‘Educação vem de casa’
É possível que todos nós, em algum momento, já tenhamos ouvido a frase: “Na escola, a gente ensina. Educação vem de casa”. Esse discurso, que ganhou força a partir dos anos 1980, veio acompanhado da desvalorização do trabalho do professor e da redução da escola à sua função de instrução, unicamente.
Nesta esteira de desvalorização da escola, temos hoje a retomada das discussões acerca do Homeschooling, que poderia ser uma oportunidade para a família realizar todo o processo de educação da criança em casa, sem precisar enfrentar diferentes pedidos e negociações com a escola. Já pensou se não precisasse mais dizer para seu filho que determinados conteúdos que a escola ensina são importantes; que escutar as dúvidas dos colegas é sinal de educação, mesmo quando ela não é sua questão de interesse no momento; que existem valores aos quais nós, individualmente, nos colocamos a serviço, pois proporcionam bem-estar, segurança e proteção a médio e longo prazo, como a solidariedade, respeito às diferenças, equidade e participação social, etc. Alguém, ainda, poderia pensar: “sofri tantas coisas na escola, posso agora evitar que meu filho passe por isso”; “tenho mais condições do que qualquer escola de educar meu filho”; “não aprendi nada na escola mesmo…”.
Se tirarmos o foco do adulto e pensarmos do ponto de vista da criança, podemos começar a perceber quantas coisas se aprende na escola, partilhar um lugar comum, fazer escolhas por si mesma, conhecer e respeitar quem tem experiências diferentes, descobrir outras formas de agir, etc. Por essa via de que a educação é um processo coletivo, cultural e negociado, a defesa que faz o Homeschooling, de uma educação mais direcionada às necessidades de cada criança, torna-se apenas um discurso que busca privar ela daquilo que os adultos julgam desnecessário, errado ou superficial.
Novamente, barreiras foram criadas entre escolas e famílias, como se ambas estivessem em lados opostos do projeto social de formação humana. Mais uma vez, a escola teve sua relevância social questionada. Se as crianças passaram o ano todo sem ir e “não fez falta”, que diferença faz? Vale a pena todo esse investimento de dinheiro público se as tarefas estão sendo feitas em casa?
E, acima de tudo, mais uma vez a educação das crianças foi discutida não como um direito, mas como um privilégio, como um bem privado que deve servir única e exclusivamente aos interesses das famílias, ou dos adultos das famílias, melhor dizendo. Nos tornamos humanos no convívio, no contato, na medida em que experienciamos e vivemos no coletivo. A formação do ser não está completa ao nascer, nem ocorre entre quatro paredes, tampouco depende de um controle instrumental sobre o que oferecer ou não para acontecer. Todos nós temos, de modo coletivo, responsabilidade sobre a trajetória dessa formação e exercemos no espaço público, quando e onde acolhemos e nos relacionamos com as crianças que chegam.
E se, na verdade, estar na escola for mesmo um privilégio para a criança? Há tempos atrás este privilégio era para poucos, hoje, de tão expandido que foi já não chamamos de privilégio, mas de direito. Ainda assim, para a criança, ser acolhida na escola é um processo de reconhecimento ímpar, que não acontece só por meio da instrução, mas também pela liberdade de partilhar esse valor cultural que acessa com seus pares. De quantas experiências ainda vamos privar as crianças em razão das escolhas dos adultos? Quantas coisas vão viver apenas através das histórias de seus pais e não em primeiro plano? O que as crianças pensam sobre o Homeschooling?
SÉRIE: Crenças do Pedagógico – EP. 7
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Ilustração: @simona.ceccarelli @childrenswritersguild