Pobreza, exaustão e isolamento são comuns a quem cuida dos familiares em casa
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Tópicos de discussão.
PARA REFLETIR…
O que você faria se soubesse que morreria amanhã?
Esta questão vem raramente à mente das pessoas sadias; porém, é uma constante quando a doença ou a velhice passam a ser realidade.
Não deveria ser assim. Somos todos finitos neste plano. Não somos eternos e, por tal razão, precisamos refletir, não sobre morrer, e sim sobre viver.
Assim, a questão que deveria vir à mente de todos nós é: O que você faria se soubesse que só tem hoje para VIVER?
Pense nisso.
Por Kátia Rosita.
UMA REFLEXÃO SOBRE O FILME AMIZADES IMPROVÁVEIS (THE FUNDAMENTALS OF CARING)
O filme “Amizades Improváveis” (The fundamentals of caring) nos traz a história de Benjamin, um homem jovem que está passando por diversos dilemas pessoais, entre eles o divórcio, que resolve procurar emprego como cuidador. O mesmo é contratado para cuidar de Trevor, um rapaz que devido a complicações não possui movimentos do pescoço para baixo.
Benjamin sabe que será um desafio lidar com seus dilemas, o que nos remete aos conflitos pessoais que todos temos e assim também o cuidador tem e precisa lidar com seus dilemas e articulá-los com ato do cuidado.
Outrossim, a mãe do rapaz lhe orienta quanto a rotina de cuidado com o mesmo: “Trevor acorda, assiste tv a mesma hora todo dia. Ele come à mesma hora todo dia”. O desenrolar da trama revela o quanto a rotina pode ser prejudicial e como as ações mais simples fazem toda a diferença. O filme salienta o que a empresa que o contratou sempre orienta seus funcionários quanto a maneira que devem proceder: “Pergunte; Escute; Observe; Ajude; Pergunte novamente; Nada mais, nada menos”.
A própria chamada do filme nos traz em letras garrafais que: “Não dá para cuidar de alguém antes de aprender a se cuidar”.
Ao pensarmos que cuidar de alguém é como navegar entre os que cuidam e quem está sendo cuidado, conseguimos pensar e refletir no real sentido que o ato do cuidado tem e a forma que toma para cada um que o desempenha, por conseguinte, é preciso que nos amemos e nos cuidemos em primeiro lugar, afim de que possamos desempenhar um cuidado mais efetivo.
*Por Lucas Silva Dellalibera. Bolsista de Iniciação à Extensão da UFPEL.
“Se não podemos mudar isso, talvez possamos nos acostumar um pouco…”
Um convite emocionante para pensar sobre as condições de possibilidade diante do fim da vida. É assim que compreendo o sensível documentário “A partida final”.
Separem seus lencinhos, e permitam-se conhecer mais sobre os Cuidados Paliativos a partir das experiências de quem recebe – sujeitos acometidos por uma doença que ameaça a vida e familiar – e a partir da percepção dos profissionais de saúde que prestam esse cuidado.
As dificuldades pessoais e familiares em decidir as condutas terapêuticas com base nos sentimentos de perda, associado ao desejo de ter ao nosso lado quem amamos; a escolha pelo local onde viver os últimos dias de vida; a ideia de colocar-se no lugar do outro em momentos difíceis; saber o que mais nos importa no tempo que temos, o qual não sabemos quantificar; proporcionar espaços para despedida e desafios como o de “fazer amizade com a morte” ou, relacionar-se de alguma forma com ela, são alguns dos temas abordados ao longo do documentário.
A proposta não é fugir da raiva, do sofrimento e diminuir as emoções, mas que possamos falar sobre a morte a partir das formas de vivê-la.
*Por Francielly Zilli. Terapeuta Ocupacional. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFPEL – Bolsista Capes.
TESTEMUNHO DE UMA CUIDADORA
“Quando se tem saúde, nem sempre nos preocupamos em celebrar a vida de maneira a valorizar o que importa. Na vida não há retorno, e dificilmente alguém não lastima o passado que poderia ter sido diferente. Em um momento de doença, essas constatações são como ferro em brasa nas nossas mentes, acabam muitas vezes ferindo mais do que a doença em si. Conosco, eu e meu marido, foi assim também.
Eu precisei me afastar do meu trabalho de professora, pois não podia conciliar minha profissão com os cuidados ao meu marido. De professora, eu me tornei cuidadora. De ensinante, passei a aprendiz. Não foi fácil para mim, que não tinha a menor experiência com cuidados a pessoas doentes, não sabia como seria dali para frente, mas foi necessário. A pessoa que eu amava precisava de mim, era a hora de eu cuidar dele.
Quando você se torna cuidadora, tem que abrir mão de si mesma para dar atenção à pessoa que precisa de você. As coisas que você quer podem esperar; já as coisas que o paciente precisa são prioridade, não podem ser deixadas para depois. Há dias em que você se sente exausta, sem forças para prosseguir; dias em que você chora e lamenta o destino; dias em que você fica achando-se uma coitada que precisa ouvir coisas que não quer, fazer coisas que não aprendeu ou não gosta; dias em que você sonha com a vida que ficou para trás e deseja retomar; dias em que você se esforça ao máximo e nada dá certo; dias em que você precisa engolir a aflição e o choro, para não deixar transparecer ao paciente sua preocupação. São dias em que você não vai querer ser você.
Há também dias em que tudo vai parecer fácil. Nesses dias, você vai sorrir quando ver a pessoa cuidada bem disposta; vai conseguir assistir ao seu programa de tevê favorito, ler aquele livro que está empoeirado na estante esperando você; vai pensar que a cura está próxima e acreditar que a vida está lhe sorrindo novamente.
Cuidei do meu marido. Aprendi a fazer curativos, trocar e limpar bolsa de colostomia, ministrar medicação, retirar e fechar o acesso de medicação, retirar o acesso endovenoso quando acabava algum tratamento prolongado feito em casa. Aprendi também a silenciar quando ele estava irritado, buscar maneiras de dar-lhe conforto, pressentir quando ele não estava bem, fazer-lhe singelas surpresas, tentar de alguma forma amenizar a dor que ele estava passando. Aprendi ainda a sufocar a minha dor ao vê-lo perdendo suas forças, criando uma máscara imaginária que usava quando as coisas não estavam bem, mas eu não queria que ele percebesse.
Minha máscara imaginária era utilizada diariamente, pelo menos três vezes ao dia, quando tínhamos que abrir o enorme curativo em seu abdômen aberto. Era uma ferida bastante extensa, de onde saíam secreções e muitas vezes faziam parecer que os curativos não estavam sendo bem feitos. Dia após dia aquela ferida ia crescendo, os curativos ficando maiores, a doença avançando. Quando se tem uma doença interna, você não sabe o que tem dentro do seu corpo e não fica tão assustado. No nosso caso, pelo menos três vezes ao dia tínhamos que ficar frente e frente com a doença, nós víamos a doença crescendo, e não havia nada a ser feito, além de esperar e confiar que aconteceria a cura.
Sim, eu fui cuidadora por quase três anos. Fui esposa, companheira, às vezes fui bruxa, outras fui fada. Ele dizia que minhas mãos eram milagrosas e tiravam-lhe a dor quando eu o tocava; dizia também que eu era um anjo na sua vida, que sem mim ele não suportaria tanto sofrimento. Ao longo do período da doença, procurei fazer o melhor para ele. Mais do que aprender a cuidar dele, aprendi que a vida não espera, você precisa viver o que deseja, não deixar para depois, pois o depois pode não chegar.
Apenas uma coisa não aprendi, que é viver sem ele. Meus dias são tristes, saudosos de um tempo que não voltará. Uma grande amiga um dia me disse que, se pudéssemos retornar ao passado, certamente faríamos tudo igual novamente. Acredito que ela tem razão, pois a vida não tem rascunho, não podemos saber o que faremos antes de estarmos naquela situação; podemos imaginar, mas só saberemos de fato quando vivermos os acontecimentos.
Se me fosse dada uma chance de reviver aquele período, penso que de fato faria tudo igual e depois lamentaria os equívocos, como hoje lamento. Por isso, dirijo-me a você, que hoje é uma cuidadora ou cuidador: abrir mão de si para proteger quem você ama é a melhor coisa que você pode fazer da sua vida. Não desperdice seu tempo com lamentos, corrija seus erros enquanto é tempo, demonstre amor nos pequenos gestos, adapte-se à vida que você tem que viver, deixe seu paciente fazer o que ele considera-se capaz de fazer e não tenha medo das consequências, acumule momentos de afeto para serem relembrados nos momentos em que a saudade apertar, tenha coragem para enfrentar seus medos e incertezas, faça tudo sem reclamar, vigie suas emoções para não se deixar dominar por elas e fazer sua carga mais pesada. Acima de tudo, AME a vida que você tem, pois, por pior que ela seja, é a vida que lhe foi dada, e você precisa vivê-la da melhor forma que conseguir.” KRSC
DEPOIMENTO DE UMA CUIDADORA FAMILIAR
“Sempre tive esse dom de cuidar os outros, as vezes fizemos deste cuidar o que o sentimento nos faz envolvidos pela dor e sofrimento daqueles que tanto amamos e realmente esquecemos de nós mesmos. A sobrecarga emocional é muito grande, ou queremos fazer tudo sozinhos, com a melhor qualidade de vida para o doente. Ou as vezes somos abandonados pelos outros familiares, pois caem fora das responsabilidades e esquecem que qualquer ser humano tem suas fragilidades. Hoje eu cuido do outro, amanhã eu vou precisar de cuidados se eu não me cuidar em todos os aspectos. Depois que recebi orientação do Projeto de Extensão “Um olhar sobre o cuidador familiar: quem cuida merece ser cuidado”, consegui me organizar e amenizar bastante o cuidado com o ente querido, com este apoio. Gostaria de poder ajudar as pessoas que passam com seus familiares o que passei. Já me ofereci em vários lugares, para de alguma forma passar experiência da qual eu eu experimentei ao longo da enfermidade da minha querida mãe. Depois de sua partida, já cuidei dois pacientes sem nenhum vínculo familiar, mas o amor é o mesmo. Porque todo o ser humano está sujeito a passar por uma enfermidade. Então faz aos outros o que gostarias que fizeste para ti. Este é o meu lema. Beijos”. Graça Tavares Borck
Privações sociais, pessoais e ocupacionais em cuidadores familiares
Deparar-se com um familiar doente, não é algo desejado, nem algo pensado antes da situação acontecer. Entretanto, essa realidade pode ocorrer ao longo do ciclo natural da vida. Nessas circunstâncias, entra em cena o cuidador familiar. Um cuidador familiar é aquela pessoa próxima do enfermo que se responsabiliza pelos cuidados, tanto de cunho físico, como banhos, trocas de roupas, administração de medicações e outros procedimentos técnicos que podem ser realizados por cuidadores; como também, demais cuidados que envolvem aspectos mais burocráticos, como idas e vindas aos serviços de saúde, acesso a medicações, receitas, internações. Embora nem sempre aconteça, o cuidado pode ser compartilhado com mais de uma pessoa.
Por vezes, o cuidador familiar acaba mudando totalmente sua rotina, visando o atendimento das necessidades do doente. Em algumas situações, deixa o emprego (demissão, férias, licença-saúde), deixa de realizar visitas aos amigos, abdica do lazer no final de semana. Na maioria dos casos, há apenas um cuidador, porque não há outra pessoa que possa assumir essa tarefa, ou o cuidador acha que não deve solicitar ajuda. Outra questão, comum nas famílias, está relacionada aos limites financeiros, uma vez que contratar cuidadores acaba pesando no orçamento mensal.
O doente é o foco das atenções, contudo, além dele existe o cuidador, que deixou seu emprego, seus amigos, seus passeios, sua rotina e o cuidado consigo mesmo, para realizar cuidados com o próximo. Perguntas ao cuidador, que podem levar a essa reflexão são: quando foi a última vez que você realizou exames para prevenção de sua saúde? Quantas vezes no mês você dedicou um momento para si?
O cuidador acaba se privando de atenção consigo mesmo, porque pensa que poderá ser julgado por queixar-se da tarefa de cuidar. Portanto, os cuidadores precisam buscar espaços e atividades para si, delegando o cuidado a outro membro da família, pelo menos, uma vez por semana, a fim de encontrar amigos, desenvolver uma atividade de lazer, relaxar, espairecer. Tal movimento pode evitar que o cuidador venha a tornar-se um segundo paciente.
Autores: Melissa Hartmann1; Fernanda Eisenhardt de Mello1; Stefanie Griebeler Oliveira2; Franciele Roberta Cordeiro2; Adrize Rutz Porto2
- Acadêmicas da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL).
- Professoras da Faculdade de Enfermagem/UFPEL
A sobrecarga do cuidador familiar no cuidado domiciliar
A necessidade de um cuidador familiar no domicílio, atualmente, é bastante presente na sociedade, especialmente quando há algum membro da família doente em acompanhamento por equipes da atenção domiciliar. Tal fato deve-se ao aumento da expectativa de vida nos últimos anos. Esse fenômeno impacta na qualidade de vida de adultos e idosos, que necessitam cada vez mais de cuidados devido o aumento das doenças crônicas.
As pessoas que se disponibilizam para realizar o cuidado no domicílio, por vezes, possuem pouco acesso às informações e capacitações. Quando isso ocorre, antes de uma alta hospitalar, por exemplo, pode haver dificuldade de entendimento de todas as informações fornecidas acerca do cuidado a ser prestado, uma vez que o possível cuidador está assimilando as notícias sobre a doença e a situação do paciente, refletindo sobre como será a (re)organização para o cuidado domiciliar. Assim, a transformação na vida do novo cuidador faz com que ele tente se adaptar a rotina e aos encargos do dia a dia, relegando a segundo plano o cuidado de si.
Com isso, a qualidade de vida do cuidador é afetada, envolvendo fatores como a saúde física, o estado psicológico, os níveis de independência, os relacionamentos sociais, o padrão espiritual, entre outros, implicando em diferentes tipos de sobrecargas. Estudos recentes indicam três principais tipos de sobrecargas que afetam a qualidade de vida dos cuidadores: a física, a emocional e a social.
A sobrecarga física refere-se a grande demanda de cuidados prestados ao paciente, que exige esforço físico e muitas horas do dia para o cuidado. Por exemplo, pode-se destacar atividades como levar ao banheiro, fazer mudanças de posição no paciente acamado, entre outras. A sobrecarga emocional trata do apoio que o cuidador presta a pessoa que está sendo cuidada. Em algumas situações, o adoecimento faz com que o estado psicológico do familiar seja afetado. Por último, a sobrecarga social se torna nítida, quando o cuidador começa a deixar de lado questões como o trabalho, o convívio com a família e os amigos por falta de tempo livre.
As três sobrecargas citadas não são explícitas nos cuidadores, por que esses não se sentem confortáveis em admitir o excesso de trabalho que estão passando. Fontes de apoio, suporte e a realização de pesquisas são essenciais para achar meios de aliviar a sobrecarga das pessoas que fornecem o cuidado, evitando que o cuidador se torne um segundo paciente.
Autores: Fernanda Eisenhardt de Mello1; Melissa Hartmann1; Stefanie Griebeler Oliveira2; Franciele Roberta Cordeiro2; Adrize Rutz Porto2
- Acadêmicas da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL).
- Professoras da Faculdade de Enfermagem/UFPEL