A evolução epidêmica do COVID-19 – Modelo SIR

Este documento tem por objetivo explicar o modelo e os parâmetros utilizados pelos pesquisadores do GDISPEN para a modelagem matemática do COVID-19. O documento será constantemente atualizado e incrementado. A pesquisa “A EVOLUÇÃO EPIDÊMICA DO COVID-19 – MODELO SIR” está sob a responsabilidade dos doutores Daniela Buske,  Glênio Aguiar Gonçalves e Régis Sperotto de Quadros, do Laboratório do Grupo de Dispersão de Poluentes & Engenharia Nuclear (GDISPEN). Os pesquisadores do GDISPEN são docentes do DME / IFM / PPGMMat  / UFPel– Pelotas / RS / Brasil.

Este estudo tem finalidade puramente acadêmica e científica, mostrando a grande aplicabilidade da modelagem matemática em problemas reais. As discussões, opiniões, idéias e publicações geradas a partir dos resultados do modelo utilizado são de autoria dos respectivos autores, e não necessariamente representam aquelas das instituições a que estes pertencem.

Os pesquisadores utilizaram inicialmente o modelo epidemiológico SIR (Suscetível-Infectado-Recuperado) (McKendrick e Kermack, 1927, 1932, 1933, republicados em 1991). Este modelo simples, porém, considerado robusto para modelar epidemias como o COVID-19, é bem conhecido na literatura e mostra a evolução de uma população suscetível S, infectada I e recuperada R. O modelo SIR tem sido amplamente utilizado para modelar o COVID-19. O conjunto de equações mais simples do modelo SIR é dada por:

onde β e γ são positivos, sendo β a taxa de infecção e γ  a taxa de recuperação dos indivíduos, e N = S + I + R é o total da população. O código computacional foi desenvolvido em linguagem SCILAB.

  • Suscetíveis: indivíduos ainda não expostos e que podem adquirir a infecção.
  • Infectados: indivíduos infectados, doentes ou não, que podem transmitir para outras pessoas.
  • Recuperados/Removidos: indivíduos que se infectaram e se recuperaram, adquirindo imunidade; ou os que morreram em decorrência da doença.

Um modelo matemático se apoia em premissas e hipóteses sobre o fenômeno estudado, no qual são inseridas informações de parâmetros. Inicialmente os parâmetros são estimados com base no conhecimento acumulado em epidemias anteriores ou, da própria epidemia e do seu desenvolvimento em outros locais. No decorrer da epidemia os parâmetros vão sendo melhor definidos e os modelos tornam-se mais robustos, uma vez que o conhecimento e a característica da epidemia ficam mais claros.

No modelo SIR temos dois parâmetros importantes: a taxa de transmissão β (para quantas pessoas, em média, um indivíduo infectado pode transmitir a doença) e a taxa de recuperação γ. Neste modelo, considera-se que indivíduos já infectados não podem ser infectados novamente.

Medidas de distanciamento social e de conscientização da população acerca dos sintomas do Covid-19 aumentam as chances de que as pessoas permaneçam em suas casas, reduzindo a exposição, independente de terem sintomas. Também aumentam as chances de que pessoas com sintomas respiratórios evitem transitar nas ruas, mantendo-se em auto quarentena, evitando a transmissão para outras pessoas. Uma observação importante é que as medidas de isolamento ou restrições não são observadas imediatamente no número de casos, pois existe uma defasagem entre o momento da infecção e o aparecimento de sintomas (período de incubação). O tempo de incubação do COVID-19 é de 5 a 14 dias (tendo referências que citam 5 a 18 e 5 a 21 dias).

Na literatura encontram-se três cenários, considerando um período distinto em que indivíduos infectados se mantêm em circulação, podendo transmitir o vírus para pessoas suscetíveis, em função das medidas de distanciamento social: 5, 14 e 21 dias. Resultados apontam que as medidas de distanciamento social têm como consequência não apenas a diminuição do número total de casos, mas, principalmente, do número de casos ativos. Isto diminui a pressão sobre os serviços de saúde e é conhecido como fenômeno de “achatamento da curva”.

Nas simulações da expansão da Epidemia no Brasil, considerou-se um período de infecção de 5.2 dias (taxa de recuperação γ = 1/5.2), uma vez que restrições quanto à circulação, como fechamento de universidades e escolas iniciaram a ser tomadas em torno do dia 16 de março em diversos Estados.

A reprodutibilidade basal é medida pelo parâmetro R0 (taxa de reprodução) e significa o número médio de pessoas que são infectadas por um único indivíduo, R0=β/γ. Segundo publicação recente do Imperial College e de outras fontes da literatura, este valor varia entre 2 e 4 (2.6 a 3.5), no caso do COVID-19. Este valor se modifica ao longo do desenvolvimento da epidemia. Se R0 < 1, então o número de infectados será decrescente e a epidemia se erradicará. No caso em que R0 > 1 a epidemia persistirá na população. Conhecendo R0 e γ podemos encontrar a taxa de infecção β.

  • Para o Brasil considerou-se R1 = 3.2 até 8 dias depois do caso 50, R2=2.08 de 9 a 18 dias, R3 = 1.72 de 19 a 30 dias e R4 = 1.4 para o restante dos dias.
  • Para o RS considerou-se R1= 2.5 até 8 dias depois do caso 50, R2=1.42 de 9 a 21 dias, R3 = 1.18 de 22 a 35 dias e R4 = 1.30 para o restante dos dias (no gráfico temos um exemplo de como seria o crescimento da curva, se fosse mantido o R0 de cada período)
  • Para Porto Alegre considerou-se R1= 1.67 até 9 dias depois do caso 50, R2=1.17 de 10 a 23 dias, R3 = 1.08 para o restante dos dias.

Os dados confirmados da epidemia são disponibilizados online. Neste trabalho são utilizados os dados disponibilizados pela Universidade John Hopkins (EUA), pela Organização Mundial de Saúde (OMS), secretarias estaduais, a Wikipedia e Ministério da Saúde do Brasil. Os dados confirmados da epidemia são comparados com o modelo matemático SIR.

Em uma entrevista para a rede americana CNN no dia 29 de março, o infectologista Anthony Fauci, um dos mais respeitados do mundo, declarou que a pandemia é um “alvo em movimento”. Assim, pequenas mudanças nos números divulgados pelas autoridades, ou nos parâmetros utilizados no modelo epidemiológico, irão causar grandes variações no número de infectados no futuro. Lembrando que a tendência estimada da curva pode ser alterada conforme as ações implementadas pelo governo.

*arquivo atualizado em 22.05.2020

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Sites utilizados para visualização de dados e acompanhamento da epidemia: