(Por Felipe B. Soares)
Principais pontos
- Nesta pesquisa, analisamos a circulação de links sobre a hidroxicloroquina no Twitter e identificamos polarização na circulação de informações, ou seja, as informações que circulam em um grupo não circulam no outro. Isso significa que links informativos, que poderiam desmentir a desinformação não circulam onde circulou a desinformação.
- O grupo favorável ao uso da hidroxicloroquina como profilaxia e cura do Covid-19 está associado à desinformação e mídias hiperpartidárias, o que também salienta o alinhamento político da desinformação.
Overview
O nosso o artigo “Polarização, Hiperpartidarismo e Câmaras de Eco: Como circula a Desinformação sobre Covid-19 no Twitter” está disponível em Preprint na SciELO. Neste artigo, analisamos a circulação de desinformação sobre o Covid-19 no Twitter, analisando especificamente links relacionadas com o uso da hidroxicloroquina como tratamento da doença. A nossa análise foi realizada a partir de um conjunto de 159.560 links que circularam no Twitter entre os meses de março e julho de 2020.
Através de um mapeamento da rede e da observação da vizinhança dos links e dos links mais compartilhados, observamos uma polarização da circulação dos links de acordo com seu sentido (pró-hidroxicloroquina ou anti-hidroxicloroquina). Os resultados também apontam para uma maior atividade na divulgação de links pró-hidroxicloroquina, grupo onde também circula a maior quantidade de desinformação e de mídias hiperpartidárias.
Método
Para a nossa análise, coletamos um total de 925.537 tweets que continham a combinação de palavras “hidroxicloroquina + coronavírus” (302.897) e “cloroquina + coronavírus” (622.640) de 01 de março de 2020 a 20 de julho do mesmo ano. Deste total, filtramos um total de 159.560 tweets que continham URLs (links), com um total de 106.222 links únicos.
Utilizamos a Análise de Redes Sociais para analisar como os links foram compartilhados e identificar a presença de clusters polarizados, ou seja, mapear quais grupos de usuários compartilham links semelhantes sobre o tema. Criamos uma rede bipartida, com nós em que representavam as URLs e nós que representavam os usuários que as compartilharam. Também utilizamos algoritmos que calculam a tendência dos nós em pertencerem ao mesmo grupo a partir das URLs que compartilham (os usuários ficam mais próximo de outros usuários que compartilham os mesmos links).
Utilizamos também a Análise de Conteúdo para avaliar as 100 URLs que mais circularam nos clusters principais da rede. Esses links foram analisados e classificados (1) de acordo com o veículo de origem (hiperpartidários, jornalísticos, institucionais ou links de mídia social – que apontam para outro canal); (2) de acordo com o conteúdo (se continha ou não desinformação); (3) se apoiavam ou não o discurso do uso da hidroxicloroquina como cura ou profilaxia para o Covid-19.
Resultados
Na análise, nós marcamos as URLs em azul e os usuários em vermelho, assim podemos identificar os diferentes tipos de nós na nossa rede bipartida. A primeira coisa que observamos é a presença de duas comunidades (dois clusters) fortemente demarcados na rede. Isto indica que as URLs que circulam em um grupo não circulam no outro.
Figura 1: Rede do compartilhamento de links (azul) por usuários do Twitter (vermelho)
Para compreender o conteúdo que circulava na rede, analisamos as 100 URLs mais compartilhadas em cada um dos grupos. O grupo da parte de cima da rede era favorável a liberação do uso do remédio para tratamento do coronavírus. Do total de 100 links, 97 defendiam de algum modo o uso do remédio, seja como cura ou como tratamento, ou implicavam que pessoas que tinham se tratado com hidroxicloroquina teriam sobrevivido apenas pelo uso do remédio. Neste cluster, dentre as 100 URLs com maior circulação, temos 72 que continham algum tipo de desinformação e 28 que não continham. Todas as URLs que continham desinformação vinham de veículos hiperpartidários e mídia social.
No outro cluster, predomina o discurso que desacredita o uso do remédio no tratamento do coronavírus. Neste grupo, observamos uma maior circulação de veículos jornalísticos e institucionais. Há também uma quantidade muito menor de desinformação circulando (apenas sete links), dos quais quatro links vêm de veículos hiperpartidários, dois de veículos institucionais (que republicaram conteúdo desinformativo de sites hiperpartidários) e um de conteúdo publicado em mídia social.
A tabela abaixo sumariza estes resultados.
Dados de conteúdo e dos veículos
Tipos de Conteúdo | Cluster pró hidroxicloroquina | Cluster anti hidroxicloroquina |
Desinformação | 72 | 7 |
Conteúdo verificado | 28 | 93 |
Tipos de Veículo | ||
Veículos hiperpartidários | 64 | 5 |
Veículos jornalísticos | 20 | 80 |
Veículos institucionais | 2 | 10 |
Mídia Social | 14 | 5 |
Dentre os links que apoiam o uso da hidroxicloroquina, vemos principalmente referências à declarações do presidente Bolsonaro, ministros da saúde e outras autoridades, e conteúdo sob o formato que aponta para estudos que supostamente mostrariam que o medicamento “mata” o vírus. Já entre os links que desmentem este uso, vemos principalmente conteúdo factual, como o a retirada do estudo francês que teria supostamente comprovado a eficácia da hidroxicloroquina do ar e a não recomendação do uso do medicamento em testes pela OMS, além de links para periódicos científicos.
Também observamos diferenças importantes na estrutura dos dois clusters. O primeiro cluster, pró-hidroxicloroquina, por exemplo, é maior que o segundo (respectivamente 41.601 nós e 25.849 nós). O grupo que defende o uso da hidroxicloroquina tem 41.601 nós e 70.030 conexões, enquanto o outro grupo tem 25.849 nós e 38.954 conexões. Isso indica que há mais nós compartilhando os mesmos links no primeiro cluster em comparação com o segundo grupo. Ou seja, há uma maior concentração de conexões para as mesmas URLs compartilhadas no grupo pró-hidroxicloroquina.
Relevância
Os nossos resultados sinalizam assimetrias importantes na “dieta informativa” de quem consome e compartilha conteúdo relacionado ao Covid-19 no Twitter. No grupo favorável ao uso da hidroxicloroquina como tratamento do Covid-19, a desinformação está bastante associada ao consumo de veículos hiperpartidários (uma vez que quase toda a desinformação encontrada está relacionada a eles) e à conteúdo de mídia social (notadamente o YouTube). Por outro lado, no contrário ao uso da hidroxicloroquina como tratamento do Covid-19, a maior parte dos links circulados são de veículos jornalísticos ou noticiosos e veículos institucionais (por exemplo, sites de empresas, universidades e ministérios). Neste grupo, há um consumo e circulação muito menor de veículos hiperpartidários que, embora também sejam tipicamente associados a desinformação, também circulam conteúdo verdadeiro. Este grupo está menos exposto à desinformação que o primeiro.
A estrutura da rede de links sobre o Covid-19, em conjunto com o tipo de URLs que circulam em cada grupo, indica que temos dois “ecossistemas” de informação distintos sobre o tema no Twitter. Assim, o que circula em um grupo não circula no outro. Isto é, links favoráveis ou contrários ao uso da hidroxicloroquina como tratamento do Covid-19 praticamente não circulam no cluster com opinião contrária. Isto dificulta o combate a desinformação, que está associada ao discurso pró-hidroxicloroquina, já que os usuários deste grupo não compartilham URLs que desmentem a desinformação.
Autores e financiamento
Os autores deste artigo são Raquel Recuero (UFPEL/UFRGS), Felipe Soares (UFRGS) e Gabriela Zago (MIDIARS). O estudo contou com o apoio do CNPq e da FAPERGS.