O vinho como coadjuvante na refeição: o relato de uma pessoa “chata para comer”

No preparo de molhos, harmonização, para marinar a carne, o vinho é uma das bebidas mais antigas do mundo pode assumir diversos papéis dentro da gastronomia. Saber fazer combinações com a bebida é útil para preparar uma boa refeição e, talvez, ganhar corações.

Por Bruna Meotti /Agência Em Pauta

 

Estrogonofe preparado com vinho / Imagem por Bruna Meotti Por Bruna Meotti / Em Pauta

Meu primeiro contato memorável com o vinho foi em uma visita à Casa Valduga, vinícola da Serra Gaúcha. Eu tinha 10 anos e com certeza só estava — no máximo — interessada em comer no restaurante italiano que havia lá. Vi tantos adultos degustando vinho, cheirando e apreciando tantas variedades de uma bebida com uma felicidade que, de forma coerente com um paladar infantil, parecia não fazer sentido para mim.

Das vezes em que, até aquele momento, tive a oportunidade de sorver um mísero gole daquela bebida (que, de modo confuso, às vezes era transparente e dourada, às vezes era roxa escuríssima, às vezes era transparente e rosada, às vezes tinha bolhas…), o gosto sempre parecia azedo e nada agradável. Eu não tinha a menor ideia da diferença entre vinho tinto, rosé, branco, e não era como se tivesse alguma curiosidade sobre isso. Não entrava na minha cabeça como aquela gente gostava tanto de vinho.

Hoje, aos meus 20 anos, e tendo um pai parceiro para beber, sou apaixonada por alguns vinhos específicos, e aproveitaria muito mais aquele passeio na Casa Valduga. Porém, adquirindo o gosto pelo vinho, meu paladar pode até ter amadurecido quando se trata de álcool… O que definitivamente não aconteceu com o meu gosto alimentar.

A cozinha foi um tópico delicado para mim desde sempre, a seletividade alimentar é um problema grande — principalmente quando se trata de texturas. E, por isso, nos últimos anos, tenho tentado ampliar minhas habilidades culinárias para sobreviver à vida universitária sem ter uma intoxicação alimentar ou ir à falência.

Combinando a dificuldade para comer, o gosto pelo vinho e um pai parceiro também para testar receitas (e convenientemente formado em gastronomia), achei interessante testar o que dá para fazer com a bebida em uma refeição. Depois de alguns minutos pesquisando receitas com vinhos na internet e fazer uma chamada de vídeo com o meu pai pedindo dicas, decidi preparar um estrogonofe de carne com vinho para jantar com o meu — até então — amigo que me visitaria em Pelotas.

E esta é a jornada de uma pessoa não muito experiente na cozinha, chata para comer, mas determinada a fazer uma janta decente utilizando vinho

 

Vinho na comida? 

De forma bem resumida, o vinho é uma bebida alcóolica produzida a partir da fermentação do suco da uva. Partindo deste ponto, é importante compreender algumas categorias para saber que tipo de vinho estamos consumindo. Aqui, prefiro não adentrar no mérito do teor alcóolico, já que há uma divergência entre especialistas no assunto quanto a apresentar o champagne como um vinho à parte do espumante e enquadrá-lo como uma categoria ao lado dos vinhos de mesa ou licorosos. E tudo o que eu menos quero é complicar esse assunto já cheio de detalhes.

O que, neste momento, considero importante entender é em relação à cor do vinho e o teor de açúcar. O vinho pode ter 3 cores: branco, tinto e rosé.

Já em relação ao açúcar, que determina se ele é  um vinho mais doce ou “agressivo” no paladar, podemos dividir entre: suave, demi-sec ou seco/brut. As denominações correspondem, respectivamente, ao preparo com mais açúcar até aquele com menos.

Insiro aqui uma menção honrosa a um fator importante: a efervescência do vinho. Alguns tipos de vinho podem ter uma certa concentração de gás carbônico, o que faz com que ele tenha bolhas, como os espumantes e frisantes (e a diferença essencial entre eles é que o frisante possui uma concentração um pouco menor de gás carbônico, e por isso ele não tem tanta espuma).

Compreendendo as categorias que acabei de listar, é mais fácil reconhecer e buscar por vinhos que sejam do seu agrado. A partir disso, é importante saber que nomes comuns como Merlot, Champagne, Cabernet, Lambrusco e etc… Se referem ao tipo de uva ou ao preparo utilizado para a produção do vinho.

Tomando ao exemplo do Lambrusco, minha bebida favorita nesta vida, ele é um vinho frisante feito da uva tinta cultivada na Itália, sobretudo da região da Emilia-Romana. Esta é a “base” do Lambrusco, pois para além das características principais que mencionei, podemos encontrá-lo nas 3 cores, e sendo suave ou seco.

Le bollicine del Lambrusco (as bolhinhas do Lambrusco) / Imagem por Marco Carboni

Em determinados locais o vinho pode ser um produto mais elitizado, mas há sim lugares em que o consumo está tradicionalmente enraizado ao dia a dia das massas, como em alguns países Europeus, e em consequência da exportação cultural no século XIX e XX, o hábito de consumir vinho está muito presente em países influenciados por processos imigratórios.

Em uma chamada de vídeo recente com o meu pai, que é a minha principal fonte para esta matéria, recebi umas informações bem legais sobre o consumo de vinho. Segundo o seu João de Paula, tecnólogo em gastronomia e exímio apreciador de vinhos, Portugal é o país que mais consome vinho. Tendo um média de 62 litros por pessoa ao ano, enquanto o Brasil tem uma média de apenas 2 — o que eu achei absurdo, pois essa é geralmente a minha média quinzenal.

Por ser uma bebida intimamente ligada à cultura de certos povos, incorporar o vinho na gastronomia foi um processo natural. A começar pelas harmonizações, que por muito tempo se estabeleciam por meio do regionalismo. Uma comunidade que residia no sul da França, por lógica, iria harmonizar a sua culinária local com o seu vinho, e a busca por uma combinação perfeita estimulou o processo de elaboração da comida e da bebida para que os sabores se casassem.

E é claro que, em meio a isso, algumas mentes geniosas decidiram inserir o vinho diretamente no preparo das refeições, e isso deu muito certo.

“O vinho pode ser usado no preparo de comidas como em molhos, nas marinadas, no risoto…”, explica João, “Mas o uso não se resume ao sabor, o vinho também pode ter uma função química, como no caso do risoto, em que se utiliza a acidez do vinho para liberar o amido do arroz, e deixar o prato mais cremoso.”

Vale mencionar aqui um dos maiores pecados gastronômicos. A junção de vinho tinto com peixe provoca uma reação com o iodo presente na carne, e assim o vinho fica com um gosto metalizado. O vinho branco é o mais recomendado na harmonização com frutos do mar e peixes.

 

Como descobri que tem gente que coloca vinho na comida 

A grande apreciadora de frisantes brancos suaves que hoje escreve esta matéria/experiência informativa foi uma criança apavorada ao ver a mãe virando uma  garrafa de vinho dentro da panela em que preparava Fondue para uma janta de sábado à noite. Obviamente a minha mãe virou muito pouco, mas eu fiquei extremamente indignada por ver uma bebida alcóolica sendo colocada no que, mais tarde, seria servido a uma criança.

A Dona Vânia, que não é conhecida por uma grande paciência, não deu muita atenção à minha revolta e continuou fazendo o jantar. Naquela noite, nenhuma criança foi embebedada, e o fondue estava uma delícia.

Anos depois, quando eu já morava sozinha e não tinha muita noção na cozinha, inventei de fazer fondue de queijo em um dia frio. Quando meus pais me explicaram que eu deveria usar um vinho seco (porque não é muito indicado colocar um vinho suave, com um alto teor de açúcar, em uma comida supostamente salgada), eu guardei bem a informação. Mas não me atentei ao fato de que deveria escolher um vinho branco, e acredito que isso explica bem por que o fondue ficou roxo.

Na segunda vez em que fiz, entretanto, comprei o maldito vinho branco seco, e deu tudo certo.

 

A primeira receita que eu não deturpei 100% por conta da minha seletividade alimentar

Eu escolhi falar sobre a enogastronomia sem refletir muito antes; eu precisava escrever algo para o Em Pauta, estava gostando de explorar o jornalismo gastronômico, queria testar umas receitas legais para fazer para os meus amigos (e que agradassee tanto ao meu gosto chato quanto ao deles). Pronto, cheguei em casa à noite, depois da reunião do projeto, e fui para a internet pesquisar “receitas com vinho”. Achei uma receita de estrogonofe de carne justamente no site da Casa Valduga. A sugestão de vinho para o molho era um Cabernet Sauvignon tinto seco. Coerente com o fato do teor de açúcar e condizente com a cor tipicamente escura do estrogonofe.

O preparo envolvia carne de gado, que eu como sem problemas, alguns temperos que eu como sem problemas… Mas existia uma pequena lista de obstáculos para mim: cebola, tomate e champignon. Se eu tirasse os três, ficaria tão sem graça, mas o tomate jamais seria uma opção para mim. Por isso, optei, entre esses três, por usar somente o champignon.

Falei com o meu pai sobre a receite e ele me sugeriu harmonizar o prato com um vinho Merlot suave. Pronto, eu tinha um vinho para inserir no preparo, e outro para a harmonização, estava bom para escrever uma matéria legal.

E no dia seguinte a minha amiga, a querida Natasha, acompanhou-me em uma aventura em um dia chuvoso atravessando o centro de Pelotas para comprar os vinhos e o tal champignon.

 

O estrogonofe de vinho que conquistou o estômago e o coração do Lucas

Por mais que a Natasha tenha ido ao mercado comigo, ela infelizmente não poderia apreciar a receita, pois ela é vegetariana. Então a cobaia seria um amigo que frequentemente ia passar seus finais de semana comigo em Pelotas. E acredito que isso foi uma boa motivação, eu não queria passar vergonha servindo um estrogonofe medíocre para o Lucas.

Mas isso não quer dizer que eu fiz tudo sozinha, como eu tenho medo de fatiar os dedos ao cortar carne, repassei a tarefa para o amiguinho. E entre um desespero inicial por deixar o alho e a manteiga queimarem na primeira tentativa, e uma chamada de vídeo emergencial para o meu pai, pois eu precisava do conselho dos universitários, deu tudo certo.

Servi o estrogonofe de filé mignon com vinho e macarrão, prato harmonizado também com vinho, e degustamos a comida naquela noite assistindo a The Office.

Estrogonofe preparado com vinho / Imagem por Bruna Meotti

O estrogonofe com Cabernet Sauvignon no molho ficou muito gostoso, posso afirmar sem culpa. Mesmo para esse paladar insuportável que eu tenho. Porém não consegui vencer o champignon por muito tempo, a textura fez meu cérebro ficar confuso, e todos os cogumelos foram parar no prato do Lucas.

Estrogonofe acompanhado de uma garrafa de Cabernet Sauvignon, e uma de Tannat/Merlot (preparo de 2 uvas) / Imagem por Bruna Meotti

Quanto à harmonização, a comida não afeta o gosto do outro vinho, e eu com certeza beberia uma taça do Merlot juntamente a aperitivos. Porque, para o meu gosto, ele era um vinho pesado demais para comer com uma refeição encorpada como macarrão com estrogonofe. E também não é como se eu fosse muito chegada em vinhos tintos, então encerrei a noite tomando um frisante branco suave, e extremamente contente com a comida que eu preparei.

E se eu sou muito suspeita para falar, vou usar o Lucas como exemplo. O cara gostou tanto do estrogonofe que dois dias depois já foi embora da minha casa com um anel de coco no dedo e querendo me apresentar pra família. Posso não ter conseguido comer champignon ou beber vinho tinto, mas fiz uma comida muito boa, consegui conteúdo para uma matéria muito legal, e conquistei um homem pelo estômago.

 

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