Alguns Resultados- Pesquisa Desinformação e COVID-19 na Mídia Social

(por Raquel Recuero)

O MIDIARS já tem três preprints (um deles já publicado), e mais uma sequencia de artigos que estão submetidos focando a pesquisa sobre desinformação e covid-19 na mídia social. Alguns dos principais resultados:

  • A desinformação relacionada à pandemia é quase na sua totalidade enquadrada como uma questão política. Trata-se de ter um “lado” político e, por isso, adotar determinadas ações que interferem na saúde pública. Exemplo: Usar ou não usar máscara é relacionado a adotar ou não a uma filiação política. Se você defende A, não pode usar, se defende B, usa. (Recuero & Soares, 2020)  Do mesmo modo, grupos políticos e autoridade políticas têm um papel importantíssimo na legitimação e na circulação desse tipo de conteúdo. Também encontramos desinformação relacionada à pandemia alinhada com crises políticas no Brasil, oferecendo “histórias alternativas” sobre a crise ou atingindo diretamente adversários políticos (Resultados obtidos no Twitter, Facebook e WhatsApp em outros artigos ainda na espera para publicação.)
  • A desinformação circula de forma mais forte nos grupos de extrema direita. Esses grupos também terminam “filtrando” a circulação de conteúdo que possa desmentir a desinformação. Portanto, onde circula a desinformação, não circula o fact-checking e a mídia tradicional (Recuero, Soares & Zago, 2020Soares, Viegas, Bonoto e Recuero, 2020). Há uma forte relação entre polarização política e circulação da desinformação, portanto.
  • Quanto mais fechada a rede, mais difícil é a circulação de conteúdo que possa combater a desinformação. Particularmente, em canais onde há mais privacidade na circulação de conteúdo (WhatsApp e grupos no Facebook, por exemplo), circula mais conteúdo inteiramente fabricado, extremizado e teorias da conspiração. (Soares, Viegas, Bonoto e Recuero, 2020) Em lugares mais públicos, como o Twitter e as páginas do Facebook, circula menos conteúdo completamente falso e mais conteúdo enganoso (que tem verdades parciais).
  • Notamos a presença de campanhas desinformativas, que ocorrem em determinados momentos, de forma coordenada, em vários canais, de modo a atingir algum ponto considerado relevante. Por exemplo, campanhas contra a vacinação, campanhas contra adversários políticos e instituições (particularmente STF e OMS), e etc. Essas campanhas são acionadas sempre que há uma crise política. Não são baseadas apenas no espalhamento de links únicos desinformativos, mas, igualmente, em outras estratégias, como “opiniões” de autoridades que legitimam aquela ideia, links variados (como se vários “meios” estivessem dando a mesma informação ao mesmo tempo), imagens e etc.
  • Há campanhas para desacreditar a mídia tradicional e fortalecer veículos hiperpartidários (geralmente anônimos) como as “únicas fontes de informação” confiáveis. A campanha desinformativa política também “adota” pautas que são associadas a um mesmo sistema ideológico. Nesse sentido, o assunto da pandemia é sempre tratado como uma questão política e não como uma questão de saúde pública. A pauta da saúde é esvaziada e substituída por teorias da conspiração a respeito do vírus, questionamento de sua existência, discussão do vírus como um elemento de “controle” do estado, pautas antivacinas,  pautas antimedicamentos, pautas que focam a auto medicação como uma ação de liberdade individual, etc.
  • São usadas variadas estratégias de legitimação discursivas, notadamente autorização (pelos especialistas – “sou médico”, políticos – “autorizo”) e narrativização da pauta (como a criação de historietas que acompanham a desinformação, por exemplo: “Nos anos X e Y tivemos outras pandemias e as mesmas desapareceram naturalmente, como comprova a História,  sem a necessidade de vacinas”, particularmente enquadrando questões morais como o bem x o mal, nós x o inimigo), bem como avaliação moral (pessoas “do bem” agem do modo Y). Estratégias específicas para a circulação também são adotadas (como a criação de um senso de urgência no conteúdo – “urgente”, “espalhe o máximo possível”, mobilização através de call to actions e hashtags, etc.).

 

Por conta desses resultados, vemos que é preciso uma ação muito maior por parte de governos, instituições e outros especialistas contra a desinformação. Não basta apenas fact- checking ou material publicado na mídia tradicional (embora essas ações sejam importantes para evitar novas radicalizações) . Há uma audiência crescente para as teorias conspiratórias e uma radicalização da população em torno dessas pautas. É preciso agir de modo coordenado, com um discurso único, utilizando estratégias semelhantes àquelas usadas pela campanhas desinformativas, sob pena de não atingir aqueles mais radicalizados. Ações das próprias plataformas de mídia social no sentido de evitar a circulação de conteúdo desinformativo e apresentar a checagem junto com a desinformação também são fundamentais.

Partes desses resultados estão submetidos e/ou publicados. Estamos concluindo um estudo sobre Instagram e um primeiro estudo sobre vacinas. Em breve vamos publicar mais conteúdo específico dos artigos que estão publicados ou em pre-prints.

Monitor das Eleições: primeiro turno em Porto Alegre

(por Felipe Soares)

Como parte do Monitor das Eleições, do MIDIARS, temos acompanhado as campanhas digitais e realizado o monitoramento de suas páginas dos candidatos no Facebook e Instagram. Ontem, publicamos uma análise sobre os dados de mídias sociais no primeiro turno em Pelotas. Hoje, é a vez de Porto Alegre.

Na capital gaúcha, o segundo turno será entre Sebastião Melo (MDB), que recebeu 31,01% dos votos, e Manuela D’Ávila (PC do B), que alcançou 29%. Utilizamos o CrowdTangle para monitorar as páginas dos candidatos no Facebook e no Instagram. Nas mídias sociais, Manuela D’Ávila foi líder absoluta. Com quase 10 milhões de interações em suas publicações, Manuela foi responsável por mais de 77% do total de interações entre todos os candidatos. Quem também recebeu muitas interações nas mídias sociais, foi Fernanda Melchionna (PSOL), com um total de quase 1,4 milhão – mais de 11% do total de interações entre os candidatos. Apesar dos bons números nas mídias sociais, ela recebeu 4,34% dos votos e terminou a disputa em quinto lugar.

Sebastião Melo, candidato mais votado no primeiro turno, foi apenas o sexto em número de interações nas mídias sociais (o quinto, desconsiderando José Furtunati, do PTB, que retirou a candidatura na véspera do pleito). Melo recebeu aproximadamente 150 mil interações em suas publicações no Facebook e Instagram. O gráfico abaixo detalha os números de interações dos candidatos.

Para analisar como as interações nas mídias sociais se relacionam com a votação nas urnas, foi realizado um teste de correlação comparando o total de interações e o total de votos dos candidatos. O coeficiente de correlação Pearson serve para analisar as correlações entre duas variáveis, ou seja, para identificar se quando uma aumenta, a outra também aumenta. O índice Pearson vai de – 1 (quando há uma correlação negativa perfeita, sempre que uma variável aumenta, a outra diminui) a 1 (quando há uma correlação positiva perfeita, sempre uma variável aumenta, a outra também aumenta), enquanto números próximos de 0 mostram independência entre as variáveis.

No geral, os testes apontaram uma correlação moderada entre interações nas mídias sociais e o resultado nas urnas. Os altos números de interações nas mídias sociais de Manuela e Fernanda em comparação com os outros candidatos podem ter afetado os resultados. No Instagram, a correlação foi de 0,560. No Facebook, 0,584. Já considerando o total de interações nas duas plataformas, a correlação foi de 0,570. Estes resultados mostram que há uma tendência de que candidatos com mais interações nas mídias sociais também recebam mais votos, mas que essa tendência nem sempre se concretiza. Por exemplo, Fernanda Melchionna foi a segunda com mais interações nas mídias sociais e ficou em quinto no pleito eleitoral, enquanto Sebastião Melo foi o mais votado, mesmo aparecendo apenas em quinto no número de interações nas mídias sociais. O gráfico abaixo mostra os percentuais de interações totais e de votos, ilustrando a relação entre as duas variáveis.

Também analisamos que tipo de publicação funcionou melhor para os candidatos que vão disputar o segundo turno. A maioria dos posts dos candidatos no Facebook foram fotos e vídeos nativos. Manuela postou 455 fotos e 239 vídeos nativos. Ela ainda publicou 27 links, realizou sete lives, publicou cinco vídeos do YouTube e compartilhou dois status (somente texto). Melo publicou 217 fotos e 139 vídeos nativos. Ele também publicou três vídeos do Youtube, realizou duas lives e publicou dois links. Manuela teve uma média de 5090 interações em suas 735 publicações. Melo teve média de aproximadamente 326 interações em suas 363 publicações.

As fotos foram o tipo de publicação com maior média para Manuela, com aproximadamente 6557 interações por foto. Em seguida, foram os links, com aproximadamente 5756 interações por publicação. Com médias mais baixas, aparecem os status (2696), os vídeos (2442), as lives (1683) e os vídeos do YouTube (272).

Para Melo, a maior média ocorreu nas lives, com aproximadamente 903 interações por live. Na sequência, foram as fotos, com aproximadamente 408 interações, e os links, com 378. Vídeos nativos (194) e do YouTube (106) foram as médias mais baixas. O gráfico abaixo detalha as médias por tipo de publicação no Facebook.

No Instagram, Manuela alcançou uma média de aproximadamente 9118 interações por publicação (em 697 publicações) e Melo, de 150 interações por publicação (em 256 publicações). Os candidatos fizeram quatro tipos de publicações no Instagram: fotos, quando apenas uma foto era publicada; álbuns, com um conjunto de fotos; vídeos, com vídeos curtos publicados na linha do tempo; e IGTV, ferramenta do Instagram que permite a publicação de vídeos mais longos em espaço específico.

Foram as fotos (474 publicações) que geraram mais interações para Manuela no Instagram, com uma média de aproximadamente 10041 interações por foto. Na sequência, aparecem os vídeos (108 publicações), com uma média de aproximadamente 7418 interações. Em seguida, são as publicações no IGTV (100) com média de quase 7038. Por fim, os álbuns (15) com aproximadamente 6060 interações de média.

Para Melo, ao contrário, os álbuns (39 publicações) geraram maior média de interações, com 241 por publicação. Eles foram seguidos pelas fotos (111) com média de 183 interações. As publicações de IGTV (44) alcançaram média de quase 90 interações e os vídeos (62), de aproximadamente 77 interações.  O gráfico abaixo detalha as comparações entre os candidatos no Instagram.

Quer saber mais sobre as propostas de Melo e Manuela e como vai a campanha durante o segundo turno? Temos um live display com monitoramento em tempo real das páginas dos candidatos no Facebook e Instagram. Acompanha lá!

 

Monitor das Eleições: primeiro turno em Pelotas

(por Felipe Soares)

 No projeto Monitor das Eleições, do MIDIARS, temos acompanhado as campanhas digitais e realizado o monitoramento de suas páginas dos candidatos no Facebook e Instagram. Por isso, trazemos algumas análises sobre as eleições pelotenses e o que aconteceu nas mídias sociais durante o primeiro turno.

Com todas as urnas apuradas, teremos segundo turno em Pelotas. A atual prefeita Paula Mascarenhas (PSDB) alcançou 49,74% dos votos e o segundo lugar foi de Ivan Duarte (PT), com 14,49%. Por meio do CrowdTangle, acompanhamos as páginas dos candidatos no Facebook e no Instagram. Nas mídias sociais, Paula Mascarenhas também foi a candidata que recebeu mais interações. Paula foi líder nas duas plataformas e recebeu mais de 135 mil interações.

Nas mídias sociais, o segundo lugar ficou com Fetter Jr., que foi o terceiro candidato mais votado (13,63%). Ele recebeu quase 80 mil interações na soma de Facebook e Instagram. Ivan Duarte, que está no segundo turno, foi o terceiro candidato com mais interações no Facebook e Instagram, com quase 40 mil. O gráfico abaixo detalha as interações de todos os candidatos no Facebook e no Instagram (Eduardo Ligabue, do PCO, não foi monitorado porque não possuía páginas públicas nas plataformas durante a campanha).

Como as interações nas mídias sociais se relacionam com votos? Para descobrir isso, fizemos um teste de correlação entre o total de interações e o total de votos dos candidatos. O coeficiente de correlação Pearson serve para analisar as correlações entre duas variáveis, ou seja, para identificar se quando uma aumenta, a outra também aumenta. O índice Pearson vai de – 1 (quando há uma correlação negativa perfeita, sempre que uma variável aumenta, a outra diminui) a 1 (quando há uma correlação positiva perfeita, sempre uma variável aumenta, a outra também aumenta), enquanto números próximos de 0 mostram independência das variáveis.

Os resultados do teste de correlação mostram que candidatos que receberam mais interações nas mídias sociais também receberam mais votos. A correlação entre a votação final e as interações no Instagram foi 0,877, que é considerada uma relação forte. No Facebook foi de 0,937, uma correlação muito forte. Considerando o total de interações nas duas plataformas a correlação foi ainda mais alta, 0,947. O teste de correlação não serve para apontar causa e efeito e nem para predizer resultados, mas apenas para mostrar que duas variáveis tendem a aumentar ou diminuir de maneira semelhante. Assim, interações nas mídias sociais não servem para prever os resultados, mas são bons indicadores dos candidatos que se destacam nas campanhas. O gráfico abaixo mostra os percentuais de interações totais e de votos, ilustrando a relação entre as duas variáveis.

Também analisamos que tipo de publicação funcionou melhor para os candidatos que vão disputar o segundo turno. No Facebook, Paula utilizou três tipos de publicações: fotos, vídeos nativos e lives. A maioria das publicações de Ivan também foram nestes três tipos, mas o candidato também publicou um link, um vídeo do YouTube e teve uma publicação apenas com status (texto). No total, Paula teve uma média de aproximadamente 685 interações por publicação no Facebook (em 159 publicações) e Ivan, de quase 160 interações (em 157 publicações).

Os dois candidatos registraram maior média de interações nas lives, mais de mil interações de média para Paula (em 9 lives) e aproximadamente 271 interações para Ivan (em 5 lives). Na relação entre fotos e vídeo, as fotos levaram vantagem, com média de quase 770 interações para Paula (94 publicações) e aproximadamente 163 interações para Ivan (82 publicações). Os vídeos nativos tiveram média de aproximadamente 492 interações para Paula (56 vídeos) e quase 149 interações para Ivan (67 vídeos). O gráfico abaixo detalha as médias por tipo de publicação.

No Instagram, Paula recebeu uma média de aproximadamente 462 interações por publicação (em 71 publicações) e Ivan, de 100 interações por publicação (em 149 publicações). Os candidatos fizeram quatro tipos de publicações no Instagram: fotos, quando apenas uma foto era publicada; álbuns, com um conjunto de fotos; vídeos, com vídeos curtos publicados na linha do tempo; e IGTV, ferramenta do Instagram que permite a publicação de vídeos mais longos em espaço específico.

Para Paula, foram as fotos (10 publicações) que geraram mais interações, com aproximadamente 714 de média. Em seguida, aparecem os álbuns (28 publicações), com aproximadamente 525 interações de média. As publicações de IGTV (22) geraram quase 371 interações de média e os vídeos (11), aproximadamente 255 interações de média.

Para Ivan, foram os álbuns (22 publicações) que alcançaram maior média de interações, com aproximadamente 159 de média. Eles foram seguidos pelos vídeos (28 publicações) com média de 104 interações, fotos (63) com média de quase 90 interações e IGTV (36), com média de quase 80 interações. O gráfico abaixo detalha as comparações entre os candidatos.

Quer saber mais sobre as propostas de Paula e Ivan e como vai a campanha durante o segundo turno? Temos um live display com monitoramento em tempo real das páginas dos candidatos no Facebook e Instagram. Acompanha lá!

Preprint: Desinformação sobre o Covid-19 no WhatsApp: a pandemia enquadrada como debate político

(por Felipe Soares e Raquel Recuero)

Principais pontos

  • Analisamos mais de 800 mensagens desinformativas que circularam em grupos públicos do WhatsApp em março e abril de 2020 e descobrimos que a desinformação enquadrou a pandemia como debate político.
  • Particularmente, descobrimos que a desinformação nesses grupos foi utilizada para fortalecer uma narrativa pró-Bolsonaro em meio a crises que o governo enfrentava.
  • A principal estratégia para isso foi o uso de teorias da conspiração,  o tipo de desinformação mais comum nas mensagens que analisamos, o que indica que as características da plataforma (no caso do WhatsApp, o fechamento da mesma, o que torna mais difícil contrapor a desinformação) podem influenciar o conteúdo desta desinformação.

 

Overview

O nosso o artigo “Desinformação sobre o Covid-19 no WhatsApp: a pandemia enquadrada como debate político” está disponível em formato preprint na SciELO. Neste estudo, discutimos como é enquadrada a desinformação sobre o Covid-19 no WhatsApp no Brasil. Para isso, analisamos 802 mensagens que circularam em grupos públicos da plataforma nos meses de março e abril de 2020. Para coletar estas mensagens, utilizamos o Monitor do WhatsApp. As mensagens que analisamos foram compartilhadas quase 35 mil vezes somente nos grupos monitorados pelo Monitor do WhatsApp, o que indica o impacto social que tiveram. Os nossos resultados mostram que (1) a pandemia foi enquadrada como debate político e a desinformação foi utilizada para fortalecer uma narrativa pró-Bolsonaro em momento de crise do governo; e (2) as características do WhatsApp parecem afetar o conteúdo das mensagens, já que houve grande circulação de teorias da conspiração – que são menos frequentes em plataformas mais públicas, como Twitter, Facebook e YouTube.

 

A nossa pesquisa mostra que a desinformação utiliza o discurso político, particularmente declarações de Bolsonaro, para enquadrar o Covid-19 como um tema político. Isto pode ter como consequências o aumento da polarização nos discursos sobre a pandemia e a falta de coordenação social nas medidas de combate ao vírus. Além disso, destacamos a necessidade de considerar as características das plataformas no estudo da desinformação.

 

Método

Os resultados que apresentamos neste artigo são baseados na análise de 802 mensagens que coletamos utilizando o Monitor do WhatsApp. Para a análise destes dados, utilizamos a Análise de Conteúdo como método. Observamos (1) qual o tipo de desinformação presente nas mensagens e (2) quais os temas mencionados nas mensagens. Dividimos os tipos de desinformação em três:

 

(1)   Distorção: conteúdo baseado em informações parcialmente verdadeiras, que são distorcidas para gerar conclusões equivocadas. Inclui conexões falsas, informações fora de contexto, enquadramentos enganosos e informações reconfiguradas de alguma forma para enganar.

(2)   Informação fabricada: informações completamente falsas, criadas para enganar. Incluem, por exemplo, áudios falsos, dados criados sem base em evidências, entre outras estratégias.

(3)   Teorias da conspiração: narrativas sem qualquer evidência comprovada que falam sobre alguma forma de conspiração ou plano obscuramente orquestrado por indivíduos ou grupos com objetivos de manipulação social.

 

As categorias de desinformação eram mutuamente exclusivas, enquanto as categorias de tópicos das mensagens não eram exclusivas (mais de um tema poderia ser identificado em uma mesma mensagem). Foram definidos quinze temas a partir de uma pré-análise dos dados: Bolsonaro, China, congresso, cura, distanciamento social, economia, esquerda, governadores e prefeitos, Henrique Mandetta, hospitais, mídia, ministros (exceto Mandetta), Organização Mundial da Saúde, países do exterior (exceto China), Supremo Tribunal Federal.

 

Resultados

Nossos resultados mostram que a desinformação enquadrou o Covid-19 como debate político. A partir do meio do mês de março, o governo de Bolsonaro enfrentou crises em função da como tratava a pandemia. Brasileiros bateram panelas em suas janelas e pediram o impeachment do presidente. No mesmo período, Henrique Mandetta, então Ministro da Saúde, e governadores apoiavam as medidas de distanciamento social sugeridas pela Organização Mundial da Saúde como forma de controlar o espalhamento do vírus. Enquanto a popularidade de Bolsonaro diminuía, Mandetta e governadores eram mais bem avaliados pelos brasileiros.

 

Como resposta a esta crise, Bolsonaro realizou um pronunciamento na televisão aberta no dia 24 de março. No pronunciamento, Bolsonaro criticou as medidas adotadas por governadores, minimizou a ameaça do Covid-19, culpou a mídia por “histeria” e defendeu a “volta a normalidade” com reabertura de escolas e o fim do isolamento social. Em novo pronunciamento, no dia 31 de março, Bolsonaro defendeu que era necessário garantir a estabilidade da economia e que as pessoas necessitavam voltar a trabalhar para evitar o aumento do desemprego e dificuldades econômicas individuais. Quando observamos a distribuição do compartilhamento das mensagens que analisamos, identificamos o pico de compartilhamentos logo após o pronunciamento do dia 24. Além disso, também o pronunciamento do dia 31 coincide com novo aumento no compartilhamento de desinformação sobre o Covid-19 nos grupos monitorados.

 

 

Figura 1. Distribuição do compartilhamento de mensagens ao longo do tempo

 

Também observamos o impacto dos pronunciamentos de Bolsonaro nas temáticas mais centrais nas mensagens. Dentre os tópicos mais mencionados, por exemplo, temos economia (42%), governadores e prefeitos (36%), distanciamento social (27%) e mídia (21%), todos mencionados por Bolsonaro em seu pronunciamento. Também analisamos as correlações entre os temas, isto é, quais os tópicos eram mais frequentemente mencionados nos mesmos contextos. Identificamos que o tema mais central foi “esquerdistas”, que era a forma de categorizar os opositores de Bolsonaro nas mensagens com desinformação. Além disso, “Bolsonaro” também aparece como tema central, associado a autoridades políticas e medidas como distanciamento social (as quais o político criticava). Estes resultados mostram como a desinformação enquadra a pandemia como debate político e utiliza uma estratégia de opor “nós” (o lado “bom”, que apoia a atuação de Bolsonaro) a “eles” (o lado “mau”, que busca conspirar contra o presidente e contra o país), reforçando um contexto de polarização.

 

Figura 2. Frequência dos tópicos nas mensagens

Figura 3. Rede de correlações entre os temas

 

Por fim, descobrimos que as teorias da conspiração foram o tipo de desinformação mais comum nas mensagens que analisamos (41%). Outros estudos que classificaram os tipos de desinformação sobre o Covid-19 em outras plataformas identificaram a distorção como o tipo de desinformação mais comum. O nosso resultado aponta para a importância de considerar as características das plataformas na análise da desinformação. Entendemos que as teorias da conspiração são mais comuns no WhatsApp em função do caráter mais privado das conversações na plataforma. Vimos, ainda, que as teorias da conspiração foram utilizadas principalmente para culpar a China (comunista) pela criação do vírus e para criar narrativas de conspirações contra Bolsonaro – novamente, reforçando o enquadramento político da desinformação sobre o Covid-19.

Figura 4. Exemplo de teoria da conspiração

Figura 5. Exemplo de teoria da conspiração

 

As mensagens com distorção (39%) frequentemente eram utilizadas para criticar as medidas de distanciamento social, ecoando as manifestações de Bolsonaro contrárias a medidas adotadas por governadores e prefeitos. Já as mensagens com informações fabricadas (20%) foram utilizadas para apontar curas para a doença e mencionavam, por exemplo, o uso da hidroxicloroquina. Estudos científicos já comprovaram que o medicamento é ineficaz no tratamento da doença, mas Bolsonaro inúmeras vezes mencionou a hidroxicloroquina como “cura” para o vírus.

Figura 6. Exemplo de distorção

Figura 7. Exemplo de informação fabricada

 

Relevância

O combate ao Covid-19 depende da ação coordenada entre os cidadãos. O espalhamento de desinformação e o acirramento da polarização nos discursos sobre a pandemia são problemáticos porque geram percepções equivocadas sobre a pandemia e dificultam a ação coletiva de combate ao vírus. Assim, o nosso estudo contribui no entendimento de como foi enquadrada a desinformação sobre o Covid-19 no WhatsApp.

Os nossos resultados reforçam resultados anteriores, onde mostramos que a pandemia foi tratada como debate político, porém desta vez, mostramos o mesmo nas mensagens desinformativas no WhatsApp. Particularmente, vimos que este enquadramento foi utilizado para favorecer uma narrativa pró-Bolsonaro e combater crises políticas sofridas pelo governo. Além do reflexo do discurso de Bolsonaro nos tópicos mais mencionados nas mensagens com desinformação no WhatsApp, também identificamos que o pico no compartilhamento de mensagens desinformativas se dá logo após o pronunciamento de Bolsonaro na televisão aberta.

 

Autores e financiamento

Os autores deste artigo são Felipe Soares (UFRGS), Raquel Recuero (UFPEL/UFRGS), Taiane Volcan (UFPEL), Giane Fagundes (UFPEL) e Giéle Sodré (UFPEL). O estudo contou com o apoio do CNPq e da FAPERGS.

Agradecimentos:

Agradecimentos especiais ao Fabricio Benevenuto e à equipe do Monitor de WhatsApp que muito gentilmente permitiram o acesso aos dados. Agradecimentos também à CAPES, CNPq e FAPERGS que de alguma forma apoiaram essa pesquisa.

 

Preprint: Polarização, Hiperpartidarismo e Câmaras de Eco: Como circula a Desinformação sobre Covid-19 no Twitter

(Por Felipe B. Soares)

Principais pontos

  • Nesta pesquisa, analisamos a circulação de links sobre a hidroxicloroquina no Twitter e identificamos polarização na circulação de informações, ou seja, as informações que circulam em um grupo não circulam no outro. Isso significa que links informativos, que poderiam desmentir a desinformação não circulam onde circulou a desinformação.
  • O grupo favorável ao uso da hidroxicloroquina como profilaxia e cura do Covid-19 está associado à desinformação e mídias hiperpartidárias, o que também salienta o alinhamento político da desinformação.

 

Overview

O nosso o artigo “Polarização, Hiperpartidarismo e Câmaras de Eco: Como circula a Desinformação sobre Covid-19 no Twitter” está disponível em Preprint na SciELO. Neste artigo, analisamos a circulação de desinformação sobre o Covid-19 no Twitter, analisando especificamente links relacionadas com o uso da hidroxicloroquina como tratamento da doença. A nossa análise foi realizada a partir de um conjunto de 159.560 links que circularam no Twitter entre os meses de março e julho de 2020.

Através de um mapeamento da rede e da observação da vizinhança dos links e dos links mais compartilhados, observamos uma polarização da circulação dos links de acordo com seu sentido (pró-hidroxicloroquina ou anti-hidroxicloroquina). Os resultados também apontam para uma maior atividade na divulgação de links pró-hidroxicloroquina, grupo onde também circula a maior quantidade de desinformação e de mídias hiperpartidárias.

 

Método

Para a nossa análise, coletamos um total de 925.537 tweets que continham a combinação de palavras “hidroxicloroquina + coronavírus” (302.897) e “cloroquina + coronavírus” (622.640) de 01 de março de 2020 a 20 de julho do mesmo ano. Deste total, filtramos um total de 159.560 tweets que continham URLs (links), com um total de 106.222 links únicos.

Utilizamos a Análise de Redes Sociais para analisar como os links foram compartilhados e identificar a presença de clusters polarizados, ou seja, mapear quais grupos de usuários compartilham links semelhantes sobre o tema. Criamos uma rede bipartida, com nós em que representavam as URLs e nós que representavam os usuários que as compartilharam. Também utilizamos algoritmos que calculam a tendência dos nós em pertencerem ao mesmo grupo a partir das URLs que compartilham (os usuários ficam mais próximo de outros usuários que compartilham os mesmos links).

Utilizamos também a Análise de Conteúdo para avaliar as 100 URLs que mais circularam nos clusters principais da rede. Esses links foram analisados e classificados (1) de acordo com o veículo de origem (hiperpartidários, jornalísticos, institucionais ou links de mídia social – que apontam para outro canal); (2) de acordo com o conteúdo (se continha ou não desinformação); (3) se apoiavam ou não o discurso do uso da hidroxicloroquina como cura ou profilaxia para o Covid-19.

 

Resultados

Na análise, nós marcamos as URLs em azul e os usuários em vermelho, assim podemos identificar os diferentes tipos de nós na nossa rede bipartida. A primeira coisa que observamos é a presença de duas comunidades (dois clusters) fortemente demarcados na rede. Isto indica que as URLs que circulam em um grupo não circulam no outro.

 

Figura 1: Rede do compartilhamento de links (azul) por usuários do Twitter (vermelho)

Para compreender o conteúdo que circulava na rede, analisamos as 100 URLs mais compartilhadas em cada um dos grupos. O grupo da parte de cima da rede era favorável a liberação do uso do remédio para tratamento do coronavírus. Do total de 100 links, 97 defendiam de algum modo o uso do remédio, seja como cura ou como tratamento, ou implicavam que pessoas que tinham se tratado com hidroxicloroquina teriam sobrevivido apenas pelo uso do remédio. Neste cluster, dentre as 100 URLs com maior circulação, temos 72 que continham algum tipo de desinformação e 28 que não continham. Todas as URLs que continham desinformação vinham de veículos hiperpartidários e mídia social.

No outro cluster, predomina o discurso que desacredita o uso do remédio no tratamento do coronavírus. Neste grupo, observamos uma maior circulação de veículos jornalísticos e institucionais. Há também uma quantidade muito menor de desinformação circulando (apenas sete links), dos quais quatro links vêm de veículos hiperpartidários, dois de veículos institucionais (que republicaram conteúdo desinformativo de sites hiperpartidários) e um de conteúdo publicado em mídia social.

A tabela abaixo sumariza estes resultados.

Dados de conteúdo e dos veículos

Tipos de Conteúdo Cluster pró hidroxicloroquina Cluster anti hidroxicloroquina
Desinformação 72 7
Conteúdo verificado 28 93
Tipos de Veículo
Veículos hiperpartidários 64 5
Veículos jornalísticos 20 80
Veículos institucionais 2 10
Mídia Social 14 5

 

Dentre os links que apoiam o uso da hidroxicloroquina, vemos principalmente referências à declarações do presidente Bolsonaro, ministros da saúde e outras autoridades, e conteúdo sob o formato que aponta para estudos que supostamente mostrariam que o medicamento “mata” o vírus. Já entre os links que desmentem este uso, vemos principalmente conteúdo factual, como o a retirada do estudo francês que teria supostamente comprovado a eficácia da hidroxicloroquina do ar e a não recomendação do uso do medicamento em testes pela OMS, além de links para periódicos científicos.

Também observamos diferenças importantes na estrutura dos dois clusters. O primeiro cluster, pró-hidroxicloroquina, por exemplo, é maior que o segundo (respectivamente 41.601 nós e 25.849 nós). O grupo que defende o uso da hidroxicloroquina tem 41.601 nós e 70.030 conexões, enquanto o outro grupo tem 25.849 nós e 38.954 conexões. Isso indica que há mais nós compartilhando os mesmos links no primeiro cluster em comparação com o segundo grupo. Ou seja, há uma maior concentração de conexões para as mesmas URLs compartilhadas no grupo pró-hidroxicloroquina.

 

Relevância

Os nossos resultados sinalizam assimetrias importantes na “dieta informativa” de quem consome e compartilha conteúdo relacionado ao Covid-19 no Twitter. No grupo favorável ao uso da hidroxicloroquina como tratamento do Covid-19, a desinformação está bastante associada ao consumo de veículos hiperpartidários (uma vez que quase toda a desinformação encontrada está relacionada a eles) e à conteúdo de mídia social (notadamente o YouTube). Por outro lado, no contrário ao uso da hidroxicloroquina como tratamento do Covid-19, a maior parte dos links circulados são de veículos jornalísticos ou noticiosos e veículos institucionais (por exemplo, sites de empresas, universidades e ministérios). Neste grupo, há um consumo e circulação muito menor de veículos hiperpartidários que, embora também sejam tipicamente associados a desinformação, também circulam conteúdo verdadeiro.  Este grupo está menos exposto à desinformação que o primeiro.

A estrutura da rede de links sobre o Covid-19, em conjunto com o tipo de URLs que circulam em cada grupo, indica que temos dois “ecossistemas” de informação distintos sobre o tema no Twitter. Assim, o que circula em um grupo não circula no outro. Isto é, links favoráveis ou contrários ao uso da hidroxicloroquina como tratamento do Covid-19 praticamente não circulam no cluster com opinião contrária. Isto dificulta o combate a desinformação, que está associada ao discurso pró-hidroxicloroquina, já que os usuários deste grupo não compartilham URLs que desmentem a desinformação.

 

Autores e financiamento

Os autores deste artigo são Raquel Recuero (UFPEL/UFRGS), Felipe Soares (UFRGS) e Gabriela Zago (MIDIARS). O estudo contou com o apoio do CNPq e da FAPERGS.

Monitor das Eleições Municipais – 2020

Por vários anos o MIDIARS acompanhou campanhas digitais mostrando para o público os candidatos e os processos de discussão. Este ano, em uma parceria com o CrowdTangle, colocamos no ar live displays com os candidatos de Pelotas e Porto Alegre. Nesses diplays,  os eleitores e demais interessados podem acompanhar como estão acontecendo as campanhas no Facebook e no Instagram e algumas métricas que são oferecidas pelo próprio CrowdTangle. Além disso, oferecem insights relevantes para os estudantes que pretendem analisar mais de marketing digital e marketing político, bem como debater elementos relacionados à democracia digital, temáticas e participação política.

Na sequência a explicação de cada uma das métricas (você pode conferir essa explicação aqui, em inglês):

  1. Posts mais recentes – Basicamente um feed do que os candidatos estão postando, na ordem de postagem. Essa métrica mostra o que todos os candidatos estão publicando.
  2. Overperforming posts–  São aqueles posts de cada candidato (e em relação uns com os outros) que estão ganhando mais atenção no momento (em relação à média dos posts do candidato e do grupo). Essa atenção pode ser positiva (engajamento e participação no post) ou negativa (polêmicas e discussões). Esse tipo de post aparece no Display com um pequeno gráfico do número de interações no tempo e o aumento do número de interações média. Essa métrica é interessante para ver quais temáticas estão gerando mais discussão. 
  3. Gráfico dos últimos 7 dias – Mostra a evolução da conversação na página do candidato no período (você pode selecionar para ver por mais tempo). No gráfico temos o total de interações em relação à semana anterior (indicando participação e engajamento).  Métricas do gráfico:
      • Share of voice –  é um percentual do total de interações que cada candidato recebeu sobre o total da lista (todos os candidatos que o Display acompanha). Essa métrica aponta quais candidatos conseguem gerar mais interações com seus posts e podem indicar engajamento com o candidato, com a campanha ou com as temáticas apresentadas. 
      • Interactions – é o total de interações que a página recebeu.
      • Posts – é o número de postagens da página no período.
      • Rate  – é uma métrica focada no total de interações recebidas por post dividida pelo total de likes ou seguidores que a página tem. É uma métrica de engajamento, que mostra quanto da audiência potencial de uma página realmente interage com as postagens realizadas. Em caso de páginas com muita audiência ou antigas, pode indicar também quais pessoas (da audiência potencial) realmente acompanham as postagens.

É importante salientar três coisas: Primeiro, páginas já existentes, com uma audiência já estabelecida, tendem a ter uma performance melhor no início das campanhas, pois se referem a candidatos já conhecidos e que mantém essas páginas (portanto, não é preciso conquistar audiência).  Segundo, as métricas dependem diretamente do uso das páginas pelos candidatos, caso contrário, aparecerão como muito baixas. Terceiro, o CrowdTangle apresenta apenas métricas comparativas de engajamento das páginas com a audiência, não podendo ser compreendido como pesquisa eleitoral ou como intenção de voto. Observa-se aqui apenas como a campanha, nesses canais digitais, está conseguindo engajar os eleitores e em quais tipos de temas.

Monitor de Pelotas

Monitor de Porto Alegre

Artigo novo: O Discurso Desinformativo sobre a Cura do COVID-19 no Twitter: Estudo de caso

(Por Felipe B. Soares)

Principais pontos

  • Pesquisa com análise de interações no Twitter mostra o alinhamento da desinformação sobre a “cura” do COVID-19 com o discurso político
  • Também foi observado que a desinformação sobre o tema aumentou após o pronunciamento de Jair Bolsonaro

 

Overview

O nosso o artigo “O Discurso Desinformativo sobre a Cura do COVID-19 no Twitter: Estudo de caso” já está disponível em formato Ahead of Print na E-Compós. Neste artigo, analisamos a circulação de desinformação no Twitter sobre a “cura” do COVID-19 em um período de 10 dias, que dividimos em três momentos: o período inicial de menções ao uso de cloroquina (20-22/03), um período em que Jair Bolsonaro faz declarações mais enfáticas neste sentido com pronunciamento público em 24 de março (23-25/03) e o período posterior ao pronunciamento (27-29/03). Os nossos resultados mostram (1) o alinhamento do discurso da desinformação com o discurso político de apoio ao presidente da República, Jair Bolsonaro;  (2) o espalhamento da desinformação associado à ação de influenciadores líderes de opinião notadamente alinhados à sua base de apoio; (3) o crescimento da circulação de desinformação a partir dos pronunciamentos do presidente; (4) a circulação de enquadramentos enganosos de informações verdadeiras como a estratégia-chave da disputa discursiva, buscando alinhar o discurso da “cura” com a desinformação.

Assim, o nosso estudo mostra que o discurso político tem papel importante na circulação de desinformação, mesmo sobre temas científicos e relacionados com a saúde pública, como é o caso da pandemia do COVID-19.

 

Método

Os resultados que apresentamos neste artigo são baseados na análise de quase 60 mil tweets que mencionavam os termos “coronavírus” e “cura”. Com mencionamos acima, dividimos estes tweets em três momentos para observar as dinâmicas de interações e espalhamento de desinformação ao longo do tempo. Para a análise destes dados, utilizamos dois métodos: a Análise de Redes Sociais e a Análise de Conteúdo.

 

Utilizamos a Análise de Redes Sociais para identificar os usuários mais centrais e também para observar a polarização nas conversações que analisamos. Para a análise dos usuários, observamos aqueles que mais receberam interações (RT, menções e respostas) e também os que mais participaram na conversação (os que mais retuitaram, mencionaram e responderam outros usuários). Para a análise da polarização, utilizamos algoritmos que calculam a tendência de todos os nós em pertencerem ao mesmo grupo a partir de seus retweets e citações (você tende a estar mais próximo das pessoas que retuita/comenta).

Utilizamos a Análise de Conteúdo para avaliar os tweets que mais foram compartilhados nestas conversações. Com base na Análise de Conteúdo, identificamos os tweets que espalhavam desinformação e também os que desmentiam as informações falsas. Além disso, no caso dos que espalhavam desinformação, também identificamos que tipo de desinformação era essa. Para isto, utilizamos três categorias:

  • Informação fabricada – Informação completamente falsa, fabricada ou sem nenhuma evidência como, por exemplo, teorias da conspiração.
  • Informação com enquadramento enganoso – Informações verdadeiras utilizadas para criar um sentido falso devido a forma como são apresentadas e ao tipo de conexões que é realizado a partir delas. Por exemplo: falsa conexão, falso contexto, conteúdo enganoso.
  • Informações manipuladas – Informações parcialmente verdadeiras manipuladas para construir um falso sentido. Por exemplo: imagens verdadeiras manipuladas de modo a acrescentar ou retirar uma informação essencial.

 

Resultados

Nos três períodos analisados, observamos redes polarizadas das interações sobre a “cura” do COVID-19 no Twitter. Nas três redes, temos um grupo azul envolvido em desmentir a desinformação sobre a “cura” do COVID-19, composto principalmente por jornalistas e pesquisadores; e um grupo vermelho envolvido com o espalhamento da desinformação, composto principalmente por políticos e ativistas de direita

Na nossa análise, observamos que no primeiro período (20-22/03), o grupo azul é maior e os tweets que mais circulam buscam desmentir a desinformação relacionada com a “cura” do COVID-19. Já nas outras duas redes (23-25/03 e 27-29/03), ocorre o inverso e a desinformação circula mais do que o conteúdo que a desmente. Entendemos que há uma influência do pronunciamento de Jair Bolsonaro, em 24/03, que pede às pessoas que voltem a trabalhar, condena as medidas de isolamento social e se opõe diretamente ao ministro da saúde, dizendo que o COVID-19 não passa de “uma gripezinha” e que a cloroquina seria uma cura para a doença. O pronunciamento não só é refletido no aumento da desinformação, como também no tipo de conteúdo que circula, já que muitas das mensagens desinformativa repetem falas de Bolsonaro.

 

Rede de 20-22/03

Rede de 23-25/03

Rede de 27-29/03

Discurso desinformativo da “cura” do coronavírus

Datas Número tweets originais Número de retweets
20-22/03/2020 08 3161
23-25/03/2020 14 5157
27-29/03/2020 21 5935

 

Discurso relacionado ao desmentido da “cura” do coronavírus

Datas Número tweets originais Número de retweets
20-22/03/2020 18 7958
23-25/03/2020 07 989
27-29/03/2020 03 313

 

Os usuários mais centrais nas conversações também se modificam do primeiro para o segundo e o terceiro período. Enquanto na rede de 20-22/03 temos principalmente jornalistas e pesquisadores entre os usuários que mais receberam interações na rede, nas outras duas redes os usuários que mais recebem interações são principalmente políticos e ativistas políticos. Da mesma forma, mudam também os usuários que mais participaram das conversações: no primeiro período são principalmente usuários interessados em debater sobre o tema, enquanto no segundo e no terceiro período, são principalmente os ativistas políticos.

 

Quanto ao tipo de desinformação mais frequente nas mensagens que espalham informações falsas sobre a “cura” do COVID-19 no período analisado, identificamos o enquadramento enganoso como principal estratégia. O enquadramento enganoso foi principalmente utilizado para relativizar a gravidade da doença, citando pessoas que se curaram, e relatar o uso de cloroquina ou hidroxicloroquina como elemento que “salvou” pessoas que foram curadas.

 

As informações fabricadas foram utilizadas principalmente para espalhar teorias da conspiração relacionadas a “esconder” a verdade da população. Em alguns casos, associam a conspiração à imprensa, veículos de comunicação ou esquerda. Em outros relata, que a “cura” está sendo escondida. Já o conteúdo manipulado não foi utilizado em nenhuma das mensagens que analisamos.

 

Relevância

O combate ao COVID-19 depende da ação coordenada entre os cidadãos. O espalhamento de desinformação é problemático porque gera percepções equivocadas sobre a pandemia e dificulta a ação coletiva. Assim, o nosso estudo contribui no entendimento de como circula a desinformação no Twitter, particularmente sobre a “cura” do COVID-19.

 

Os nossos resultados mostram que houve polarização na discussão sobre o tema e o espalhamento de desinformação cresceu ao longo do tempo. Além disso, vimos que a desinformação sobre a “cura” do COVID-19 foi influenciada pelo discurso político, especificamente pelo pronunciamento de Bolsonaro em 24 de março. Após o pronunciamento, o número de mensagens que espalhava desinformação aumentou, circulando mais do que os tweets que desmentiam as informações falas. Além disso, observamos que frequentemente as mensagens desinformativas remetiam ao discurso de Bolsonaro sobre o tema. Por fim, a polarização no discurso é problemática, porque vimos que desinformação e mensagens que a desmentiam circulavam em grupos diferentes no Twitter, dificultando o combate do discurso desinformativo.

 

Autores e financiamento

Os autores deste artigo são Raquel Recuero (UFPEL/UFRGS), Felipe Soares (UFRGS). O estudo contou com o apoio do CNPq e da FAPERGS.

Eleições UFPEL- O que dizem os planos das chapas?

Para auxiliar quem quer pensar um pouco melhor nos discursos na consulta feita à comunidade para as eleições para a reitoria,  fizemos um grafo de co-ocorrência de conceitos nos programas de gestão com as propostas de cada chapa. Esse tipo de análise de texto é uma forma de Linguistica de Corpus, onde trabalhamos no sentido de desvelar conceitos que estão mais associados à cada chapa.  Os grafos mostram quais conceitos mais aparecem nos programas (tamanho das palavras), por grupo (cores são conceitos que tendem a aparecer mais vezes juntos) e por co-ocorrência (a espessura da conexão mostra o quanto tendem a aparecer juntos).

Cada chapa tem dois grafos, um de co-ocorrências gerais (números duros), ou seja, conceitos que mais aparecem no plano mesmo; e co-ocorrências normalizadas, que é mais útil, muitas vezes, para observar temáticas gerais que aparecem no programa.

Estamos ainda com uma Dashbloard Live de monitoramento do CrowdTangle das chapas no Facebook e Instagram. 

Método

Para montar essas imagens, utilizamos o programa de cada chapa disponível nas páginas (links a seguir).  Todas as palavras são contabilizadas, retirando-se as chamadas stopwords (palavras que geralmente acrescentam pouco ao corpus, como artigos, preposições, pronomes e etc.). O corpus é quase exclusivamente composto de substantivos e verbos (principalmente porque há pouca adjetivação no material). Então, contabilizamos a frequência de cada palavra. Fechamos com um conjunto de 100-110 mais citadas (varia pelo número total de ocorrências – entre 5 e 10 vezes no mínimo). A partir disso, analisamos as “unidades de sentido”, que consideramos parágrafos neste caso, onde analisamos as co-ocorrências dos conceitos. De posse dessa matriz, construímos grafos que foram submetidos a um algoritmo de grupabilidade (tendência dos nós de estarem mais “próximos” uns dos outros) e distribuição para visualização.

Há bastante semelhanças, mas também bastante diferenças em cada um.

Chapa 1: UFPEL Diversa

Programa de Gestão

Grafo 1: Co-ocorrências gerais (Números totais)
Co-ocorrências gerais

 

Grafo 2: Co-ocorrências Normalizadas

 

Chapa 2: UFPEL Mais

Programa de Gestão

Grafo 1: Co-ocorrências gerais (Números totais)

Grafo 2: Co-ocorrências gerais Normalizadas

Chapa : UFPEL #TOCONTIGO

Plano de Gestão

Grafo 1: Co-ocorrências gerais (Números totais)

Grafo 2: Co-ocorrências gerais Normalizadas

Chapa 4: UFPEL RAIZ

Plano de Gestão

Grafo 1: Co-ocorrências gerais (Números totais)

Grafo 2: Co-ocorrências gerais Normalizadas

Para ler melhor os grafos, clique nas imagens para ver em tamanho maior.

Monitoramento Eleições para a Reitoria da UFPEL

O laboratório há algum tempo vem monitorando as campanhas eleitorais e a participação política através da mídia social com o projeto “Monitor das Eleições”(desde 2012).  Este ano também vamos monitorar as eleições municipais, porém com o acréscimo de novas ferramentas, como o CrowdTangle.  Em preparação para entendermos um pouco melhor como acontecem as campanhas  online nesse momento de pandemia, iniciamos o processo com a Eleição para a reitoria da UFPEL.
 
E para que todo mundo possa também participar do processo, pessoal do #MIDIARS criou no CrowdTangle uma dashboard pública onde dá para acompanhar como estão performando as chapas para a reitoria na mídia social (Instagram e Facebook). Confiram lá as chapas, suas páginas e as postagens publicadas!
Atenção: A dashboard apenas mostra o que as chapas publicaram e a interação das audiências com o conteúdo. Não se trata de pesquisa eleitoral, pois não há nenhum tipo de interferência nossa nos dados. O CrowdTangle apenas sistematiza os dados do Facebook e do Instagram. Também é importante observar que algumas chapas iniciaram a partir de páginas pré-existentes, o que indica que já tinham uma audiência prévia, enquanto outras ainda estão construindo audiência.

Mais atuações do MIDIARS