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X SIMP – Seminário Internacional Memória e Patrimônio

Revisitar. Revisitar o passado ou, sendo fiel ao grande sociólogo da memória, reconstruí-lo com os instrumentos do que somos no presente.

Revisitar, rever, reviver, mas nunca ver ou viver o mesmo e sendo o mesmo. Revisitemos, então, pelo olhar e palavras de Jorge Semprún, o que seriam os últimos momentos de Maurice Halbwachs em uma enfermaria do campo de concentração de Buchenwald, no dia 16 de março de 1945. Semprún, estudante de filosofia e prisioneiro do mesmo campo, torna-se um observador e narrador do martírio de Halbwachs e, tomado pelo pânico diante da agonia final do antigo mestre, murmura no ouvido do moribundo, alguns versos de Baudelaire: “(…)Si le ciel et la mer sont noirs comme de l’encre, nos coeurs que tu connais sont remplis de rayons !…Um leve estremecimento se delineia nos lábios de Maurice Halbwachs. Ele sorri, morrendo, lançando sobre mim seu olhar fraternal”(MONTLIBERT,1997).

A cena descrita por Jorge Semprún, relato impactante do destino de milhões de pessoas vitimadas dentro dos campos de concentração nazistas, adquire um tom ainda mais dramático pelas últimas palavras: “ele sorri, morrendo, lançando sobre mim seu olhar fraternal”. Eis ai o retrato vivo do grande intelectual cuja dignidade, sabedoria e generosidade, fizeram converter o momento do doloroso final em uma lição de profunda humanidade. O olhar fraternal, o olhar do homem que, tendo se debruçado sobre temas fundamentais da vida humana, escolheu a memória como forma de pensar a sociedade, o indivíduo e as conexões com o passado.

Tempo, que para Halbwachs se definia como a duração própria de cada grupo, é hoje para nós a ocasião para revisitar sua obra póstuma, A Memória Coletiva, uma série de textos escritos entre 1925 e 1944 e compilados, de forma bastante personalizada e como uma espécie de testamento ao futuro, por sua irmã Jeanne Halbwachs (BECKER, 2003).

O sociólogo da memória nos deixa sua memória e nos leva a pensar na forma como nos chegam as recordações, na força de coesão que ela, memória, assume dentro dos grupos sociais. Na obra, que nesse ano de 2020 completa seu septuagésimo aniversário, Halbwachs busca, sem no entanto conseguir finalizar, posto que interrompido pela barbárie, refletir como os sujeitos, agora já de forma mais individualizada e singular, são, em última instância, os que recordam, ainda que apoiando-se nas recordações dos outros.

Retomando o começo dessa apresentação, atestamos essa tese do outro ou os outros, como vetores da memória pois é através de Jorge Semprún que elaboramos nossa recordação de Halbwachs, ou mesmo desse tempo sombrio do qual ele foi vitimado.

O X SIMP é, portanto, uma espécie de homenagem ao intelectual vigoroso que foi Maurice Halbwachs, capaz de, com sua força de pensamento e sua lucidez, se tornar um gigante frente à máquina de destruição nazista, apesar de seu organismo esquálido e atormentado pelos sofrimentos.

Nesse evento encontraremos Halbwachs, mesmo quando não for ele o tema gerador das conferências ou das discussões nos simpósios temáticos.

As conferências serão ministradas por intelectuais de diferentes áreas do conhecimento, a saber: José Rilla, história, Uruguai; Edson Sousa, psicanálise, Brasil; Vera Dodebei, comunicação, Brasil; Renato Cymbalista, arquitetura, Brasil; Jens Anderman, literatura comparada, EUA.

Veremos Halbwachs ao apresentá-lo em sua obra, ao pensar memória na perspectiva individual, ao refletir sobre as formas contemporâneas de construir essas memórias na virtualidade e nas disputas memoriais no espaço urbano, bem como o encontraremos na discussão sobre memória/inclusão/ exclusão dentro do templo de Mnemosyne, o museu.

Estas temáticas, que serão abordadas em conferências, seguirão para discussão nos simpósios temáticos que ocorrerão durante o evento.

2020, pandemia, quarentena, Brasil de mais de cem mil mortos pelo vírus. Esse é o contexto no qual pensamos os 70 anos da obra de Halbwachs, justamente porque não sabemos como essas vivencias de agora se converterão- ou não- em uma memória coletiva, quando o futuro chegar.

Referências:

BECKER, Annette. Maurice Halbwachs: un intellectuel en guerres mondiales 1914-1945. Paris, Agnès Viénot  Éditions, 2003.

MONTLIBERT, Christian. Maurice Halbwachs, 1877-1945. Strasbourg, Presses Universitaires de Strasbourg, 1997.


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