoramento do instrumento. Dessa forma, realizamos uma construção colaborativa, cuidadosa e situada, tendo como alicerce o contexto da pandemia.
A coleta de dados foi realizada através deste questionário on-line contendo 32 questões, incluindo perguntas objetivas e abertas, divulgado entre mulheres brasileiras (residentes, ou não, no Brasil). As perguntas denotavam marcadores sociais e também visavam a proporcionar um espaço de construção de narrativas pessoais. A ferramenta foi divulgada em diversas redes sociais a partir do dia 24 de maio de 2020 e ficou disponível até 07 de junho de 2020. Em quinze dias, obtivemos a quantidade surpreendente de quase 6.000 respostas, evidenciando o interesse e a identificação gerados nas mulheres que recebiam a proposta. Cabe ressaltar que a pesquisa segue as determinações da Resolução do Conselho Nacional de Saúde, nº 510, de 07 de abril de 2016, que normatizam as condições das pesquisas que envolvem seres humanos, aprovada no CEP, na Universidade Federal de Pelotas, com o número CAAE: 31203220.3.0000.5317.
A investigação que estamos conduzindo se ancora em uma prática contra-hegemônica, que valoriza a interdisciplinaridade, visando a construir pontes entre a pluralidade de experiências vividas por mulheres na pandemia e a elaboração de relatos científicos a respeito dessas experiências. Esta pesquisa está alicerçada nas mulheres que somos, situadas histórica, social e geograficamente, partindo de uma materialidade corporificada e tendo como objetivo principal conhecer a realidade de outras mulheres.
Seguindo a convocação de Haraway (1995), para compreendermos quem forjou nossa forma de enxergar o mundo, é fundamental que situemos nossas construções teórico-metodológicas, localizando saberes e reconhecendo a parcialidade inerente a qualquer construção científica. Portanto, não trabalhamos a partir de uma suposta neutralidade, mas a partir de uma epistemologia situada (HARAWAY, 1995), localizada histórica, social e geograficamente (ALCOFF, 2016). Trabalhamos em uma perspectiva parcial e não universalizante, alicerçada no diálogo entre as abordagens psicanalítica e fenomenológico-existencial – propostas hermenêuticas, que não têm como objetivo alcançar respostas universais ou replicáveis (FIGUEIREDO; MINERBO, 2006; MOREIRA, 2002).
Diante da grande diversidade de dados, temos trabalhado com recortes, buscando construir interpretações articuladas aos nossos lugares situados de pesquisadoras. Na aba produções você pode conhecer os recortes analisados até o momento.